- Fale um pouco do sequenciamento de nova geração aplicado ao momento atual da pandemia.
A tecnologia de NGS foi fundamental para que os cientistas chineses identificassem rapidamente – e sem dúvidas – que se tratava de um novo coronavírus, posteriormente batizado de SARS-CoV-2.
Diversos laboratórios espalhados pelo mundo têm trabalhado incansavelmente na geração de informações genéticas sobre esse novo vírus. O nosso laboratório no Instituto Leônidas e Maria Deane, unidade da Fiocruz no estado do Amazonas, é um desses.
Essas informações genéticas sobre o SARS-CoV-2 já permitiram identificar três linhagens principais do vírus que se espalharam pelo mundo. Quanto mais pessoas, e possivelmente animais, forem infectadas, maior a possibilidade de mutações e o estabelecimento de novas variantes.
Não tenho dúvidas que esse será o maior esforço de sequenciamento da nossa geração, que abrangerá o maior número de laboratórios procurando respostas para um mesmo tema.
- Frente as outras tecnologias, quais vantagens do NGS você destacaria?
O alto rendimento e velocidade na geração de dados de qualidade. Sempre gosto de destacar a qualidade, porque não vejo sentido em ser rápido, mas gerando dados de baixa qualidade. O alto rendimento, por exemplo, permite responder mais facilmente perguntas sobre subpopulações de um vírus em um paciente.
- Como o sequenciamento NGS pode auxiliar no diagnóstico e no estudo epidemiológico?
Nossa equipe tem aplicado o NGS para dois tipos de pesquisa em especial. Com relação ao diagnóstico laboratorial usamos para monitorar a evolução dos patógenos ao longo do tempo, o que pode comprometer a eficiência de testes diagnósticos como a PCR, por conta de mutações que surgem naturalmente, em especial nos vírus de genoma RNA. Ainda em relação ao diagnóstico usamos também uma abordagem chamada metagenômica, onde a informação de todo o material genético presente em uma amostra é analisada, incluindo o material de possíveis patógenos. Utilizando programas de bioinformática nós “peneiramos” a informação de possíveis vírus nestas amostras.
O NGS, em função de seu alto rendimento, também nos permite de uma maneira muito mais fácil obter informações de genomas completos de vírus e bactérias, por exemplo. Com essa informação e a utilização de programas de análise filogenética é possível inferir a origem e o caminho que um patógeno fez até chegar em um determinado local. Essa informação é fundamental para um ramo de pesquisa que chamamos de Epidemiologia Molecular.
- Como você enxerga o Brasil frente aos outros países em relação aos testes e tecnologia disponível?
Eu vejo o Brasil em uma posição de destaque. Obviamente existem países com muito mais infraestrutura, como os EUA e a China, onde os investimentos em pesquisa científica e inovação estão em uma ordem de grandeza muito superior à nossa. No Brasil o investimento ainda está muito centrado nos governos, com pouca participação privada.
Mesmo não possuindo toda a infraestrutura dos principais centro de pesquisa mundiais, nós temos um bom parque instalado. Na Fiocruz, por exemplo, temos uma rede de plataformas tecnológicas onde estão inseridos sequenciadores de DNA modernos, os quais podem ser acessados por pesquisadores de todo o país.
Também temos algo muito importante no Brasil, que são pesquisadores dedicados e muito bem capacitados em diversas instituições em todas as regiões.
- Você acha que sequenciar os pacientes pode ajudar nas descobertas?
Com certeza. Com o avanço da tecnologia acho cada vez mais importante sequenciarmos os pacientes de doenças infecciosas e não infecciosas. Não só para descobrir novos patógenos, mas também para descobrir “fraquezas” nesses patógenos e potenciais alvos terapêuticos. Além disso, podemos sequenciar os pacientes para tentar entender se a resposta está no hospedeiro e não no vírus. Podemos, por exemplo, utilizar o sequenciamento dos genes humanos para entender o porquê de algumas pessoas expressarem os sintomas de maneira diferente. Diversas variações no nosso genoma já foram relacionadas a uma melhor resposta frente a um patógeno específico.
- Como o seu trabalho está auxiliando nas descobertas?
Utilizando o sequenciamento nucleotídico e diversas ferramentas de bioinformática minha equipe tem identificado variações genéticas e rotas de entrada e dispersão de vírus emergentes e reemergentes nos estados do Amazonas e Roraima.
Recentemente fizemos o primeiro genoma completo de um vírus do Sarampo na América Latina, durante o surto iniciado em Roraima 2018. Em maio de 2019 identificamos, através de abordagem metagenômica, que um vírus chamado Coxsackie A6 foi o responsável por um surto de doença de mão-pé-boca no Amazonas.
No final de março de 2020 minha equipe fez o primeiro sequenciamento de genoma completo do SARS-CoV-2 na região norte do Brasil. Esse genoma foi obtido usando um protocolo específico para o SARS-CoV-2 desenvolvido pela minha equipe e um sequenciador Illumina MiSeq recém instalado. Como era esperado, a sequência obtida mostrou altíssima qualidade por base (Q40 100%), o que considero importantíssimo em um momento que o mundo todo estuda um vírus novo. Esse nosso primeiro resultado com o MiSeq mostrou que a decisão por essa tecnologia foi acertada.