Com a pandemia de coronavírus SARS-CoV-2 se alastrando pelo mundo, a demanda por testes aumentou exponencialmente. Multiplicaram-se os testes disponíveis no mercado, porém estes ainda carecem de validação.
Depois da OMS estimular para que os países membros intensificassem a testagem para a COVID-19, a corrida aos testes disparou. Em uma crise de saúde, a medicina diagnóstica assume um papel de alta relevância.
Os primeiros testes desenvolvidos e lançados foram os biomoleculares de identificação do SARS-CoV-2. Foram seguidos pelos testes sorológicos baseados nos anticorpos IgM e IgG produzidos pelos doentes e portadores assintomáticos da COVID 19.
A medicina laboratorial é uma especialidade que vive em constante evolução. Todos os esforços são concentrados na busca pelo desenvolvimento de novas tecnologias e na introdução de novos conceitos e paradigmas, visando a oferecer resultados laboratoriais que permitam um diagnóstico preciso, além de garantir a segurança e a eficiência no cuidado com o paciente.
A OFAC Brasil – Organização Feminina de Análises Clínicas, ciente do seu importante papel na difusão de novos conhecimentos e na detecção de tendências na área do laboratório clínico, apresentou a palestra intitulada Validação de testes laboratoriais na Covid-19, em recente OFAC Convida – evento periódico que traz palestrantes para tratar assuntos atuais e de grande relevância a área.
Participaram deste OFAC Convida, Maria Elizabeth Menezes, Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas – SBAC e Assessora Científica do Programa Nacional de Controle de Qualidade – PNCQ; E Jorge Terrão, farmacêutico bioquímico, Coordenador da Comissão de TLR da SBAC, Assessor Científico Tommasi Laboratório, e carinhosamente eleito padrinho da OFAC. Como moderadora, tivemos Marbenha Linko, presidente da OFAC. Profissionais atuantes no ambiente laboratorial e profundos conhecedores desse conceito tecnológico, que é disseminado nos serviços de saúde.
Beth Menezes inicia discorrendo sobre RT-PCR, pois é o método de diagnóstico da Covid-19. Padrão Ouro para virologia seria a cultura de tecido, onde o antígeno, ou seja, o vírus é isolado. Com o advento da engenharia genética e a genética reversa, atualmente o padrão ouro é a reação em cadeia da polimerase (PCR), que detecta o ácido nucleico, no caso em tela, RNA+.
Um único resultado não detectado com RT-PCR para SARS-CoV-2 não exclui o diagnóstico da COVID-19. Vários fatores como coleta inadequada da amostra, tipo de amostra biológica, tempo decorrido entre a coleta e o início dos sintomas, e oscilação da carga viral podem influenciar o resultado do exame.
A sensibilidade de diferentes amostras biológicas para detecção do SARS-CoV-2 varia. Um estudo que avaliou 1070 amostras de 250 pacientes com COVID-19, observou os seguintes valores de sensibilidade para as diferentes amostras testadas por RT-PCR: lavado broncoalveolar 93%, escarro 72%, swab nasal 63%, swab de orofaringe 32%, fezes 29%, sangue 1% e urina 0% (JAMA. 2020 Mar 11. doi: 10.1001/jama.2020.3786).
Importante lembrar que o teste avalia a presença de RNA viral na amostra. A persistência do exame positivo não significa necessariamente que o paciente ainda está infectado. O período que os pacientes permanecem infectantes ainda não está totalmente esclarecido e a utilização dos testes para liberação do paciente do isolamento respiratório deve ser avaliada criteriosamente.
Beth Menezes ainda ressalta que o laboratório nunca foi tão importante quanto agora. Sem ele não é possível liberar o paciente do hospital, da quarentena. Exerce um protagonismo extremamente importante. “Precisamos aproveitar esse momento para ter conhecimentos sólidos, mesmo que não façamos o exame, mas para ter firmeza ao conversar com a equipe multidisciplinar”, conclui.
Seguimos com o palestrante Jorge Terrão, que descreve sua pesquisa em relação ao tema “Validação de testes laboratoriais“, referindo-se aos testes imunocromatográficos para SARS-CoV-2.
A fase de validação dos testes é etapa imprescindível e deve ser anterior à utilização e de responsabilidade do laboratório que realizará os testes. As características de desempenho informadas pelos fabricantes, principalmente em se tratando de TLRs, não são verificadas no momento de registro desses testes na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Portanto, como não se trata de autotestes, a validação é essencial para que se obtenha confiabilidade dos resultados.
O registo da Anvisa é obrigatório para que os testes possam ser comercializados, mas não necessariamente atestam sua eficácia. A validação de um método consiste na realização de uma série de experimentos, com a finalidade de documentar o seu desempenho em relação à exatidão e precisão, além de ser de extrema relevância para a segurança populacional.
