Iniciado em outubro de 1990 e concluído em abril de 2003 com um orçamento de três bilhões de dólares, o Projeto Genoma Humano foi um dos grandes feitos na história da ciência. A cooperação de equipe internacional de pesquisadores permitiu o mapeamento e o sequenciamento de todos os genes do Homo sapiens, concluindo aquilo que seria o genoma humano com três bilhões de bases.
Com o avanço da tecnologia e o surgimento do sequenciamento de nova geração (Next Generation Sequencing – NGS), houve uma redução significativa tanto no custo bem como na velocidade de processamento de um genoma. Desde então, houve um salto vertiginoso na área da genômica e da biologia molecular, atraindo vultosos investimentos e gerando muitas expectativas em relação ao impacto na medicina.
Neste contexto surge a proposta da medicina de precisão, definida pela Fundação Européia de Ciência (ESF) como uma nova abordagem para classificar, entender, tratar e prevenir doenças com base em dados e informações sobre diferenças biológicas e ambientais individuais. Busca integrar dados em toda a dinâmica composição biológica de cada indivíduo, bem como fatores ambientais e de estilo de vida que interagem para gerar um fenótipo individual complexo. Usando essas informações, os modelos podem ser gerados para identificar a mais apropriada escolha para os cuidados de saúde, para o tratamento e prevenção de maneira individual, e também evitando despesas e efeitos colaterais de testes e tratamentos desnecessários. Em essência, a medicina de precisão representa uma mudança da medicina reativa para cuidados de saúde proativos e preventivos.
A importância e a expectativa em relação à medicina de precisão podem ser reconhecidas por meio das agendas de pesquisas nacionais em diversos países. Em 2014, o governo do Reino Unido anunciou o Projeto 100K Genomas com a proposta de sequenciar o genoma de 100 mil pacientes do Sistema de Saúde Nacional (NHS) para tratar pacientes individualmente e entender melhor o câncer, doenças raras e infecciosas. O governo dos Estados Unidos divulgou o projeto “All of Us” em 2015, um programa de medicina de precisão com orçamento de 215 milhões de dólares com o objetivo de recrutar um milhão de participantes representativos da população e compartilhar dados de registros médicos eletrônicos, de saúde digital e de genômica a fim de aprimorar a descoberta científica e os cuidados clínico. Em 2016, a França lançou seu projeto “France Médecine Génomique 2025”, com orçamento de 670 milhões de euros para os cinco primeiros anos com a finalidade de translacionar as pesquisas científicas com sucesso para os cuidados com a saúde da população. Neste mesmo ano, a China anunciou seu projeto de 9,2 bilhões de dólares em medicina de precisão. Inúmeras outras iniciativas foram apresentadas como “Australian Genomics Health Alliance”, “Genome Canada”, “Bench To Beside Project” de Israel, “Implementation of Genomic Medicine Project” do Japão, “Genome Technology to Business Translation Program” da Coreia, “POLARIS” de Cingapura e “Pharmacogenomics and Personalized Medicine” da Tailândia. No Brasil foi lançado o “Brazilian Initiative on Precision Medicine” (BIPMed) em 2015, com o objetivo de implementar a medicina de precisão para benefício da população brasileira.
O governo brasileiro, prevendo a capacidade de transformação da medicina genômica para os cuidados de saúde, tem fomentado novos projetos em parceria com centros de pesquisas privados. Dentre estes, o “Projeto Genomas Raros”, realizado em conjunto com o Hospital Albert Einstein, onde serão sequenciados 1500 genomas de indivíduos brasileiros com doenças raras de suposta base genética e risco hereditário de câncer, com o objetivo de estabelecer padrões com as boas práticas para os projetos futuros em genômica humana no Sistema Único de Saúde.
Já presenciamos aplicações da medicina de precisão em diferentes momentos da vida de um indivíduo atualmente: na triagem genética do casal antes da concepção para redução de risco de transmissão de doenças genéticas para a prole, nos testes genéticos para avaliação de anormalidades cromossômicas fetais no início da gestação, no diagnóstico rápido por meio de sequenciamento de condições genéticas logo ao nascimento para tratamento específico e redução de morbimortalidade, e na vida adulta, diagnosticar e oferecer terapêutica precisa a doenças como câncer.
Nos últimos anos houve um acentuado aumento na disponibilização e no uso de testes genômicos e que deve prosseguir. Podemos constatar pelo número de testes multigênicos, incluindo painéis genéticos, sequenciamento completo de exoma e de genoma. O mercado do sequenciamento clínico – que inclui o uso de testes de sequenciamento para diagnóstico, previsão de risco, seleção e monitoramento de terapia e triagem – está crescendo a uma taxa anual composta de 28%1. Diante do volume de dados gerados por estes testes genômicos, ferramentas de processamento e de análise de dados precisam ser eficazes em entregar resultados confiáveis, precisos e com agilidade por meio da bioinformática. O Varstation, por exemplo, é a plataforma de análise de dados utilizada pelo Hospital Albert Einstein e que também será utilizada no Projeto Genomas Raros.
Para que a medicina de precisão seja amplamente adotada, não basta apenas a disponibilização de dezenas de milhares de testes genômicos, porém, faz se necessária a geração de evidências de alta qualidade da melhora nos desfechos dos pacientes. A medicina de precisão representa uma mudança de paradigma nos cuidados de saúde em processo de amadurecimento e que veio para ficar.
Referências:
- Phillips KA, Deverka PA, Hooker G, Douglas MP. Genetic Test Availability, Spending, and Market Trends. Where Are We Now? Where Are We Going? Health affairs. 2018 this issue.
- Ginsburg GS, Phillips KA.Health Aff (Millwood). Precision Medicine: From Science To Value. 2018 May;37(5):694-701. doi: 10.1377/hlthaff.2017.1624
- Iriart JAB. Medicina de precisão/medicina personalizada: análise crítica dos movimentos de transformação da biomedicina no início do século XXI. Cad. Saúde Pública 2019; 35(3):e00153118.
<Artigo disponível na Revista Newslab Ed 158>