Por José de Souza Andrade-Filho*
A cirrose, doença muito comum em nosso meio, resulta do comprometimento do fígado e de vários outros órgãos dependentes da indispensável função hepática. O fígado doente pela cirrose/fibrose apresenta, entre outros distúrbios, um obstáculo ou bloqueio à circulação do sangue no seu interior, provocando um represamento sanguíneo em todo o abdome e consequente hidroperitônio (ascite). O principal canal que leva sangue ao fígado é a veia porta. Esta fica ingurgitada e com pressão elevada criando a chamada síndrome da hipertensão portal. Devido à pressão aumentada na veia porta e impedimento da passagem do sangue pelo fígado, o nosso organismo procura criar desvios para que o sangue possa atingir o tórax e o coração. Um dos principais desvios é feito pelas veias subcutâneas em torno do umbigo que se tornam dilatadas e tortuosas, isto é, varicosas, lembrando cobras azuladas serpenteando na pele abdominal. Este aspecto foi comparado ao emaranhado de serpentes da Cabeça da Medusa (Lat. caput medusae) ou Cirsônfalo (Gr. kirsós = varizes e omphalos = umbigo), isto é, veias varicosas em torno do umbigo. Esta comparação é creditada ao médico italiano Marcus Aurelius Severinus (1580-1656) que foi um profissional de renome e muito conceituado. Nasceu na Trasia, na Calábria, em 1580. Faleceu em Nápoles, em 1656 aos 76 anos. Usamos o termo médico comparativo criado por ele há mais de 400 anos.
Outras causas importantes de hipertensão portal são a esquistossomose em certas regiões endêmicas do Brasil e anormalidades vasculares no próprio fígado. O diagnóstico da hipertensão portal é feito por critérios clínicos, estudos de imagem e endoscopia digestiva. O tratamento é complexo.
Na mitologia grega, Medusa, Esteno e Euríale formavam a tríade terrível – as górgonas – mulheres que tinham serpentes por cabelos e que transformavam em pedras quem as encarava.
Há o relato de Medusa ter sido uma jovem tão orgulhosa de seus cabelos que ousou achá-los mais belos que os de Atena, a deusa da sabedoria, entre outras qualidades e poderes. Para punir tamanha vaidade, essa deusa transformou-os em serpentes. Todos aqueles que cruzavam o olhar com o da mortal Medusa, eram imediatamente petrificados. Perseu, filho de Zeus e considerado herói, resolveu vingar-se e matar Medusa. Para escapar de seu olhar paralisante, pediu emprestado o escudo espelhado de Atena. Medusa, ofuscada pelos raios de sol refletidos no escudo, foi então decapitada pela lâmina afiada da espada de aço de Hermes, empunhada por Perseu. Do sangue que jorrou das carótidas decepadas da Medusa, que estava grávida, nasceu Pégaso, o cavalo com asas de ouro.
- Fonte: “Medicando com Arte” livro de Armando JC Bezerra e Jordano Pereira Araújo, CRM do Distrito Federal, 2006
- Imagens disponíveis em: https://twitter.com/historical_iris/status/696614198948790272; http://pixshark.com/caput-medusae-anatomy.htm; https://pt-static.z-dn.net/files/d00/4a503335bfc2e0ed999cf59d3398cce0.jpg (acesso em 01/05/2017)
*José de Souza Andrade-Filho – Patologista no Hospital Felício Rocho-BH; membro da Academia Mineira de Medicina e Professor de Patologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.