A cada dia que passa tem se tornado mais evidente a eficiência e adequabilidade dos testes moleculares no diagnóstico de doenças infecciosas, sobretudo aquelas causadas por vírus como é o caso da atual pandemia de COVID19. Os testes moleculares são capazes de detectar o material genético do patógeno, atestando de forma direta sua presença na amostra.
Colocando em perspectiva, os diferentes testes disponíveis para o diagnóstico de COVID19 têm a sua utilidade bem definida. O teste molecular de RT-qPCR é especialmente importante para identificar indivíduos com carga viral, permitindo que medidas de restrição como a quarentena sejam aplicadas com o objetivo de bloquear a disseminação viral. Já os testes imunológicos podem ser usados para identificar indivíduos que já foram expostos ao patógeno e podem ser utilizados para conferir “Passaportes imunológicos”, de forma a atestar sua imunidade à doença. Todavia, nenhum destes testes mostrou-se adequado para o diagnóstico inicial em surtos, ou seja, para a identificação de novos patógenos virais no momento que eles são emergentes.
O novo coronavírus, nomeado posteriormente de SARS-CoV-2, foi identificado rapidamente na cidade de Wuhan por uma técnica de pesquisa e diagnóstico denominada “Metagenômica”. Trata-se de uma técnica molecular que também é capaz de identificar diretamente o material genético do vírus, mas diferentemente da técnica de RT-qPCR, a metagenômica não é uma técnica direcionada, ou seja, com um alvo específico. Ao invés disso, a técnica faz uso da extração total do material genético da amostra, seguida do sequenciamento massivo paralelo (também conhecido como sequenciamento de nova geração NGS) e da análise bioinformática para buscar o genoma e identificar o patógeno de forma precisa.
Do momento da identificação do patógeno associado ao surto da síndrome respiratória aguda em Wuhan até o final de janeiro de 2020, o diagnóstico dos pacientes foi possível somente através da metagenômica. A partir do depósito do genoma em bancos públicos, ensaios de RT-qPCR começaram a ser desenvolvidos no mundo através de estudos detalhados das regiões do genoma viral.
Enquanto isso, os primeiros casos suspeitos de COVID19 eclodiam no Brasil, sendo descartados um a um pela técnica de metagenômica desenvolvida internamente no Hospital Israelita Albert Einstein. Por se tratar de uma técnica que não possui um patógeno viral específico como alvo, a mesma é capaz de diagnosticar arboviroses, hepatites virais e síndrome respiratórias de uma miríade de vírus diferentes, incluindo todos os vírus da família Coronaviridae.
Além da metagenômica ser uma técnica polivalente para o diagnóstico de infecções virais, ela possui uma vantagem interessante advinda dos dados colaterais gerados pelo exame. Diferentemente do RT-qPCR, diversos fragmentos de genoma dos vírus são lidos pelo equipamento de sequenciamento, gerando genomas completos após análise. Com o genoma em mãos, os laboratórios executores destes testes tornam-se capazes de gerar dados para estudos altamente sofisticados sobre a epidemiologia molecular de diversos vírus.
Estes laboratórios em conjunto com autoridades sanitárias podem por exemplo realizar um levantamento de quais agentes etiológicos estão mais associados às síndromes ou manifestações clínicas específicas, quais as cepas e genótipos circulantes de determinados vírus, identificação de mutações associadas com virulência e resposta a drogas, etc. As possibilidades são muitas.
Como um exemplo ilustrativo da utilidade de testes baseados em metagenômica, podemos citar um caso ocorrido no início de janeiro de 2020 de um paciente residente em Sorocaba. Este paciente apresentava sintomas típicos de febre amarela, com manifestações hepáticas e hemorrágicas. Após a realização de testes sorológicos e moleculares para diferentes agentes, todos os resultados vieram negativos. Não se tratava de nenhuma arbovirose conhecida (Zika, Dengue, Chikungunya, Febre amarela), hepatite viral (A, B, C, D e E) ou mesmo de vírus como os herpesvírus, parvovírus ou HIV.
O teste de RT-qPCR para febre amarela desse paciente foi repetido duas vezes, ambos com resultados negativos. Foi então que a equipe do Laboratório de Técnicas Especiais do Hospital Israelita Albert Einstein decidiu testar o exame baseado em metagenômica. O resultado veio positivo para um Arenavírus do grupo Sabiá vírus que não era identificado a mais de vinte anos em território brasileiro. Tratava-se de um vírus de alta letalidade transmitido por fezes de roedores conhecido por causar um tipo de febre hemorrágica. Diagnóstico solucionado e conclusivo graças à metagenômica.
Portanto, fica aqui o nosso registro de que testes moleculares baseadas em metagenômica podem levar a área de diagnóstico de doenças infecciosas para um novo paradigma de medicina de precisão. Proporcionando vantagens excepcionais aos pacientes e também aos laboratórios que estejam dispostos a praticar uma medicina diagnóstica de ponta e inovadora.
[[Texto disponível na íntegra na Revista Newslab Ed 159]]