Este artigo, de certa forma, é uma sequência do publicado em março de 2022, intitulado “Breve análise comportamental do mercado das análises clínicas”. Decorreu de um webinar onde apresentei um pequeno estudo sob o impacto econômico causado pela COVID 19 nos laboratórios clínicos, bem com suas repercussões posteriores. Ao responder perguntas, dúvidas de participantes do evento, notei que as respostas constituíam uma continuação natural do tema “Mercado”, fato gerador do presente artigo. Resguardando a individualidade pessoal, fiz uma síntese das questões levantadas pelo público: a pandemia trouxe a oportunidade de ampliar o mercado com novos clientes e médicos assistentes, contudo, junto, vieram também, NOVOS CONCORRENTES, por exemplo, farmácias e clínicas médicas. Isto está causando impacto significativo no mercado. Ainda, os laboratórios, em geral, fizeram investimentos consideráveis para atender estes novos clientes, com necessidades específicas. Então, após o fim da pandemia, que riscos e como agir quando cessarem os benefícios financeiros decorrentes da pandemia? Adicionalmente, qual a importância dos laboratórios de apoio e a repercussão da alteração gradual na forma de atuação destes antes, durante e após pandemia? Ainda, como serão os novos tempos com a chegada da inflação em patamares consideráveis, gerando cenários que a nova geração de profissionais nunca vivenciou? Finalmente, qual será o novo perfil de demanda dos exames? Que acontecerá com as contas médicas? Minha opinião sobre estas questões, portanto, sujeita a falhas e qualquer tipo de crítica, é relatada conforme tópicos a seguir.
- Após a euforia financeira proveniente da elevada margem de contribuição dos exames relativos a COVID-19, está chegando, usando um eufemismo, uma síndrome de abstinência. Nesta, fica evidente, de uma forma geral, que os investimentos feitos para atender a demanda de exames gerada pela pandemia, elevou o grau de alavancagem operacional dos laboratórios, evidenciando um desequilíbrio entre a capacidade instalada e a força de trabalho frente ao “novo” mercado pós-covid 19. Isto gerou um “novo” ponto de equilíbrio, uma “nova” margem de segurança, uma “nova” margem de contribuição, uma “nova” competitividade, enfim, um “novo” risco de insolvência. Esta situação é preocupante, tendo em vista que a pandemia incentivou, acelerou a entrada no mercado das análises clínicas, de “novos” concorrentes: farmácias, clínicas médicas, laboratórios de apoio com desvios de funções etc., bem como o incremento e diversificação dos testes rápidos e autotestes. Tudo isto facilitado por brechas ou falhas na legislação vigente, bem como impulsionado pela grande mídia que apoiava abertamente a realização massiva dos testes nas farmácias em detrimento aos laboratórios, num evidente desprestígio à qualidade dos exames. Tudo em nome do atendimento emergencial da população, fato, de certo modo, compreensível, contudo, muito prejudicial aos laboratórios. A pandemia pode estar passando, entretanto, os “novos” concorrentes vieram para ficar e, com eles, uma “nova” maneira de recepcionar, coletar e produzir exames. Esta “nova” realidade, catalisada pela ameaça da volta da inflação, vai exigir dos laboratórios clínicos uma transformação radical. Sobreviverão os que perceberem isto e tiverem a capacidade de se adaptar mais rapidamente às mudanças no mercado. O modelo de gestão focado nos custos está exaurindo sua capacidade como solução em gestão. Não que deva ser abandonado, pelo contrário, deve continuar a ser praticado, até com mais veemência, fazendo mais do mesmo, todavia, a atenção dos gestores precisa se voltar para fora da organização, para o “novo” mercado, fazendo agora algo a mais, gerando, por assim dizer, um “novo” modelo de laboratório, que convencionei chamar de “LABORATÓRIO METAVERSO”. Neste, será necessária a imersão na “nova” realidade do mercado. Não existe mais espaço para lamentações, para a terceirização da solução dos problemas dos laboratórios, buscar a culpa destes, nos outros, teimando em identificar todas as causas somente como conjunturais. É imprescindível uma gestão econômica e financeira profissional. Não basta investir unicamente na gestão técnica, ela é um atributo mandatório. É como voar para os aviões, é o mínimo que se exige deles, isto nos aviões e companhias aéreas é como exames exatos e precisos nos laboratórios, configuram a essência da existência destas organizações. A vantagem competitiva está na qualidade dos serviços agregados à razão de existir. Por ela é que os clientes serão fidelizados nestas empresas, que deverão ter competência para manter os referidos diferenciais ao longo do tempo, do contrário, não sobreviverão. Estes são os atributos que devem estar presentes nos “laboratórios metaverso”. Neles, todos os seus processos estão corretamente identificados, metrificados por itens de controles e verificação (indicadores de desempenho) estabelecidos nas dimensões pertinentes da qualidade total, com metas determinadas pela concorrência, fundamentando todo o planejamento estratégico de forma competitiva. Ainda, em cada processo estarão identificados seus clientes (internos e externos), fornecedores, responsáveis e forma de monitoramento dos resultados. Em suma, deve-se girar o ciclo PDCA de gestão, incansavelmente, com resiliência, determinação, obstinação, SEMPRE! Não há outra forma para enfrentar as “novas” exigências do mercado: uma “nova” maneira de recepcionar, coletar e produzir exames, a não ser com competência total.
