O Coronavirus recebeu esse nome em virtude da forma de coroa da proteína na sua superfície, identificada pela técnica de microscopia eletrônica de transmissão. É um vírus envelopado, que contém uma fita de RNA. Seu tropismo tecidual específico, infectividade e variedade de espécies são conferidos por essa proteína, que interage com um receptor celular específico, a enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2), presente nas células endoteliais arteriais e venosas, epitélio intestinal e respiratório. No trato respiratório, está presente nas células ciliadas do epitélio bronquial, alvéolos, traquéia, monócitos e macrófagos alveolares1. Em virtude desse tropismo pelo tecido respiratório, o vírus pode ser isolado de saliva, da nasofaringe e do trato respiratório inferior.
O papel do laboratório de citopatologia frente a um paciente suspeito ou diagnosticado com COVID-19 é limitado. Em analogia ao manejo de outras doenças similares como a SARS-COV (Síndrome Respiratória Aguda Grave), resume-se em descartar infecções pulmonares sobrepostas em amostras respiratórias. Até o momento os estudos não descreveram a presença de inclusões virais nas células das amostras analisadas pela microscopia de luz, e os relatos indicam que as características citopatológicas observadas no material citológico são inespecíficas e refletem a causa pulmonar aguda subjacente ao padrão da lesão.
Um estudo avaliou o escarro de pacientes diagnosticados com SARS-COV e identificou aumento no número de macrófagos, algumas vezes formando agregados soltos. Essas células podem mostrar alterações citoplasmáticas, incluindo a presença de citoplasma espumoso ou de vacuolização citoplasmática, alterações nucleares como multinucleação e aparência de núcleos em vidro fosco, embora essa última característica seja mais difícil de identificar2.
Em alguns casos específicos, amostras de líquidos de lavagens broncoalveolares (LBA) são obtidas para identificação viral. Há uma descrição na literatura de amostras de LBA positivas quando amostras de swab nasofaríngeo e orofaríngeo são negativos para o COVID-19 (ambas dosadas pela técnica de RT-PCR)3. No entanto, os achados citológicos específicos das amostras de LBA de pacientes com COVID-19 ainda não foram descritos até o presente momento. Dados de pacientes diagnosticados com MERS-COV (Síndrome Respiratória do Oriente Médio), uma infecção também causada por coronavirus, mostraram que o exame citopatológico de líquido do LBA frequentemente apresenta um alto número de neutrófilos e macrófagos nesses pacientes4.
Com base na histopatologia da SARS, MERS e COVID-19 as amostras de LBA também podem mostrar metaplasia escamosa e reparo, juntamente com presença de células multinucleadas e pneumócitos alveolares tipo 2 atípicos com aumento celular e nuclear, nucléolo proeminente e espaços claros na cromatina. Essas características citomorfológicas podem representar um possível armadilha diagnóstica, uma vez que se sobrepõem a outros critérios celulares.
Estudos publicados até o momento5, 6 relatam que as amostras de urina de pacientes contaminados usualmente não testam positivo para o vírus COVID-19, diferentemente dos relatos de amostras positivas nos pacientes diagnosticados com MERS-COV. Entretanto, os cuidados do processamento dessas amostras devem seguir as recomendações de biossegurança já estabelecidas para amostras biológicas.
As recomendações gerais de biossegurança são semelhantes para laboratórios gerais e cito/histopatológicos. Métodos citopreparatórios que incluem a abertura de recipientes, a remoção das tampas dos tubos, a agitação vigorosa, pipetagens, aliquotagens, diluições ou centrifugações de fluidos e descarte do sobrenadante podem levar à formação de aerossóis e gotículas, e portanto recomenda-se que todas essas etapas sejam realizadas em cabine de segurança biológica de classe II (NB2), fornecendo proteção para o usuário, para a amostra e ambiente. O uso de EPIs, incluindo luvas, avental e protetor facial também são recomendados para esses procedimentos. Além disso as amostras devem ser centrifugadas com tampas e recomenda-se preferencialmente utilizar centrífugas com rotores selados para uma maior biossegurança do operador7.
