Por Drª. Mariana Andozia Morini Matushita
O câncer de próstata é o segundo câncer mais comum entre os homens (excluindo o câncer de pele não-melanoma) e o sexto tipo mais comum no mundo, representando cerca de 10% do total de cânceres.1 No Brasil, segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), para 2014/2015 estima-se uma incidência de 61.200 casos e uma taxa de mortalidade de 13.7721.
Diversos fatores de risco já foram descritos e estabelecidos para o CaP, dentre os principais, podemos citar:
- Idade: a incidência da neoplasia aumenta com o aumento da idade.
- Raça: estudos mostram que a incidência e a agressividade dos tumores de próstata são maiores em indivíduos Afro-Americanos.2,3
- História familiar: há associação com história familiar e o CaP, devido a fatores genéticos.
- Dieta, obesidade e síndrome plurimetabólica: o CaP está correlacionado com o alto consumo de carnes vermelhas, dieta rica em gorduras.4 Índice de massa corporal (IMC) elevado, dislipidemia, obesidade central, resistência à insulina, também fazem parte dos fatores de risco para o CaP.5
- Fatores ambientais: o aumento no risco de CaP está relacionado com a exposição ao cádmio, pesticidas, deficiência de vitamina D.
O adenocarcinoma da próstata é uma neoplasia de comportamento variável, já que pode apresentar-se desde tumores assintomáticos, até aqueles com alta agressividade.6
Historicamente, a incidência do CaP elevou-se em dois momentos: o primeiro, entre os anos 70 e 80 devido ao uso da ressecção transuretral de próstata (RTU) para tratamento da hiperplasia prostática benigna (HPB), quando em torno de 10% dos pacientes que realizavam este procedimento eram também diagnosticados com CaP no exame anatomopatológico. O segundo e mais importante foi após 1980, quando houve a aprovação e disseminação do uso do Antígeno Prostático Específico (prostate-specific antigen – PSA), como teste para detecção e estadiamento desta neoplasia, conhecida como “a era do PSA”.7
Mundialmente, o CaP vem apresentando uma leve redução na sua taxa de mortalidade, devido ao diagnóstico precoce e à eficácia dos tratamentos. Até metade dos anos 80, o rastreamento do CaP raramente era realizado, pois antes desse período o único método diagnóstico era o toque retal (TR). O índice de mortalidade era elevado e muitos homens morriam da neoplasia, sem nunca terem sido diagnosticados. 6
Quando o TR era usado como ferramenta de rastreamento isolada, em torno de 30 a 35% dos homens apresentavam metástases ósseas, 40 a 45% com comprometimento linfonodal e somente um terço tinham tumor confinado ao órgão na prostatectomia radical (PR).6, 8 O PSA, foi aprovado pelo United States Food and Drug Administration (FDA) em 1986 para monitorizar a doença e rapidamente foi adotado para detecção precoce, aumentando o diagnóstico da neoplasia6
Há uma grande importância na detecção precoce do CaP pois a taxa de sobrevida média em 5 anos é elevada, sendo aproximadamente de 98%. Indivíduos que apresentam doença metastática, apresentam sobrevida média de 30 meses e quase 10% sobrevivem 10 anos após o diagnóstico9. Atualmente, o diagnóstico é realizado através do exame digital da próstata (o toque retal), da dosagem do PSA e da biópsia transrretal. O TR é um exame simples, barato e realizado ambulatorialmente, sendo o primeiro método propedêutico utilizado. Tem importância no rastreamento e estadiamento da neoplasia, apesar de suas limitações, uma vez que somente as porções posterior e lateral da próstata podem ser palpadas, deixando aproximadamente 50% dos tumores fora do seu alcance. Além da subjetividade do exame, já que há uma grande variabilidade entre os examinadores, a existência de doenças prostáticas associadas como a hiperplasia prostática benigna, prostatite, biópsias ou cirurgias prévias tornam o exame mais inespecífico.
A dosagem do PSA (antígeno que não é específico do câncer de próstata, já que pode estar alterado em outras condições benignas da glândula) é sanguínea, fácil de ser realizada e com baixo custo, o valor normal geralmente estabelecido de 4ng/ml, com a sensibilidade variando entre 35 e 71% e a especificidade de 63 a 91%.10 Possui utilidade não somente no rastreamento como no estadiamento e monitorização do tratamento do CaP11.
