Por Mauren Isfer Anghebem
A história nos conta que há 20 séculos os celtas comemoravam o ano novo no dia primeiro de novembro e a véspera deste dia era conhecida como Samhain, que significa fim do verão. Eles acreditavam que a fronteira entre o mundo dos mortos e dos vivos se estreitava neste dia, e que as almas dos mortos retornariam às suas casas para visitar os entes queridos, alimentar-se e se aquecerem no calor do fogo.
Samhain, considerada uma noite sagrada de culto aos ancestrais, com comida e fogueira, deu origem ao Halloween. Hallow é um termo antigo para santo, e eve significa véspera. Ou seja, a véspera do Dia de Todos os Santos, celebrado em primeiro de novembro, ficou conhecida como All Hallows’ Eve ou, encurtando, Halloween.
A Igreja Católica foi responsável por imbuir a conotação diabólica ao Halloween, o associando ao paganismo e ao mal. A tradição se perpetuou ao longo dos tempos, e o Halloween é uma celebração observada em vários países, inclusive no Brasil, onde é chamado de Dia das Bruxas.
De fato, as bruxas são as principais simbologias do Halloween e, a recente comemoração desta data trouxe a tona o contexto histórico das bruxas, que, de certo modo, remete a atuação das mulheres na ciência e no laboratório de análises clínicas.
O ideal que cerca as bruxas varia entre culturas e ao longo dos tempos. Nem sempre as bruxas foram homenageadas como nas atuais celebrações desta antiga tradição. Durante as Inquisições, o simples fato de uma mulher ser acusada de bruxaria poderia condená-la à fogueira. A Caça às Bruxas durou mais de quatro séculos e causou a morte de cerca de 9 milhões de pessoas, sendo 80% delas mulheres.
E quem eram estas mulheres que causavam tamanho medo, ao ponto de serem enforcadas ou queimadas vivas? Eram mulheres simples; mulheres muito bonitas que despertavam desejos não correspondidos em homens poderosos; parteiras; mulheres com conhecimento sobre o uso das plantas medicinais. Mulheres fortes, inteligentes, com poder social e de cura. Mulheres que foram vistas pelos homens da época como concorrência perigosa.
Falar sobre bruxas toca em temas ainda tão atuais, como as relações de gênero, perseguição social, a religiosidade, a intolerância e a violência. Não há como negar que homens e mulheres desempenham, ao longo de toda história, papéis não igualitários, onde o patriarcado é favorecido.
A bruxaria e a alquimia guardaram estreita relação. Na Idade Média, mulheres bruxas e homens alquimistas exerciam funções muito semelhantes, mas eram tratados de forma totalmente contraditória. Os alquimistas eram homens valorizados e considerados fundamentais para o desenvolvimento científico; enquanto as bruxas, perseguidas, torturadas e mortas. Não há, portanto, como entender a história da ciência sem considerar a história da bruxaria, da alquimia.
O primeiro tratado prático de alquimia, datado do século 3 e escrito pelo egípcio Zósimo de Panópolis, cita as escritas e realizações daquela que foi considerada a primeira alquimista mulher do mundo ocidental, Maria, a Judia. Seu real nome, origem e os detalhes de sua vida são incertos, mas não há dúvidas de que ela existiu e suas realizações serviram de base para a alquimia e para a química moderna.
Jean-Chrétien-Ferdinand Hœfer, médico franco-alemão com vasta obra sobre a história da ciência, imputou a Maria, a Judia a descoberta do ácido clorídrico, considerada uma mais importantes descobertas no campo da química. Contudo, talvez o mais importante legado desta alquimista foi a invenção de três instrumentos de laboratório utilizados até os dias de hoje. Em seu tratado, Zósimo descreve os instrumentos que seriam o que chamamos hoje de banho-maria, destilador (alambique) e aparato para sublimação.
Séculos passaram e mulheres como Maria, a Judia descobriram elementos químicos, criaram equações matemáticas, construíram instrumentos, solucionaram problemas nos mais diversos campos da ciência, desenvolveram poções que curaram enfermos e desvendaram a causa de doenças atrás de bancadas de laboratórios. A maioria destas mulheres só puderam mostrar ao mundo suas descobertas científicas através de seus maridos, que levavam o crédito pelos feitos de suas esposas geniais. Outras, só conseguiram graduar em universidades fazendo-se passar por homem.
Bruxas, alquimistas, ou apenas mulheres cientistas, o fato é que não há como minimizar a importância da mulher na história da humanidade e na evolução da ciência.
Os tempos mudaram, e as mulheres vêm ocupando maiores e melhores espaços. Dados globais mostram que as mulheres são maioria nos laboratórios de análises clínicas, ocupando 70 a 80% dos postos. Seja em cargos de liderança ou nas áreas técnicas, as mulheres atuam brilhantemente neste segmento.
Os tempos mudaram, mas ainda não mudaram o suficiente. Lamentavelmente, até hoje, as mulheres ainda precisam reivindicar por respeito, por igualdade de poder social e econômico. O mercado de análises clínicas, assim como todos os demais segmentos, deve promover a equidade e valorização dos potenciais intelectuais e científicos, sejam homens ou mulheres.
Mulheres que mostraram conhecimento sobre ervas, curas, elementos químicos e aparatos laboratoriais foram chamadas de bruxas e alquimistas. Estas mulheres foram anuladas em épocas passadas, e não se pode mudar o passado. Todavia, a história é base para moldar o presente e, assim, projetar um futuro mais íntegro e igualitário.
Onde há bruxas, alquimistas e cientistas? Elas estão em todos os lugares, antes e agora, inclusive nos laboratórios clínicos!
Mauren Isfer Anghebem
Farmacêutica-Bioquímica
Doutora em Ciências Farmacêuticas com ênfase em Análises Clínicas
Mestre em Ciências Farmacêuticas com ênfase em Análises Clínicas
Especialização em Análises Clínicas e Toxicológicas
Especialização em Citologia Cérvico-Vaginal
Título de Especialista em Análises Clínicas – TEAC
Professora da Escola de Medicina e Ciências da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-PR
Professora do Departamento de Análises Clínicas da Universidade Federal do Paraná – UFPR
Diretora Segunda Secretária da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas – SBAC
Conselheira da Organização Feminina de Análises Clínicas – OFAC