Autores:
Dr. Alexandre Marchini, radiologista torácico do Fleury Medicina e Saúde
Dr. Carlos Verrastro, radiologista torácico do Fleury Medicina e Saúde
O sistema respiratório é um local frequentemente acometido por doenças infecciosas, em grande parte devido à sua ampla superfície de contato com o meio externo. Diversos agentes, incluindo vírus, bactérias, micobactérias, fungos e parasitas podem causar doenças clinicamente significativa nos pulmões, nas vias aéreas ou em qualquer outro órgão ou estrutura torácica em adultos, crianças, pacientes imunocompetentes ou imunossuprimidos.
Os vírus e as bactérias são os dois agentes que mais frequentemente provocam infecções respiratórias. Vivemos atualmente uma pandemia causada por um novo coronavírus, entretanto fora desta ocasião excepcional os vírus que mais causam doenças respiratórias em adultos imunocompetentes são o Influenza, Parainfluenza, Adenovirus, Vírus Sincial Respiratório e Metapneumovirus.
O diagnóstico das infecções respiratórias é principalmente clínico-laboratorial e, na maior parte das vezes, auxiliado com a radiografia de tórax (RX). A tomografia computadorizada (TC) é reservada para casos atípicos, para a avaliação de complicações ou em casos com evoluções desfavoráveis. Tratando especificamente das pneumonias virais, é importante ressaltar que existe uma ampla sobreposição das alterações encontradas na RX e na TC nas doenças causadas por diferentes agentes. Alguns pacientes podem, inclusive, apresentar exames de imagem normais. Desta forma, os exames de imagem não devem ser usados para rastreamento nem tampouco para a definição de um agente etiológico específico.
Apesar das ressalvas citadas acima, a atual pandemia pela COVID-19 vem trazendo destaque para o uso da TC. De fato, por tratar-se de um método amplamente disponível e com resultados rápidos, a TC pode parecer extremamente atrativa no contexto atual. Para evitar o uso incorreto e indiscriminado dos métodos diagnósticos baseados em radiação ionizante, diversas sociedades nacionais e internacionais propuseram documentos sobre a indicação destes testes. Segundo o Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR):
– a TC não deve ser utilizada isoladamente para o diagnóstico da COVID-19 nem para rastreamento;
– para pacientes assintomáticos não deve ser recomendado nenhum exame de imagem;
– para pacientes com sintomas leves a moderados com PCR positivo não se recomenda qualquer exame de imagem;
– para pacientes com sintomas leves a moderados, sem acesso aos exames laboratoriais específicos, o papel da TC é incerto, porém poderá ser utilizado a critério clínico;
– para pacientes graves e hospitalizados a TC deve ser utilizada em situações clínicas específicas como a pesquisa de complicações;
– o diagnóstico definitivo da COVID-19 deve estar pautado nas informações clínico-epidemiológicas + PCR/sorologia. A TC pode auxiliar nesta definição diagnóstica quando correlacionada com os demais dados clínicos e laboratoriais.
Achados de imagem:
A radiografia do tórax é o método de imagem indicado para a avaliação inicial de doenças respiratórias agudas em pacientes imunocompetentes (1). Entretanto, apesar da possibilidade de serem observadas alterações pulmonares nos pacientes com a COVID-19, em aproximadamente 2/3 dos casos a radiografia é normal. A radiografia do tórax apresenta baixa sensibilidade principalmente na fase inicial da doença. Os achados, quando presentes, consistem em opacidades pulmonares mal definidas, em grande parte das vezes bilaterais e periféricas, predominantes nos campos inferiores. Nos casos mais avançados (pacientes em UTIs) focos esparsos de consolidação pulmonar podem ser também observados (2), porém, a extensão das alterações pulmonares é subestimada quando comparada à tomografia (3).
A tomografia computadorizada do tórax pode ser o método de imagem utilizado para avaliar os pacientes com suspeita da COVID-19 por apresentar uma maior sensibilidade que a radiografia. A TC para a COVID-19 apresenta sensibilidades e especificidades relatadas com ampla variação, sendo de 60% a 98% e 25% a 53%, respectivamente (4).
A TC do tórax apresenta um valor preditivo positivo estimado em 92% e negativo em 42% para a COVID-19, em uma população com alta probabilidade pré-teste para a doença (5). Tal valor preditivo negativo indica que, nos estágios iniciais da doença, a TC pode não ser útil como método de rastreamento para a COVID-19 (4).
