A Nanotecnologia é a Engenharia da Vida, e está presente em nossas vidas desde seu início, ligada intimamente ao funcionamento dos organismos e parte essencial do ferramental da Natureza para criar toda sua diversidade. As estruturas celulares são compostas e controladas por nanoestruturas. A principal forma de montagem molecular da nanoescala é a automontagem, um processo natural onde componentes separados ou ligados, espontaneamente formam estruturas maiores. O material que compõem as estruturas celulares, como proteínas, enzimas e até mesmo o próprio DNA, são elementos naturais automontados em tamanho nano. Entender e aplicar esta visão que valoriza o natural sempre beneficiou a humanidade, e é desta forma que a progressão da Nanotecnologia deve ser focada.
A Nanotecnologia é considerada, em termos de soberania nacional não só pelo Brasil, mas também pelas maiores nações e blocos econômicos mundiais (EUA, Coréia do Sul, Japão, União Europeia, Suíça, Rússia, Inglaterra, China e outros), uma tecnologia estratégica e, pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), uma das bases das Tecnologias Convergentes e Habilitadoras, responsável em moldar a próxima revolução industrial e trazer impactos positivos para o desenvolvimento social e econômico mundial. Possui característica transversal, disruptiva e pervasiva, dedicada à compreensão, controle e utilização das propriedades da matéria na nanoescala (1,0×10-9m, que equivale a um bilionésimo do metro). Desta forma acomoda facilmente todas as áreas de negócio. As novas propriedades dos nanomateriais conquistados a partir do entendimento e da utilização da nanotecnologia, revolucionam não somente os produtos, mas também os bens de capital – as máquinas para produção – e a prestação de serviços, com inovações até pouco tempo inimagináveis.
Uma das grandes aplicações da Nanotecnologia está no diagnóstico, no tratamento e cura de doenças. Existem atualmente um inúmeras ações e pesquisas no desenvolvimento de nanocarreadores para tratamento de câncer, nanopartículas carregadas com fármacos, que podem trafegar facilmente no corpo humano e quando determinado evento ocorre (gatilho: temperatura, mudança de pH) o carreado libera a dose de medicamento diretamente no local da enfermidade. Importantes aplicações estão também em curativos com propriedades melhoradas quer aceleram a regeneração do tecido lesado. Na área de diagnósticos o uso da tecnologia de Lab on a Chip ou Organ on a Chip, ou seja, um laboratório de análise clínica em um dispositivo fabricado com nanocanais onde quantidades ínfimas de material podem ser analisadas com rapidez e precisão e principalmente com baixo custo, como por exemplo análises de DNA. Muitas outras aplicações estão sendo desenvolvidas, como por exemplo, os tratamentos genéticos baseados em terapias de RNA que futuramente auxiliarão no combate às doenças muito antes de um indivíduo desenvolver a condição adversa. Todas essas novidades possuem um enorme potencial para reduzir os custos do SUS e proporcionar um melhor serviço à população.
A medicina tradicional é baseada em diagnósticos estáticos, normalmente os diagnósticos são consequência apenas do último quadro apresentado pelo paciente. Por exemplo, os exames de imagem refletem um único aspecto do tempo, não demonstram a evolução da doença e tão pouco sua interação com o restante do corpo. Esta limitação muitas vezes pode dificultar o tratamento da doença, pois cada pessoa possui um metabolismo, um ritmo corporal próprio e outros fatores únicos que promovem resultados diferentes, impactando diretamente na relação doença e seu diagnóstico/tratamento. A nanotecnologia apresenta uma nova via para tratar, diagnosticar e curar doenças, uma forma não invasiva onde a doença pode ser tratada de dentro para fora e até evitar que a doença se desenvolva. Já é possível, por exemplo, nanopartículas e até nanorrobos feitos de DNA, que transportam um coquetel de droga, que pode ser liberado controladamente e na ordem correta para combater a doença. Em um caso recente, pesquisadores desenvolveram e testaram em camundongos, uma nanopartícula ativada por luz, que acordou o sistema imunológico e eliminou a metástase de um câncer de colo. A nanopartícula foi injetada no camundongo, navegou até a região do câncer de colo, foi absorvida pela célula cancerígena e quando na posição, o pesquisador incidiu um faixo de luz na região onde se encontrava a nanopartícula, e esta se abriu liberando as drogas dentro do câncer que em poucos dias foi eliminado por completo. A cura foi realizada de dentro para fora, sem incisão, cortes ou suturas. Outro exemplo do uso da nanotecnologia é a ampliação do sinal do agente de contraste em imagens médicas. Nanopartículas especiais, quando aplicadas em agentes de contraste podem não só ampliar o sinal mas também melhorar a captação dos detalhes fisiológicos antes imperceptíveis por métodos convencionais.
