O conceito de estilo de vida inclui diferentes fatores como dieta, comportamento, stress, atividades físicas, hábitos de trabalho e de consumo, entre outros. O background genético e os fatores ambientais estão diretamente relacionados com o estilo de vida, e os processos epigenéticos têm sido cada vez mais relacionados com diversos fenômenos. A palavra epigenética é bem antiga, Aristóteles já acreditava que todas as nossas características têm origem em um processo denominado “epigênese”. Então, no início dos anos 40, o biólogo Conrad Waddington passou a utilizar a palavra epigenética para se referir à maneira como os genes interagem com o meio ambiente na construção dos organismos.
É interessante pensar que temos origem a partir de um óvulo fertilizado, e conforme o desenvolvimento embrionário progride, esse óvulo se divide em milhares de células com a mesma informação genética original. No entanto, para a construção adequada do organismo, as células precisam se desenvolver em diferentes tipos, como por exemplo células sanguíneas, neurais, musculares, ósseas, e etc. Sendo assim, é necessário que haja um fator responsável por ligar e desligar os genes adequadamente, e então, direcionar a diferenciação de cada tipo celular. Esse fator “não genético” é a epigenética.
Afinal, o que é a Epigenética?
Envolvendo o estudo de uma imensa diversidade de fenômenos biológicos, a epigenética abrange conceitos de desenvolvimento e diferenciação celular, metabolismo, doenças, variabilidade fenotípica, herdabilidade, metabolismo, entre outros. A epigenética descreve eventos moleculares que ocorrem no DNA, mas não afetam a sequência de DNA em si.
De fato, hoje sabe-se que a atividade genética pode ser regulada como um interruptor de uma lâmpada: pode ser desligada ou ligada, em diferentes níveis. Essa regulação é realizada a partir de alterações químicas na sequência de DNA dos nossos genes, sem alterar a identidade dos pares de base que compõe o DNA, atuando literalmente sobre os genes, daí o termo ‘epi’genética. Alterações epigenéticas impactam na forma como a molécula de DNA é formatada, e consequentemente, regula quais genes permanecerão ativos, influenciando na fisiologia e no comportamento de um organismo.
Não é sobre os genes que você tem, mas sobre o que os seus genes estão fazendo!
Diferente do que muitos acreditam, o DNA que contém a informação dos nossos genes não é capaz de ações independente, o que faz da regulação desses genes um mecanismo tão importante para o desenvolvimento como um todo. Os genes são, de certa forma, induzidos a se expressar conforme o contexto ambiental (o que inclui diversos fatores, inclusive outros genes), fazendo com que cada gene se comporte de maneira única em cada indivíduo. Tal fato já foi comprovado, inclusive, em estudos com gêmeos monozigóticos idênticos que têm origem a partir do mesmo óvulo e, portanto, contém a mesma sequência de DNA, no entanto, seus genes se expressam de maneiras diferentes, o que demonstra que experiência diferentes podem deixar “marcas” no DNA que afetam a maneira como os genes são expressos.
O nosso DNA é capaz de se compactar em diferentes níveis, e uma vez que o nosso DNA está altamente compactado, os mecanismos responsáveis pela leitura desse DNA não são capazes de acessá-lo para interpretar a informação. Quando isso acontece, esse segmento de DNA altamente compactado será impossibilitado de ser lido, e então, as proteínas normalmente produzidas a partir daquele fragmento de DNA não serão processadas.
Um exemplo disso são as histonas, que são grandes proteínas associadas ao DNA e que auxiliam na compactação e descompactação do DNA, podendo ser modificadas por diversos processos. Esses processos epigenéticos de alteração do DNA, como por exemplo a acetilação ou a metilação, fazem com que o DNA fique mais ou menos acessível à sua leitura e processamento (transcrição). A acetilação do DNA faz com que o mesmo fique mais acessível, levando ao aumento da expressão gênica, enquanto que a adição de grupamentos metil –CH3 (metilação) faz com que o segmento de DNA fique mais compactado, levando à diminuição da expressão dos genes naquele segmento.
