Por Profa. Dra. Lisiane Cervieri Mezzomo
Já é consenso que a infecção persistente pelo papilomavírus humano (HPV) de alto risco é necessária, mas não suficiente para o desenvolvimento do câncer cervical, uma vez que o vírus é detectado em 99,7% dos casos. O HPV foi identificado também em regiões anatômicas distintas da cérvice, como o ânus e a cavidade oral e orofaríngea, e foi associado ao desenvolvimento do câncer nestes locais. Com base nesse conhecimento, nos últimos anos, tem havido um interesse crescente na pesquisa da infecção por HPV nessas áreas anatômicas além do colo do útero, levantando-se a hipótese que o vírus poderia ser um cofator para as lesões anais e orais/orofaríngeas, além do câncer cervical.
O segundo tipo de câncer mais frequentemente relacionado ao HPV é o câncer anal, pois o DNA do vírus foi relatado como presente em cerca de 88% dos casos, sendo o HPV16 o subtipo predominante, semelhante ao encontrado no colo do útero. A sua incidência tem aumentado durante as últimas décadas em homens e mulheres, particularmente em grupos de alto risco. Mulheres com patologias relacionadas ao HPV na genitália (vulva, vagina e particularmente o colo do útero) tendem a ter infecções anais por HPV com mais frequência.
O carcinoma da cavidade oral/orofaríngea está associado ao impacto a longo prazo de fatores de risco como o tabaco, o álcool e o traumatismo crônico. Já foi sugerida a influência de agentes biológicos no desenvolvimento dessas lesões, como o vírus Epstein Barr, Herpes Simples, HIV e adenovírus. Nos últimos anos tem havido um interesse crescente na detecção do HPV e a possível relação da infecção viral com a carcinogênese oral/orofaríngea, mas o seu papel exato ainda permanece obscuro, e não se pode estabelecer com precisão qual a influência desse vírus na carcinogênese oral até o presente momento. Assim, ainda pouco se sabe sobre a infecção da cavidade oral e orofaríngea por HPV, sua prevalência e implicações clínicas.
Nesse contexto, um estudo recentemente publicado acompanhou 184 homens positivos para HPVs de alto risco e demonstrou que cerca de 18% das infecções da cavidade oral/orofaríngea por HPV16 persistem por mais de 24 meses, conferindo nesses pacientes portanto, um maior risco de desenvolvimento de carcinoma nessas regiões. A idade avançada e o aumento da frequência de gengivites também parecem ser fatores importantes para a carcinogênese quando associados à persistência do HPV de alto risco.
Diferentemente das condutas padronizadas para as lesões cervicais, nenhum rastreamento está disponível para cânceres orais/orofaríngeos. A detecção das lesões pré-cancerosas e malignas é mais frequentemente realizada por exame clínico seguido de análise histopatológica, embora exista a indicação da citologia em alguns casos. Assim como em outras neoplasias, a precocidade do diagnóstico proporciona tratamentos nos estágios iniciais da doença, e como consequência melhoria da sobrevida dos pacientes. Nesse sentido, a citologia poderia ser utilizada como uma ferramenta de triagem para a avaliação da infecção por HPV em indivíduos com risco aumentado de infecção por HPV oral. Embora a técnica tenha limitações, é uma ferramenta simples, não invasiva e de baixo custo. A amostra citológica permite ainda a aplicação de técnicas como imunocitoquímica, análise morfométrica e testagens moleculares, que poderiam complementar o diagnóstico. Alguns estudos tem demonstrado boa reprodutibilidade, sensibilidade, especificidade e valores preditivos da técnica, embora a confirmação histológica das lesões ainda seja parte do protocolo clínico.
A citologia da cavidade oral pode ser útil ainda na definição diagnóstica de lesões infecciosas, como leucoplasias, candidíase e herpes, configurando-se como um método bastante útil, com a vantagem de ser rápida, econômica e não invasiva. Estudos tem demonstrado que trata-se de técnica reprodutível e quando bem indicada, configura-se como ferramenta bastante útil para detecção precoce de lesões pré-cancerosas e malignas da cavidade oral/orofaríngea.
Referências:
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