Um tema recente, e que se utiliza intensamente de nanotecnologia para cumprir sua proposta, é a teranóstica. A teranóstica é a atual proposta de medicina personalizável, uma classe de medicina baseada em diagnósticos dinâmicos e personalizáveis, na qual a doença será monitorada constantemente e o remédio será formulado para cada pessoa e cada quadro de enfermidade. Neste caso, a formulação química e a dosagem do medicamente, serão exclusivas para cada indivíduo, e com o avanço dos diagnósticos médicos com apenas uma gota de sangue ou suor, diversos fatores do corpo humano serão constantemente monitorados modificando os prognósticos ao longo do tratamento. O nível da nanotecnologia atual já possibilitou a criação de equipamentos médicos que conseguem diagnosticar doenças apenas usando uma gota de sangue ou suor. Existe um equipamento suíço, que com apenas uma gota de sangue detecta e lista todo o quadro de alergia de uma pessoa. Outro equipamento suíço, consegue com uma gota de sangue realizar o teste do pezinho, sem fazer o bebe e os pais passarem pelo desconforto do método tradicional de arrastar o pé da criança para preencher o papel coletor. Esses são alguns poucos exemplos, que a nanotecnologia pode e poderá trazer para melhorar o conforto e reduzir praticamente a zero as dores decorrentes de tratamentos médicos e das doenças. Poderemos nos próximos anos revolucionar a medicina e sua oferta de soluções para as enfermidades da população. O médico do futuro será muito diferente do profissional atual, terá ferramentas mais modernas como medicina de precisão e medicina personalizada. Com isto o profissional médico terá mais flexibilidade no diagnóstico, poderá captar e monitorar mais informações em tempo real, poderá prover um tratamento mais adequado para cada caso e consequentemente será mais assertivo na solução da doença.
No mundo, já existem diversas aplicações, algumas em nível de pesquisa outras em produtos finais. Um caso interessante de pesquisa, são as nanosondas que são colocadas no cérebro para monitorar pacientes após um AVC com a intenção de alertar para um novo epsódio. Outro nanossensor monitora as enzimas creatina fosfoquinase (CPK) e creatina quinase (CK) que o coração produz pouco antes de um infarto. Um produto promissor é o nanossensor da XSensio, empresa suíça premiada que criou um nanossensor de nanotubos de carbono capaz de ler diversos sinais biomédicos com uma gota de suor. Outra aplicação, mais avançadas, são os nanorrobos criados por Ido Bachellet, por meio da conformação e conexão de partes de DNA, projetados em sistema CAD e sintetizados em solução, em um processo chamado de DNA origami. Esses nanorrobos além de serem feitos por material orgânico, podem programar (sem sistema de TI) a sequencia de entrega dos quimioterápicos, maximizando o efeito de tratamento e no alvo correto. Essa tecnologia foi adquirida pela Pfizer em 2015.
No Brasil já existem algumas tentativas recentes com grande potencial. No tratamento do câncer, por exemplo, a inovação garante a transferência dos quimioterápicos apenas para as células doentes, evitando que as saudáveis sejam atingidas. Esse ano, pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia em Materiais (CNPEM) desenvolveram nanopartículas capazes de atrair e inativar o vírus HIV. Outra solução inovadora, da Professora Elina Martins Lima, da UFG, que desenvolveu uma nanopartícula injetável que captura cocaína no sangue eliminando a overdose. Uma solução no campo de diagnósticos, foi a criação de uma POC (Point-of-Care) criado por empresas e pesquisadores brasileiros e europeus (Fundação CERTI, CTI Renato Archer, IBMP Fiocruz e Fraunhofer Institute ENAS), chamado PodiTrodi, resultado de um projeto com o governo europeu, que pode detectar a doença de chagas em poucas horas ao invés de dias. Um terceiro exemplo, a startup desenvolveu um nanoimplante que controla o ciclo de gravidez em éguas, e já está estudando a transferência desta tecnologia para humanos. Um quarto exemplo criado pelo Instituto SENAI de Inovação em Eletrolítica, criou um nanossensor capaz de detectar proteínas de Alzheimer, uma solução que originalmente detecta gripe na água em aviários no intuito de reduzir o uso de antibióticos para frangos.
Como pode se constatar, existem muitas soluções em desenvolvimento, e não somente por pesquisadores, mas por institutos de ciência e tecnologia, empresas consolidadas e até mesmo startups. A cultura de inovação que está se implantando no Brasil recentemente é um dos fatores chave para avanço econômico e estratégico nacional. Para que a medicina brasileira se desenvolva é necessário que os incentivos a criação de startups, pesquisas na fronteira do conhecimento e investimento privado continuem e se fortaleçam cada vez mais. Somente desta forma, reduziremos nossa dependência por tecnologia externa e nos tornamos provedores de alta tecnologia para outros países.
Leandro Antunes Berti
CEO FIBER INOVA – empresa de Inovação Estratégica, Presidente Institucional da Associação Brasileira de Nanotecnologia (BrasilNano), foi Coordenador-Geral de Tecnologias Convergentes e Habilitadoras (CGTC), do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações do Brasil (MCTIC), Coordenador de Tecnologias Estratégicas , responsável pela política pública nacional, estratégia, iniciativas de Nanotecnologia, Fotônica, Materiais Avançados e Manufatura Avançada e Membro da Comissão de Ciência e Tecnologia do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, BRICS WG Photonics National Representative, OECD (Bio-, Nano- and Converging Technologies (BNCT)) – Nanotecnology National Representative, Brazil-Canada Joint Committee for Cooperation on Science, Technology and Innovation; Diretor do Centro Brasileiro-Argentino de Nanotecnologia, Presidente da Centro Brasileiro-Chinês de Nanotecnologia. Foi Secretário Executivo do API.nano, na Fundação CERTI. Pós-doutorado em Nanobiotecnologia pelo InteLAB, UFSC, PhD em SoftNanotechnology, pela University of Sheffield, Inglaterra, e Pós-Graduado em Engenharia da Computação pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Autor dois livros sobre regulação com Nanossegurança: Guia de Boas Práticas em Nanotecnologia para Indústria e Laboratórios e Nanossegurança na Prática: Diretrizes para análise de segurança de empresas, laboratórios e consumidores que usam nanotecnologia. Possui Ampla experiência em negociação internacional, contratos, licenciamento e gestão de projetos de inovação.
[[Artigo disponível na íntegra na Revista Newslab Ed 159]]