O diagnóstico definitivo é dado através do estudo histopatológico do parênquima prostático, obtido através da biópsia por agulha fina, realizada com o ultrassom transrretal, sempre que houver alterações no TR e no PSA. Atualmente recomenda-se esquemas de biópsias nos quais são retirados de 10 a 14 fragmentos (dependendo do protocolo de cada serviço) como padrão para a primeira biópsia. Em pacientes com suspeita clínica e biópsia prévia negativa pode-se fazer mais amostras, até acima de 21 (“biópsia de saturação”). A biópsia é importante não só pela detecção do CaP como também no manejo clínico ajudando a predizer prognóstico.1
O papel do patologista no câncer de próstata
Na biópsia diagnóstica de CaP é realizada a classificação do grau tumoral, graduação histopatológica de Gleason que atua como fator prognóstico isolado de extrema importância no CaP. A graduação foi desenvolvida por Donald Gleason entre 1966 e 1974.12 Nos 40 anos subsequentes diversas mudanças neste escore ocorreram já que houveram alterações no diagnóstico e tratamento da neoplasia, o que gerou revisões no Escore em 2005 e mais recentemente em 2014.13,14
Esta graduação é baseada no padrão arquitetural da neoplasia, ou seja, no quão bem diferenciado é o tumor.13 Neoplasias mais indolentes tendem a se assemelhar ao tecido prostático normal, enquanto as mais agressivas tendem a ser pouco diferenciadas, configurando uma maior agressividade.
Além de graduar a neoplasia, o médico também avalia o quão extensa é a doença, dentre outros fatores histopatológicos que influenciam o prognóstico dos pacientes.
Diariamente em nossos laboratórios recebemos diversos casos de biópsias de próstata. Muitas vezes os patologistas precisam lançar mão de exames complementares para o adequado diagnóstico. Um desses exames é o imunohistoquímico, que nos ajuda por exemplo a diferenciar as neoplasias de próstata de outras afecções benignas glândula, utilizando os anticorpos p63, 34βE12 e a racemase.
A dificuldade que os médicos têm de prever quais pacientes terão um bom prognóstico ou aqueles que requerem um tratamento mais agressivo, faz com que cada dia mais novos biomarcadores sejam estudados no Cap. Alguns deles estão relacionados com uma doença mais agressiva, recidiva precoce, progressão da neoplasia e com o desenvolvimento precoce da mesma. Um exemplo é a diminuição da expressão da proteína do gene NKX3.1, também muito utilizada na rotina do patologista (imunohistoquímica), que está relacionado com progressão do câncer de próstata. A diminuição da expressão do PTEN pelas células neoplásicas também está relacionada com evolução da doença.
A descoberta desses novos biomarcadores irão ajudar no manejo de cada paciente isolado, de acordo com o perfil molecular de cada doença.
Referências:
- 1. Câncer INd. Próstata. [Internet] Rio de Janeiro: INCA; 2016 [cited fev 3];Available from: http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/tiposdecancer/site/home/prostata.
- 2. Fedewa SA, Etzioni R, Flanders WD, Jemal A, Ward EM. Association of insurance and race/ethnicity with disease severity among men diagnosed with prostate cancer, National Cancer Database 2004-2006. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 2010;19(10):2437-44.
- 3. Powell IJ, Bock CH, Ruterbusch JJ, Sakr W. Evidence supports a faster growth rate and/or earlier transformation to clinically significant prostate cancer in black than in white American men, and influences racial progression and mortality disparity. J Urol. 2010;183(5):1792-6.
- Joshi AD, Corral R, Catsburg C, Lewinger JP, Koo J, John EM, et al. Red meat and poultry, cooking practices, genetic susceptibility and risk of prostate cancer: results from a multiethnic case-control study. Carcinogenesis. 2012;33(11):2108-18.
- 5. Cao Y, Ma J. Body mass index, prostate cancer-specific mortality, and biochemical recurrence: a systematic review and meta-analysis. Cancer Prev Res (Phila). 2011;4(4):486-501.
- 6. Thompson IM, Ernst JJ, Gangai MP, Spence CR. Adenocarcinoma of the prostate: results of routine urological screening. J Urol. 1984;132(4):690-2.
- 7. Thompson IM, Zeidman EJ. Presentation and clinical course of patients ultimately succumbing to carcinoma of the prostate. Scand J Urol Nephrol. 1991;25(2):111-4.
- 8. Etzioni R, Gulati R, Falcon S, Penson DF. Impact of PSA screening on the incidence of advanced stage prostate cancer in the United States: a surveillance modeling approach. Med Decis Making. 2008;28(3):323-31.
- 9. Klotz L. Active surveillance for prostate cancer: overview and update. Curr Treat Options Oncol. 2013;14(1):97-108.
- 10. Programa Nacional de Controle do Câncer da Próstata: Documento de Consenso. Câncer BMdSSdAàSINd, editor. Rio de Janeiro: INCA; 2002. 24 p.
- 11. Lilja H. A kallikrein-like serine protease in prostatic fluid cleaves the predominant seminal vesicle protein. J Clin Invest. 1985;76(5):1899-903.
- 12. Gleason DF, Mellinger GT. Prediction of prognosis for prostatic adenocarcinoma by combined histological grading and clinical staging. 1974. J Urol. 2002;167(2 Pt 2):953-8; discussion 9.
- 13. Epstein JI, Allsbrook WC, Jr., Amin MB, Egevad LL. The 2005 International Society of Urological Pathology (ISUP) Consensus Conference on Gleason Grading of Prostatic Carcinoma. Am J Surg Pathol. 2005;29(9):1228-42.
*Drª. Mariana Andozia Morini Matushita é Médica Patologista no Laboratório PHD na área de especialidade Uropatologia e Gastropatologia e imuno-histoquímica.