por Dra Lisiane Mezzomo
Já está bem documentado na literatura que a infecção persistente pelo papilomavírus humano (HPV) oncogênico é necessária, mas não suficiente para o desenvolvimento do câncer cervical. Por outro lado, os fatores que promovem a persistência viral e que desencadeiam as vias carcinogênicas, não estão completamente compreendidos até o momento.
Dados mais recentes mostram que fatores da mucosa cervicovaginal como integridade da superfície epitelial, secreções e regulação imunológica desempenham um papel na persistência do HPV e na progressão da infecção viral para o câncer. Neste contexto, recentemente o microbioma cervicovaginal surgiu como uma nova variável, e hipotetiza-se que ele pode influenciar tanto a história natural das infecções por HPV quanto seu impacto clínico.
Estudos tem demonstrado que o microbioma cervicovaginal interage com o microambiente local, mantendo a homeostase do tecido. Entretanto, a sua composição pode influenciar a resposta imune local e desempenhar um papel funcional tanto protetor quanto prejudicial na infecção e persistência do HPV e no desenvolvimento subsequente do câncer: quando esse equilíbrio é rompido, predispõe a uma condição conhecida como disbiose, que pode desencadear diversos processos patológicos, incluindo a quebra da barreira epitelial, a proliferação celular anormal, a instabilidade do genoma, angiogênese, inflamação crônica e desregulação metabólica. A hipótese de que a inflamação crônica pode promover a carcinogênese é sustentada pelos níveis aumentados de citocinas inflamatórias encontrados em pacientes com câncer cervicovaginal ou seus estágios pré-malignos precursores.
As alterações no microbioma vaginal têm sido detectadas em mulheres infectadas pelo HPV, em mulheres com lesões associadas ao HPV e também nas mulheres com câncer, embora o seu papel específico no desenvolvimento, progressão, prevenção e regressão de patologias associadas ao HPV não esteja ainda bem compreendido.
Dados tem demonstrado que o predomínio de certas espécies de lactobacilos pode ter efeito protetor contra infecções oportunistas e por isso podem representar um novo alvo terapêutico. A predominância de L. crispatus, responsável pela produção de grandes quantidades de ácido lático e a secreção de proteínas protetoras no microambiente da mucosa cervicovaginal, foi associada a um microbioma saudável. Ainda, há relatos na literatura sobre a abundância de L. iners estar associada à eliminação de infecções por HPV de alto risco. Em contraste, a presença da bactéria Gardnerella foi relatada como um biomarcador dominante para a progressão do HPV de alto risco em alguns trabalhos. O efeito de Gardnerella parece ser mediado pelo aumento da diversidade bacteriana cervicovaginal que precede diretamente a progressão de uma infecção persistente para uma lesão pré-maligna. Os resultados sugerem que o monitoramento da presença de Gardnerella e a elevação subsequente da diversidade microbiana podem ser usados para identificar mulheres com infecção persistente por HPV oncogênicos em risco de progressão para estágios pré-malignos.
Outros estudos recentemente associaram o papel do microbioma com a história natural de outras infecções virais em uma variedade de cânceres, incluindo ainda a sua influência nas respostas aos tratamentos. Neste contexto, alguns autores tem sugerido que intervenções que abordam a modulação do microbioma vaginal, por meio da administração de probióticos específicos ou do uso de antimicrobianos direcionados (antibióticos, bacteriófagos), poderiam ser consideradas como ferramentas potenciais para aumentar a taxa de resultados positivos após o tratamento cirúrgico de lesões pré-neoplásicas, abrindo caminho para possíveis intervenções terapêuticas futuras.
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