É necessária uma extrema atenção na escolha do teste assim como o momento adequado para utilizá-lo. Esta avaliação do desempenho dos kits irá auxiliar os laboratórios na melhor escolha, fornecendo mais segurança e controle na realização do exame.
A validação precisa estar presente em todos os procedimentos que realizamos no laboratório. Segundo Terrão, quando falamos em validação, precisamos entender de qualidade, e o que especificamos como qualidade pro nosso laboratório.
“Se formos reproduzir as informações das bulas dos kits dos fabricantes, estamos fazendo uma verificação da informação que recebemos do nosso fabricante. O fundamental é fazermos nossa avaliação, com amostras do dia a dia do laboratório (vida real), temos que ter confiança no que vamos liberar”, diz Terrão.
Utilizando a estrutura do Laboratório Tommasi, o qual Terrão é assessor científico, e pensando na qualidade, optou-se por trabalhar com base no objetivo clínico específico. Os estudos ainda não estão terminados, mas já estão bem adiantados.
O processo de validação usou amostras de pacientes infectados pelo vírus e baseou-se nas normas e legislações do setor. A RDC 302/2005, que além de ser nosso marco legal maior, é também o regulamento técnico para os laboratórios clínicos, e a ISO (15.189/2015) que é o que regula e padroniza os sistemas de qualidade a serem implantados no laboratório.
Para a pesquisa, usaram-se amostras sabidamente positivas, obtidas de pacientes RT-PCR positivos, coletadas de forma seriada. E também, amostras sabidamente negativas, oriundas de soroteca anterior a janeiro (antes de SARS-CoV-2). Também foram utilizadas amostras sabidamente negativas e com anticorpos de dengue e chikungunya, a fim de verificar possíveis interferências. Os testes foram realizados em duplicata, e as mesmas amostras foram enviadas ao PNCQ no RJ, onde foram testadas com os mesmos kits, e os resultados obtidos foram quase que unânimes. Os dados gerados por esta pesquisa, juntamente com a análise do PNCQ – Programa Nacional de Controle de Qualidade servirá como auxílio aos profissionais, e em breve será publicado. Os resultados serão publicados no portal www.testecovid19.org.
A iniciativa é valiosa, pois se tem observado uma variação muito grande na qualidade dos testes sorológicos. Uma marca, por exemplo, não apresentou nenhum resultado positivo nos testes realizados com amostras positivas, gerando vários resultados falso negativos. Esse é um caso extremo, mas que reforça a importância de termos esse processo de validação implantado.
Terrão apresentou durante a palestra imagens dos testes realizados com várias marcas de kits diferentes, testadas com as mesmas amostras.
As causas das potenciais diferenças observadas são muito variadas. Um dos pontos diz respeito ao uso de sangue total, enquanto a maioria dos métodos laboratoriais utiliza soro ou plasma. “É muito difícil controlar, por exemplo, o volume da gota de sangue por punção digital, além da dificuldade de leitura pela coloração da corrida”, complementa Terrão.
Ainda reforça que validar o teste é garantir a segurança da população. “A nossa experiência mostra que realmente há uma discrepância muito grande de performance entre os diferentes fornecedores. Vemos alguns com desempenho muito bom, mas também observamos testes com desempenho ruim, com baixa sensibilidade.”
Devemos estar focados em garantir a segurança da população e confiabilidade de exames que chegam ao mercado nacional.
A medicina laboratorial se modernizou bastante nos últimos anos e, com ela, expandem-se processos que permitem a realização de testes laboratoriais portáteis para a obtenção imediata de resultados. Os testes laboratoriais imunocromatográficos estão cada vez mais presentes na rotina dos laboratórios e já são uma realidade mundial.
Um sistema analítico ideal seria aquele com elevado grau de exatidão, precisão e confiabilidade, com limite de detecção em zero, sem qualquer interferente e que apresentasse 100% de sensibilidade e especificidade. Infelizmente este sistema ainda não foi disponibilizado para as rotinas diagnósticas. Como o laboratório dos sonhos ainda está longe da realidade, é preciso que se conheçam as limitações dos testes, assim como os seus parâmetros de desempenho clínico e analítico para prestar serviços laboratoriais de qualidade. É necessário definir especificações adequadas e padronizadas no laboratório para avaliar os sistemas analíticos disponíveis no serviço.
Fica aqui nosso agradecimento aos palestrantes pela dedicação e empenho no desenvolvimento deste valioso e atual material; fica também registrado um especial agradecimento pela valiosa parceria à sociedade científica – SBAC, e ao PNCQ.
[[Artigo disponível na íntegra na Revista Newslab Ed 160]]