Dr. Bruno Aragão Rocha e Dra. Cláudia da Costa Leite, radiologistas do Fleury Medicina e Saúde
Dentro da medicina, a área de Radiologia e Diagnóstico por Imagem sempre foi pioneira na incorporação de tecnologias, inclusive uma das primeiras a entrar, de fato, na era digital. Este ambiente genuinamente tecnológico aliado ao fato de a maior parte dos dados gerados serem digitais faz com que esta área seja também líder no desenvolvimento e na adoção de ferramentas de Inteligência Artificial para melhoria de processos.
Apesar do grande avanço na sua utilização nos últimos anos, demonstrado pela crescente quantidade de publicações de artigos científicos com exemplos de usos clínicos e o surgimento de um ecossistema de empresas que tentam resolver problemas com essa ferramenta (tanto startups como grandes corporações), ainda existem grandes desafios relacionados à ampliação do uso prático da Inteligência Artificial no setor de Medicina Diagnóstica. Discutiremos neste artigo alguns desses principais desafios e formas de abordar os problemas que podem contribuir para a criação de soluções que melhorem de fato nossos processos.
No mundo dos negócios existe um conceito interessante que se chama visão míope e se refere a uma empresa que enxerga apenas os produtos que oferece e não os benefícios gerados por ela nesta transação. Como, por exemplo, uma empresa que vende chocolates e não entende que está no ramo de presentes. No caso dos algoritmos de Inteligência Artificial esse também é um erro comum. Ao entender esse conceito, as equipes de desenvolvedores devem abordar os problemas pelo entendimento profundo das “dores” envolvidas e não apenas pela tentativa de querer encaixar a ferramenta pelo fato de saber usá-la. Isso afeta tudo, desde a escolha do problema a ser resolvido até as estratégias de implantação.
Dessa maneira, um determinado algoritmo de IA só terá sucesso e entrará na prática clínica se conseguir gerar valor às entregas do serviço de radiologia. Sendo mais específico, gerar valor neste caso significa:
– Aumentar capacidade diagnóstica que resulte em melhora de desfecho clínico relevante;
– Facilitar o trabalho do radiologista;
– Reduzir o tempo de entrega de resultados;
– Reduzir custos.
Se a solução não conseguir se encaixar em nenhum desses itens, dificilmente estará efetivamente gerando valor a essa cadeia de prestação de serviço, por melhor que seja o desempenho proposto pelo algoritmo. Com essa visão estratégica de como atacar os problemas, podemos organizar os algoritmos pela seguinte lógica de atuação:
– Otimizadores de worklist ou fluxo. Exemplo: algoritmos para tentar identificar situações para priorização de laudo, como sangramento intracraniano em tomografia de crânio.
– Identificação de padrão não identificável pelo humano. Exemplo: algoritmo para avaliar textura do pulmão fetal em exames de ultrassom obstétrico e prediz maturidade pulmonar.
– Pré-análise em casos de alto volume de dados. Exemplo: algoritmo para detectar micronódulo pulmonar e já sinaliza ao radiologista, diminuindo a chance de não detecção por fadiga do profissional em jornadas longas.
– Melhora na qualidade da imagem adquirida. Exemplo: algoritmo para reduzir tempo de aquisição de sequência de ressonância magnética.
Por fim, outro aspecto que limita atualmente a ampliação no desenvolvimento dessa tecnologia é de natureza estrutural. Os dados de exames de imagem são muitos numerosos e estão relativamente acessíveis. Entretanto, são considerados dados de “baixa qualidade” por não estarem organizados e prontos para serem “consumidos” para criação dos algoritmos. O processo de criação de bancos de dados de imagens médicas bem estruturados e “anotados” é uma atividade demorada e trabalhosa, e que demanda muito capital humano tanto de médicos radiologistas para fazer a releitura dos exames e classificar as informações a serem estudadas, como de cientistas de dados para criar toda a infraestrutura de retirada e armazenamento das informações. Fazer isso em uma única instituição já não é algo simples. E fazer de uma forma colaborativa e padronizada, tanto nacionalmente como internacionalmente, para gerar bancos de dados com qualidade e quantidade realmente relevantes é um desafio maior ainda. No entanto, ações nesse sentido são cada vez mais frequentes e a tendência para os próximos anos é que este problema estrutural seja contornado, permitindo a criação de soluções cada vez mais eficientes e que gerem valor de verdade a todo o setor.
Dr. Bruno Aragão Rocha, radiologista do setor de Imagem Abdominal (TC/RM) do Grupo Fleury e conselheiro médico do time de Inovação do Grupo Fleury, formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e MBA em Gestão em Medicina Diagnostica pelo CBR-FIA.
Dra. Cláudia da Costa Leite, neurorradiologista do Grupo Fleury e professora associada do Departamento de Radiologia e Oncologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
<Artigo disponível na íntegra na Revista Newslab Ed 157>