O vírus é inativado por formalina e por irradiação gama. A maioria das amostras de citopatologia é fixada em soluções de formalina ou álcool com concentração alcoólica superior a 70%, ambos considerados eficazes para inativar o vírus. Entretanto ainda não há relatos se fixadores que usam soluções alcoólicas com concentrações inferiores a 70% estão inativando adequadamente o vírus. Portanto, atividades laboratoriais que envolvam o processamento de amostras fixadas ou mesmo tecidos inativados (preparações em bloco celular), colorações de rotina e análises microscópicas de esfregaços fixados são atribuídas ao nível de biossegurança 2 (NB2), nível típico de biossegurança dos laboratórios de citopatologia e designado quando há manipulação de agentes associados a doenças humanas que representam um risco moderado para a saúde, ou ainda de quaisquer amostra de origem humana, incluindo sangue, fluidos corporais ou tecidos, nos quais a presença de agentes infecciosos é desconhecida.
Foi descrito que o vírus pode permanecer viável em superfícies (especialmente e superfícies de aço inoxidável) por horas, e portanto é recomendado descontaminar as superfícies de trabalho de forma frequente, o que inclui as áreas freqüentemente tocadas dos microscópios. As substâncias incluem etanol (concentração de 62% -71%), peróxido de hidrogênio 0,5%, amônio quaternário, hipoclorito de sódio (0,1%) e uma variedade de soluções ácidas em várias concentrações. Recomenda-se que as práticas gerais de laboratório seguras, especialmente procedimentos que são básicos para boas práticas e procedimentos microbiológicos, devem ser seguidas conforme recomendado pela OMS.
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Lisiane Cervieri Mezzomo possui graduação em Farmácia com ênfase em Análises Clínicas e especialização Lato Sensu em Citologia Clínica . Fez Mestrado em Patologia Geral e Experimental e Doutorado em Patologia – Biomarcadores pelo Programa de Pós Graduação em Patologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), na área de marcadores moleculares e imunohistoquímicos para o câncer. Atualmente atua como professor do curso de Especialização em Citopatologia Diagnóstica da Universidade Feevale, e como Pesquisador Pós-Doutor em projetos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É assessor da Controllab na área de Citologia/Citopatologia e Medicina Laboratorial.
[[Artigo disponível na íntegra na Revista Newslab Ed 159]]
Referências:
- Imai Y, Kuba K, Ohto‐Nakanishi T, Penninger JM. Angiotensin‐converting enzyme 2 (ACE2) in disease pathogenesis. Circ. J. 2010; 74: 405–10
- Tse GMK, Hui P, Ma TKF, et al Sputum cytology of patients with severe acute respiratory syndrome (SARS) Journal of Clinical Pathology 2004; 57:256-259.
- J. Zhou, H. Chu, C. Li, et al Active replication of Middle East respiratory syndrome coronavirus and aberrant induction of inflammatory cytokines and chemokines in human macrophages: implications for pathogenesis J Infect Dis, 209 (2014), pp. 1331-1342
- P. Winchakoon, R Chaiwarith, C. Liwsrisakun, et al. Negative nasopharyngeal and oropharyngeal swab does not rule out COVID-19. J Clin Microbiol (2020)
- Wang W, Xu Y, Gao R, et al. Detection of SARS-CoV-2 in Different Types of Clinical Specimens. JAMA.Published online March 11, 2020.
- Wölfel R, Corman VM, Guggemos W, et al. Virological assessment of hospitalized patients with COVID-2019 [published online ahead of print, 2020 Apr 1]. Nature. 2020;10.1038/s41586-020-2196-x.
- Pambuccian SE. The COVID-19 pandemic: implications for the cytology laboratory [published online ahead of print, 2020 Mar 26]. J Am Soc Cytopathol. 2020; S2213-2945(20)30045-4.