O infectologista e diretor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Marco Aurelio Palazzi Safadi, comenta a atual situação do País ante essa crise na saúde pública
Advindo de diversos fatores, entre eles a entrada de imigrantes venezuelanos e movimentos “antivacina”, o Sarampo, que parecia controlado voltou à tona nesse ano devido a um surto que resultou no registro de mais de 1000 casos de infecção, segundo o Ministério da Saúde.
Diversas campanhas, de vacinação e informação, foram compartilhadas pelos órgãos públicos responsáveis pela saúde. Entretanto, algumas questões ainda ficaram sem resposta – principalmente relacionado à origem e diagnósticos da doença.
Por esse motivo, conversamos com o Dr. Marco Aurelio Palazzi Safadi, infectologista e diretor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, que nos apresentou um panorama do momento atual do surto, além de questões relativas à outras infecções.
- De onde ressurge o Sarampo? Quais os motivos de voltar com tanta força? E a que se deve ao aumento de casos?
São vários estados que reportaram casos do Sarampo, porém, o epicentro é a região norte, com os estados de Roraima e Amazonas. O motivador, inicialmente, que deflagrou foi a entrada de imigrantes, principalmente os venezuelanos. Por questões econômicas, o governo deixou de vacinar a população naquele país.
Entretanto, não é só esse motivo. Também encontramos aqui uma população que a gente supunha estar protegida, mas não estava. Então temos um bolsão no Brasil de fragilidade de cobertura de vacina. O sarampo é uma doença que exige que pelo menos 95% da população esteja imunizada da doença para que se evite a introdução da doença e, infelizmente nossos índices estão muito baixos. A entrada dos venezuelanos explica esse problema, já que encontrou uma população significativa da população brasileira não vacinada. E principalmente os bebes abaixo de um ano, sem idade para receber a vacina.
Por esse motivo, estamos vivendo essa situação, já que mais da metade dos infectados estão nessa faixa etária.
- E o que se deve essa queda da cobertura das vacinas?
Não dá para afirmar que é algo especifico. Isso é uma questão multifatorial. Diversos fatores contribuíram para isso, entre eles os movimentos questionando a importância das vacinas, advindas das notícias falsas compartilhadas e claro que gera um impacto. Mas há outros fatores.
Há um problema relacionado ao acesso da população à saúde e das pessoas à vacina. Nesse contexto temos que tentar facilitar o acesso, seja em horários alternativos, aumentar a disponibilidade de acesso, diminuir a situação de desabastecimento, que infelizmente enfrentamos em alguns momentos, e é um fator que contribui na baixa cobertura.
Existe também por parte de muita gente e gerações mais jovens, que nasceram em um período em que essas doenças não circulavam mais. Nunca viram um caso de sarampo, rubéola, tétano ou disenteria. Inclusive entre médicos, porque essas doenças estão quase eliminadas. Por ter pouca oportunidade desconhecendo a importância e a carga que elas têm. Com isso, acham que doença está controlada, não dando tanta importância para a imunização. O que não é verdade, se não mantiver a população protegida, na primeira oportunidade de reintrodução do vírus, o que aconteceu agora com os venezuelanos, a doença dissemina. Que isso sirva de lição para que a gente entenda que para manter a população protegida é necessário manter a vacinação.
- Quais ações públicas e como o ministério da saúde deve atuar nesses casos?
Houve uma série de ações por parte do ministério da saúde com o objetivo de bloqueio do surto para que ela não se alastre para outros lugares. Então o Ministério da Saúde iniciou um conjunto de ações nessas regiões, mas também em outras partes do Brasil.
No meu ver ainda tem que melhorar a cobertura de vacina. Também é necessário acompanhar as ações e fazer um monitoramento epidemiológico do que está acontecendo, rastrear o vírus, identificar os grupos etários atingidos, para dessa maneira construir as estratégias mais eficientes de controle. É acredito que isso já está sendo feito. E entendo que uma vez implementada de maneira efetiva conseguiremos controlar esse surto.
- Há casos de outras vacinas que podem estar sendo negligenciadas?
Sem dúvida. Esse é um ponto muito importante. Isso serve para outras doenças. Com a rubéola não é diferente. A própria poliomielite tem cobertura baixa. E só temos casos de poliomielite selvagem em dois países: Afeganistão e Paquistão.
Claro que diminui a chance de um surto, mas o caso do sarampo deve servir como lição para as outras doenças que temos controladas como rubéola, tétano ou disenteria, como paralisia infantil, para que a mesma situação não se reproduza. Então essa é uma oportunidade em resgatarmos nossa cobertura de vacinas.
- Como estão os progressos na produção de vacinas e capacidade de vacinação?
O Brasil importa boa parte das vacinas, está longe de conseguir uma independência em relação a isso. É uma área que exige uma tecnologia de ponta, rebuscada. Infelizmente não é a realidade dos países com a situação similar ao nosso. Apesar que o Brasil se destaca possuindo uma produção significante, mas longe de uma independência.
- Qual sua posição em relação as vacinas tripas e as únicas?
Hoje o que temos disponível é a vacina tríplice viral. Não vejo nenhum problema com isso. Quanto mais abrangente melhor – combatendo rubéola e caxumba.
- Quais as metodologias e testes diagnósticos existem atualmente para o Sarampo?
O sarampo é uma doença de diagnóstico clinico, baseado em manifestações clinicas. Mas é importante que seja feito laboratorialmente. Basicamente o método usado é a sorologia. Mas há também o uso da biologia molecular, que oferece um diagnóstico de maior acerto. E o que fazemos também, para nível de pesquisa e monitoramento, é a genotipagem do vírus. Para tentar rastreá-lo e para descobrir sua origem.
- Como o senhor vê a biologia molecular para o futuro do diagnóstico do sarampo?
Acho que podemos ampliar essa resposta para nível geral, já que a biologia molecular revoluciona o diagnóstico e a oportunidade de reconhecer as doenças de uma maneira geral, já que ela tem uma aplicabilidade que cresce em progressão geométrica, mesmo como o custo sendo um fator limitante. Mas aos poucos elas estão se tornando mais acessíveis para os clínicos. E seguramente é uma ferramenta de diagnóstico que tem um potencial de crescimento enorme para o manejo das doenças infecciosas de uma maneira geral e claro que o sarampo se inclui aí.
Marco Aurelio Palazzi Safadi
- Graduação em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo – FCMSCSP, (1985);
- Residência médica em Pediatria pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (1989);
- Mestrado em Pediatria e Ciências Aplicadas à Pediatria pela Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina (1997);
- Doutorado em Medicina pela FCMSCSP (2011);
- Especialista em Pediatria e Infectologia Pediátrica conferidos pela Sociedade Brasileira de Pediatria;
- Diretor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo;
- Coordenador do Serviço de Infectologia Pediátrica do Hospital Infantil Sabará;
- Presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria;
- Membro do Comitê Científico da Sociedade Mundial de Infectologia Pediátrica (WSPID).