GIOVANNI G. CERRI
O desenvolvimento da medicina está inseparavelmente ligado à pesquisa. Isso pode parecer um tanto óbvio para nós, presentes em um tempo em que o conhecimento sobre o corpo humano está mais avançado que em qualquer outro tempo.
Não haveria espaço aqui para listar as conquistas da medicina obtidas após muitos anos (e muitos recursos financeiros) empregados em pesquisa, investigação cuidadosa e critérios científicos para validá-las. Mesmo limitando o período a, digamos, o último século e meio, quando a medicina passou de fato a estar amalgamada à ciência. Mais curta seria a lista das conquistas que não dependeram de pesquisa: nenhuma. Como mera ilustração, lembremos que o conhecimento sobre a covid-19, de não existente antes de 2019, hoje já encheria uma biblioteca de tamanho razoável. Levantamento da revista Nature contabilizava mais de 23 mil artigos publicados no primeiro semestre de 2020.
A pesquisa em medicina se faz necessária também porque somos 8 bilhões os seres humanos habitando o planeta Terra, cada vez mais aglomerados em cidades, com cada vez mais riscos à saúde ao nosso redor. As populações desassistidas crescem, apesar dos esforços de governos ao redor do mundo para combater a desigualdade, e são essas populações as mais expostas a riscos de saúde – seja por insuficiências alimentares, seja por viverem em áreas insalubres, sem saneamento sanitário, ou por inúmeras razões. Os investimentos em saúde pública serão cada vez mais essenciais, e os recursos disponíveis para isso não necessariamente crescerão no ritmo adequado.
Uma resposta às demandas de saúde pública presentes e futuras pode passar pela busca por curas. Estas tendem, no entanto, a serem mais caras – basta ver, mais uma vez, o que a covid fez com cofres públicos no Brasil e fora, e com a economia mundial como um todo. Não se poderá evitar, claro, que se invista nessa medicina “reativa”. Mas se o que se quer é ter populações mais saudáveis e sistemas de saúde menos onerados, o caminho é a prevenção. E a chave para isso, o leitor já terá intuído, é a pesquisa.
No Brasil, que tem o SUS – o maior sistema público de saúde do mundo –, a necessidade de investir em pesquisa é fundamental. Há 13 anos que no Inrad (Instituto de Radiologia), do HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP) opera o CinRad (Centro de Produção de Radiofármacos do InRad). *No seu tempo de existência, o centro já produziu radiofármacos que foram usados em mais de 6 mil procedimentos de PET-CT (tomografias por emissão de pósitrons) e, também, de PET-RM (ressonância por emissão de pósitrons).*
O CinRad existe para contribuir com a ampliação do acesso gratuito a exames de alta complexidade que não constam no rol do SUS. Presta, assim, um benefício inestimável a pacientes com, por exemplo, câncer de mama, melanoma, câncer de cabeça e pescoço.
Nos exames de PET/CT já realizados no HC, cerca de R$ 14 milhões foram totalmente subsidiados pelo CinRad (que produz os radiofármacos necessários ao exame). A pesquisa no centro também possibilita a produção de radiofármacos que contribuem para diagnosticar Alzheimer, tumor neuroendócrino, câncer de próstata e outras doenças.
O Brasil tem vocação e potencial para a pesquisa em medicina: artigo publicado em 2020 pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostrava que, entre 2016 e 2018, pesquisadores brasileiros produziram 237 mil publicações, entre artigos, livros, capítulos de livros, resenhas e outros tipos de documentos científicos. O número correspondia a 2,6% da produção científica mundial no mesmo período. Em 2000, a participação brasileira nesse universo era de 1,2%. Em tempos de abandono da confiança na ciência, de busca por atalhos em tratamentos sem valor científico, e de modo mais geral, de aberta hostilidade contra o conhecimento, a importância de se manter a pesquisa na medicina ganhar papel cada vez mais relevante.
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