As alterações pulmonares caracterizadas na tomografia consistem, em até 86% dos casos, de opacidades com atenuação em vidro fosco, que podem ter distribuição peribroncovascular e periférica, sendo bilaterais na maioria das vezes.
As alterações do parênquima pulmonar consideradas típicas para a COVID-19 na TC do tórax são (4):
- Opacidades em vidro fosco periféricas, bilaterais, com ou sem consolidações, ou linhas intralobulares evidentes (pavimentação em mosaico);
- Opacidades em vidro fosco multifocais, com morfologia arredondada, com ou sem consolidações, ou linhas intralobulares evidentes (pavimentação em mosaico);
- Opacidades com sinal do halo invertido ou outros sinais de pneumonia em organização (vistos na fase mais tardia da doença).
Importante ressaltar as alterações consideradas atípicas para a COVID-19 que, quando presentes, pode-se pensar em outras doenças infecciosas no diagnóstico diferencial ou até sobreposição de uma infecção bacteriana. Estes achados consistem em: consolidação lobar ou segmentar isolada, sem opacidades em vidro fosco; pequenos nódulos (centrolobulares, árvore em brotamento); escavação pulmonar e espessamento liso de septos interlobulares com derrame pleural (6).
A doença também possui uma evolução temporal que reflete nos achados de imagem. Na fase inicial, nos dois primeiros dias do início dos sintomas, a tomografia pode ser normal em até cerca de 50% dos casos da COVID-19. Assim, uma TC negativa não deve ser usada para excluir a possibilidade da COVID-19, principalmente no início da doença (4). Quando presentes, as opacidades em vidro fosco e as opacidades com aspecto de pavimentação em mosaico são as mais frequentes alterações pulmonares visualizadas inicialmente, desenvolvendo-se nos quatro primeiros dias de sintomas e atingindo o seu pico aos 6 a 13 dias.
Com a evolução da COVID-19, as consolidações parenquimatosas se tornam mais frequentes e na fase mais tardia (6 a 12 dias) são observadas opacidades lineares associadas. A partir de duas semanas, nos pacientes que evoluem satisfatoriamente, a TC pode demonstrar vários graus de clareamento das alterações pulmonares. Entretanto, a resolução completa das opacidades pulmonares somente é esperada a partir de pelo menos 26 dias (7).
Referências:
- Jokerst C, Chung JH, Ackman JB et al. ACR Appropriateness Criteria® Acute Respiratory Illness In Immunocompetent Patients.
- Huang, C. et al. Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavirus in Wuhan, China. The Lancet.
- Choi, H. et al. Extension of Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) on Chest CT and Implications for Chest Radiograph Interpretation. Radiology, Cardiothoracic ImagingVol. 2, No. 2. Mar 2020.
- Simpson S, Kay FU, Abbara A, Bhalla S, Chung JH, Chung M, Henry TS, Kanne JP, Kligerman S, Ko JP, Litt H. Radiological Society of North America Expert Consensus Statement on Reporting Chest CT Findings Related to COVID-19. Endorsed by the Society of Thoracic Radiology, the American College of Radiology, and RSNA. Radiology: Cardiothoracic Imaging 2020;2(2).
- Wen Z, Chi Y, Zhang L, Liu H, Du K, Li Z, Chen J, Cheng L, Wang D. Coronavirus Disease 2019: Initial Detection on Chest CT in a Retrospective Multicenter Study of 103 Chinese Subjects. RYCT-20-0092, in press.
- Bernheim A, Mei X, Huang M, Yang Y, Fayad ZA, Zhang N, Diao K, Lin B, Zhu X, Li K, Li S, Shan H, Jacobi A, Chung M. Chest CT Findings in Coronavirus Disease-19 (COVID-19): Relationship to Duration of Infection. Radiology. 2020.
- Pan F, Ye T, Sun P, Gui S, Liang B, Li L, Zheng D, Wang J, Hesketh RL, Yang L, Zheng C. Time Course of Lung Changes On Chest CT During Recovery From 2019 Novel Coronavirus (COVID-19) Pneumonia. Radiology 2020.

Dr. Alexandre Marchini é radiologista torácico do Fleury Medicina e Saúde e médico assistente do Serviço de Diagnóstico por Imagem da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Possui MBA em gestão na área da saúde pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Dr. Carlos Verrastro, radiologista torácico do Fleury Medicina e Saúde e da Escola Paulista e Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-UNIFESP). Também é doutor em Radiologia Clínica pela EPM-UNIFESP.
[[Artigo disponível na íntegra na Revista Newslab 159]]