O meio ambiente é extremamente capaz de levar a alterações epigenéticas no DNA de maneiras extraordinárias. Um exemplo clássico é o estudo sobre as abelhas-rainhas e operárias, que apesar de terem sequências genéticas idênticas, são completamente diferentes em termos de comportamento, fisiologia e fenótipo. Neste caso, a frase “você é o que você come” representa exatamente o que é observado: Ambas as abelhas-rainha e operária são inicialmente alimentadas com geleia real, no entanto, as abelhas operárias são rapidamente desmamadas e alimentadas com néctar e pólen, enquanto as abelhas-rainhas são alimentadas por geleia real durante todo seu desenvolvimento, mantendo essa dieta inclusive na vida adulta. Estudos recentes demonstraram que a geleia real contém ingredientes capazes de inibir a metilação de citosinas no DNA, levando ao aumento da expressão de genes que se encontram silenciados em abelhas operárias, o que pode explicar a grande diferença fenotípica e de comportamento entre essas duas castas.
Nos humanos, o fenômeno epigenético não atua tão diretamente sobre o fenótipo como observado nas abelhas, no entanto, pesquisadores tem demonstrado cada vez mais o impacto das alterações epigenéticas no desenvolvimento, crescimento e doenças.
Implicações e estudos sobre epigenética
Os eventos epigenéticos estão acontecendo no nosso corpo a todo momento. Por exemplo, atividades físicas, o que comemos ou bebemos, podem alterar o padrão epigenético das nossas células. A partir do entendimento de como a expressão dos nossos genes é controlada, é possível imaginar como os eventos genéticos e epigenéticos colaboram para produzir nossas características.
Atualmente, técnicas de epigenômica têm permitido aos pesquisadores investigar as alterações epigenéticas em todo o genoma, em um único experimento. Essa abordagem tem sido amplamente utilizada, principalmente, na investigação de alterações relacionadas a um grande número de doenças humanas, como câncer, autismo e doenças auto-imunes, entre outros. Além disso, pesquisadores clínicos estão em uma constante busca pelo desenvolvimento de terapias com possíveis alvos epigenéticos.
A primeira doença humana a ser relacionada ao processo epigenético foi o câncer, em 1983. Pesquisadores descobriram que tecidos tumorais de pacientes com câncer colorretal apresentavam uma menor quantidade de DNA metilado do que os tecidos normais do mesmo paciente. Uma vez que genes metilados estão tipicamente desligados, a perda da metilação pode levar ao aumento de expressão gênica. Por outro lado, o aumento da metilação pode silenciar funções de importantes genes supressores tumorais.
Esse balanço fino entre “ligar e desligar” os genes tem sido observado em diversos processos tumorais, assim como é observado também durante o desenvolvimento embrionário. Dessa forma, somos capazes de mensurar a importância do processo epigenético para o funcionamento preciso e saudável dos organismos, e quais impactos que as alterações nesse processo podem causar.
Compreendendo como o contexto ambiental influencia a epigenética, pesquisas relacionadas às alterações pós-transcricionais terão consequências extremamente abrangentes. Estudos epigenéticos podem ser aplicados a diversos campos, e auxiliar em diversas questões que permanecem sem resposta. O conhecimento que se tem sobre o processo epigenético avança na medida em que novas tecnologias são disponibilizadas, mas ainda carece de muitos estudos futuros, e quanto mais respostas tivermos, novas perguntas surgirão. Estamos diante apenas da ponta de um iceberg, de toda uma rede de interações que envolve esse processo tão fundamental e intrigante.

Bruna Mascaro
Bióloga especializada em biologia molecular e sequenciamento de nova geração aplicados à oncologia na prática clínica, com Mestrado e Doutorado pela Universidade Federal de São Paulo. Atualmente é vinculada ao laboratório clínico do Hospital Israelita Albert Einstein e escreve para o blog Varstation.
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- Xu Jiang He, et al. Making a queen: an epigenetic analysis of the robustness of the honeybee (A pis mellifera ) queen developmental pathway. Molecular EcologyVolume 26, Issue 6. 2016
- Fazzari, M. J. & Greally, J. M. Epigenomics: beyond CpG islands. Nature Rev. Genet. 5, 446–455 (2004)
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[[Artigo disponível na íntegra na Revista Newslab Ed 160]]