Às vezes, nos deparamos com coletas aparentemente perfeitas e mesmo assim, o setor técnico solicita nova coleta.
Por que isso acontece?
A palavra hemólise deriva do grego hemo (sangue) e lyse (ruptura), referindo-se à destruição das hemácias pelo rompimento da membrana plasmática resultando na liberação de diversos componentes intracelulares, principalmente a hemoglobina.
Representa o maior número de não conformidades e desafio relacionado a fase pré-analítica e há uma grande importância em distinguir a hemólise in vivo e hemólise in vitro para a segurança do paciente.
Hemólise in vivo – decorrente de doenças sanguíneas (congênitas ou adquiridas), intra ou extravascular, independem da técnica de punção. Por isso, sempre muito importante que no momento do cadastro/coleta, o cliente ou seu responsável relate as condições clinicas do paciente como por exemplo: Anemia hemolítica, infecção, reações tranfusionais, entre outras. São situações que, se não temos o conhecimento prévio, geramos novas coletas e não- conformidade para a Coleta. Sabendo previamente destes casos, o setor técnico poderá planejar uma estratégia de coleta a fim de não prejudicar a análise do exame e nem pedir nova amostra desnecessariamente.
Já a Hemólise in vitro ocorre durante a fase pré-analítica, podendo provocar sérios erros nos resultados laboratoriais sendo uma das principais causas de não conformidade e recoleta e é justamente onde podemos atuar com excelência de forma preventiva.
A ruptura celular por manipulação, acondicionamento ou transporte inadequados da amostra pode resultar não apenas na ruptura dos glóbulos vermelhos, mas também dos leucócitos e trombóticos. Trata-se da primeira causa da rejeição de uma amostra, como demonstrado no estudo Chemistry Specimen Acceptance Q-Probes do College of American Pathologists (CAP). A hemólise pode ser reconhecida no laboratório por uma inspeção visual da amostra de plasma ou soro, que pode apresentar a cor rosada a vermelha viva e poderá afetar os resultados dos exames laboratoriais. Alguns dos exames que podem ser comprometidos pela hemólise são: potássio, sódio, cálcio, magnésio, bilirrubina, haptoglobina, proteína total, aldolase, amilase, LD, AST, ALT, fósforo, fosfatase alcalina, fosfatase ácida, GGT, folato, ferro e troponina.
Boas práticas para prevenir a hemólise:
- Coleta realizada por profissional com conhecimento, habilitado, devidamente treinado.
- Escolha do calibre da agulha adequada às condições clínicas do paciente: a agulha de grosso calibre por exemplo, permite a entrada do sangue com rapidez e força contra a parede do tubo e esta atenção deve ser a mesma quanto ao uso de agulhas finas, que força a passagem do fluxo de sangue na abertura estreita do lúmen da agulha;
- Aguardar a evaporação do álcool antes de perfurar a pele;
- Aplicar o torniquete com a finalidade de evidenciar a rede venosa e não interromper a circulação por um curto período recomenda-se não mais que 1 minuto e ser aplicado 7,5 cm acima do local da punção;
- Evitar realizar a coleta acima e abaixo de infusão de fluidos ou de um dispositivo de acesso vascular pois possível contaminação da amostra com fluidos, hemólise;
- Recomenda não coletar em regiões com hematoma ou equimose;
- Realizar a punção com o bisel da agulha voltado para cima em ângulo de 30 graus, inserir o primeiro tubo a vácuo; quando o sangue começar a fluir dentro do tubo, desgarrotear; e realizar a troca dos tubos sucessivamente, seguindo a ordem de coleta;
- Realizar o preenchimento do tubo até que o volume máximo indicado seja atingido (proporção ideal entre sangue e aditivo);
- Tubos com volume de sangue insuficiente ou em excesso alteram a proporção correta de sangue/aditivo, levando à hemólise e a resultados incorretos;
- Realizar a homogeneizar suavemente (inversão) dos tubos contento anticoagulante e o com aditivos imediatamente entre as trocas dos tubos conforme as instruções do fabricante do tubo, para evitar microcoágulo e hemólise;
- Recomenda-se a permanência dos tubos sem na posição vertical após a coleta.
