Os carcinomas do trato urinário são heterogêneos e compreendem uma gama de lesões que incluem desde pequenos tumores benignos a neoplasmas agressivos com alta taxa de mortalidade. O carcinoma de bexiga é a malignidade mais prevalente, e a sua detecção precoce e o seguimento adequado dos pacientes acometidos são fundamentais devido a alta taxa de recorrência da neoplasia.
No Brasil, segundo dados do INCA, o carcinoma de bexiga possui uma estimativa de 10.640 novos casos em 2020, sendo a grande maioria em homens.
No diagnóstico inicial, aproximadamente 70% dos pacientes com câncer de bexiga não exibem invasão muscular, entretanto, 5 anos após o diagnóstico, o risco de recorrência varia entre 30 e 80%, sendo que aproximadamente 15% dos casos progridem para invasão muscular. Apesar dos carcinomas de baixo grau apresentarem um bom prognóstico, os carcinomas de alto grau musculo-invasivos apresentam um significativo risco de progressão, com baixa sobrevida global, e mortalidade de aproximadamente 60%.
O diagnóstico precoce e o acompanhamento desses pacientes são portanto, cruciais. A estratégia diagnóstica atual é baseada na combinação de exames de imagem, citoscopia e citologia de urina.
A citologia oncótica urinária é uma modalidade diagnóstica utilizada tanto para rastreamento do carcinoma urotelial como para o monitoramento de pacientes com histórico da neoplasia. Suas vantagens compreendem a facilidade de coleta e o baixo custo do exame.
O desempenho da citologia da urina depende do grau do tumor. É considerada um método com alta sensibilidade para a auxílio ao diagnóstico de carcinomas uroteliais de alto grau, especialmente do trato urinário inferior. Para os tumores uroteliais de baixo grau a sensibilidade é baixa. Já o diagnóstico das lesões do trato urinário superior é limitado em virtude da baixa preservação celular e a distorção mecânica das células.
Apesar de sua utilização como método diagnóstico, criticas devido a falta de padronização e de reprodutibilidade, a baixa sensibilidade para o diagnóstico de lesões de baixo grau e a grande variabilidade do diagnóstico interobservadores serviram como embasamento para a publicação do Sistema Paris para Citologia Urinária (TPS) em 2015. Esse método foi introduzido a prática diária com o objetivo de simplificar e padronizar os laudos em citologia urinária, de modo semelhante ao Sistema Bethesda para a citologia cérvico-vaginal.
Um estudo realizado recentemente2 apontou que a citologia oncótica urinária possui alta correlação com o diagnóstico anatomopatológico, especialmente quando as biópsias são obtidas do trato urinário inferior. Entretanto, até o momento, é insuficiente por si só na maioria dos casos para a detecção e acompanhamento de carcinomas uroteliais.
Outros métodos diagnósticos detectáveis na urina tem sido investigados, a exemplo dos marcadores tumorais. As técnicas baseadas em diferentes metodologias, como a detecção do mRNA do marcador Survivina pela técnica de PCR3, marcadores imunocitoquímicos como p53/ki674, p16, citoqueratina 20, tem sido propostas como ferramentas auxiliares na detecção de carcinomas uroteliais de alto grau, apresentando bons resultados.
É importante frisar que a utilidade da citologia oncótica urinária vai muito além da identificação dos componentes do sedimento em rotinas de urina. A amostra biológica assume importância também como método de detecção das alterações malignas nas células esfoliadas, e pode ser de grande utilidade quando em associação com outros métodos diagnósticos. Sendo uma metodologia não-invasiva e de baixo custo, oferece um resultado confiável principalmente em relação às lesões de alto grau, quando apresenta uma especificidade próxima a 90%.
Referências:
Siegel RL, Miller KD, Jemal A. Cancer statistics, 2019. CA Cancer J Clin. 2019;69(1):7–34. doi:10.3322/caac.21551
Bertsch EC, Siddiqui MT, Ellis CL. The Paris system for reporting urinary cytology improves correlation with surgical pathology biopsy diagnoses of the lower urinary tract. Diagn Cytopathol. 2018;46(3):221–227. doi:10.1002/dc.23878
Fu L, Zhang J, Li L, Yang Y, Yuan Y. Diagnostic accuracy of urinary survivin mRNA expression detected by RT-PCR compared with urine cytology in the detection of bladder cancer: A meta-analysis of diagnostic test accuracy in head-to-head studies. Oncol Lett. 2020;19(2):1165–1174. doi:10.3892/ol.2019.11227
Courtade-Saïdi M, Aziza J, d’Aure D, et al. Immunocytochemical staining for p53 and Ki-67 helps to characterise urothelial cells in urine cytology. Cytopathology. 2016;27(6):456–464. doi:10.1111/cyt.12332
Autor: Lisiane Cervieri Mezzomo. Citologista Clínica, Mestre e Doutora em Patologia. Docente do Curso de Especialização em Citopatologia Diagnóstica da Universidade Feevale/RS.
[Matéria disponível na íntegra na Revista Newslab 158]