- Após a coleta de sangue e a homogeneização dos tubos, se há necessidade da obtenção de soro, é recomendado aguardar a retração de coágulo, pois se a formação do coágulo ainda estiver incompleta pode ocasionar à ruptura celular (hemólise) e/ou formação de fibrina. Seguir a recomendação do fabricante referente ao tempo de espera da retração do coágulo após a coleta para realizar a centrifugação realizando a padronização;
- Monitorar a velocidade de centrifugação;
- Não usar o freio da centrífuga com o intuito de interromper a centrifugação dos tubos. Essa brusca interrupção pode provocar hemólise;
- Quando o analito a ser dosado necessitar da conservação refrigerada, recomenda –se que as amostras não devam estar em contato direto com o gelo, pelo risco de congelamento e de hemólise.
- Armazenar corretamente a amostra de acordo com o Manual de Coleta do Laboratório.
- Usar insumos de qualidade e de acordo com as normas técnicas vigentes. A recomendação do CLSI é pela utilização do sistema fechado, composto por um dispositivo que permite a aspiração do sangue diretamente da veia através do vácuo e/ou aspiração, utilizando agulha ou escalpe de duas pontas que se conectam diretamente ao tubo de análise para onde o sangue é drenado;
- Evitar a coleta de sangue com seringa, há estudo que comprovam que a taxa de hemólise é superior utilizando este produto, caso não seja possível realizar alguns cuidados para diminuir o risco de hemólise:
– Puxe o sangue delicadamente para dentro da seringa, e transfira imediatamente ao tubo com o cuidado para que o sangue deslize pela parede do tubo com auxílio de um dispositivo para transferência. Não aplicar pressão negativa na seringa com o sangue já dentro da mesma;
– Evitar a transferência ativa causando hemólise devido a força utilizada para o esvaziamento do sangue dentro da seringa;
– Certificar que a agulha esteja adaptada a seringa
– Evitar aspirar o sangue muito rápido para dentro da seringa e transferir o sangue para o tubo sem desconectar a agulha da seringa.
- Métodos de transporte: Os sistemas de transporte pneumático ou outras condições de transporte que produzam turbulência e trauma das hemácias dentro dos tubos também são causas de hemólise. Estudos demonstram que foram encontrados menos percentuais de hemólise nas amostras transportadas por meios convencionais versus as amostras transportadas por tubos pneumáticos;
- Não realizar transporte inadequado de amostra que sofre com a exposição à luz, temperaturas, tempo, carga mecânica, armazenamento de sangue total durante vários dias a temperatura ambiente. Procure seguir sempre as legislações vigentes.
A importância de treinamento, conhecimento e conscientização do desempenho em todo o processo, bem como a capacitação do profissional, são fatores que minimizam o número de amostras hemolisadas recebidas na área técnica do laboratório. Embora ocasionalmente ocorram fontes de hemólise fora do controle dos profissionais que realizam a coleta de amostras biológicas, as recomendações acima auxiliam a reduzir a incidência de amostras hemolisadas, proporcionando resultados seguros e precisos, que reflitam as condições clinicas do paciente.
Autoras:
Fábia Bezerra, Biomédica, Gerente Nacional de Qualidade da Hapvida Diagnósticos
Suzimara Tertuliano, Enfermeira, CEO da SUZIMARA&SARAHYBA CONSULTORIA LABORATORIAL https://www.linkedin.com/company/suzimara-sarahyba/
Bibliografia:
1 Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML) : boas práticas em laboratório clínico 2020
2 Recomendações da sociedade brasileira de patologia clínica/medicina laboratorial (SBPC/ML) : fatores pré-analíticos e interferentes em ensaios laboratoriais / Adagmar Andriolo … [et al.] ; organização Nairo Massakazu Sumita … [et al.] – 1. ed. – Barueri [SP] :Manole, 2018
3 Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (47.: 2013: São Paulo) Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML): coleta e preparo da amostra biológica. – Barueri, SP: Manole: Minha Editora, 2014.
4 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Manual de hemofilia / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Especializada e Temática. – 2. ed., 1. reimpr. – Brasília: Ministério da Saúde, 2015. 80 p.: il.