- Praticamente, a demanda já retomou aos níveis normais da pré-pandemia, conforme os perfis de solicitação anteriormente existentes. Pode-se notar uma diferença no que tange aos exames de controle dos efeitos da COVID 19 bem como das vacinas, tais como D dímero, fibrinogênio, DHL, ferritina etc. O impacto está descrito minuciosamente no tópico anterior.
- A queda brusca no número de exames demandados nos primeiros tempos da pandemia, correlaciona-se com o pânico gerado na população. Esta tinha medo de se deslocar pela cidade, bem como de entrar em um laboratório, onde, provavelmente estaria repleto de pessoas, em princípio, supostamente contaminadas pela COVID 19. Este fato aliado as determinações emanadas das autoridades públicas no sentido de serem vetados os procedimentos eletivos, sendo privilegiados somente urgências e emergências, foram os fatores determinantes para redução na procura por exames ambulatoriais. No caso de clínicas de imagem, não tenho dados suficientes para avaliar o impacto nas receitas dessas organizações durante o período da COVID 19.
- Laboratório de apoio é que nem impostos. Não há o que discutir sobre a necessidade deles. São imprescindíveis aos laboratórios de pequeno e médio porte, sem os quais, não poderiam atender ao diversificado menu de exames que a evolução tecnológica produz cada vez mais rapidamente. Somente concentrando grandes demandas é possível manter um parque produtivo atualizado. Os investimentos exigidos são de grande monta, ainda que, o volume de exames concentrado nos laboratórios de apoio justifique contratos favoráveis em termos de operações tipo aluguel, comodato, leasing e outros. Não só em equipamentos o ganho de escala ocorre, mas, também em todos os tipos de insumos: reagentes, controles, calibradores, consumíveis, descartáveis etc., bem como minimizando as perdas. Isto garante o poder de barganha e explica a viabilidade do apoio, “ganhando pouco de muitos”, proporcionando preços efetivamente reduzidos, além de um amplo menu de exames. Resulta que os pequenos e médios laboratórios podem atender as necessidades dos seus clientes e, ainda, serem viáveis. Dito isto, todavia, é fundamental abordar o outro lado da equação. Lembrem-se que comparei os laboratórios de apoio aos impostos, assim como estes são necessários ao funcionamento do Estado e, por conseguinte, da sociedade em geral, os laboratórios de apoio são imprescindíveis ao “cluster” das análises clínicas. Não há o que discutir sua existência, porém, há muito o que debater na sua forma de operação! Neste quesito, atualmente está ocorrendo uma ruptura na equação justa do funcionamento do mercado. Não custa lembrar que do mercado é que advém a tão desejada e imprescindível RECEITA que sustenta qualquer modalidade de negócio. Desnecessário se faz dissertar sobre a importância da receita. Pois bem, da nobre e inquestionável razão de existir dos laboratórios de apoio, ou seja, sua missão de viabilizar o atendimento da necessidade da população em ter acesso a exames especializados, os ditos “esotéricos”, através da capilaridade dos pequenos e médios laboratórios espalhados por todas as regiões, inclusive as mais longínquas do País, que recepcionam, coletam e despacham as amostras, até a própria razão de existirem como alternativas de investimento para os grandes empresários, os laboratórios de apoio estão mudando radicalmente sua forma de atuação no mercado. De uma missão inicial nobre, estão se tornando predadores dos que lhes sustentaram até então, desde o seu nascimento, quando eram dependentes dos pequenos e médios laboratórios até os tempos atuais, onde, num processo autofágico, estão matando quem os alimentou e sustentou quando ainda eram bebês frágeis e necessitados de “apoio”. Porém, hoje está tudo mudando, e, quem sustentou no passado, está sendo simplesmente, gradualmente, descartado. Mas, quem disse que o mundo é justo? A ganância é um dos vícios do egoísmo, sendo este, a origem de todos os males da decadência moral da humanidade. O algoz é implacável e, podendo, subtrai sem piedade os parcos clientes dos pequenos e médios laboratórios, que no passado foram a base do seu sustento empresarial. Como? De todas as formas possíveis, desde em clínicas, simulacros de laboratórios, passando por concorrência direta de porta, até quaisquer lojas que se disponham a agendar coletas de exames. Ainda, contam com a ajuda de muitos dos pequenos e médios laboratórios, que num primeiro momento são seduzidos, cooptados com tabelas privilegiadas (até laboratórios de hospitais estão terceirizando suas rotinas!) e, não percebem que, com o passar do tempo, vão perdendo seus próprios clientes para o leviatã mimético. Quando se derem conta, talvez, seja tarde demais. Reforçando tudo o que foi dito, existe um efeito colateral terrível, decorrente dos preços baixos praticados pelos laboratórios de apoio. Trata-se do seguinte fato: os pequenos e médios laboratórios continuam, em princípio, produzindo “in house” a rotina, e terceirizando os “especializados”, com custos muito baixos, segundo as tabelas oferecidas pelos apoios. Isto é público, de conhecimento notório, inquestionável, e serviu para manter os custos de produção (custos variáveis, marginais), de uma forma geral, sob controle, nos últimos anos. Até então, tudo bem, mas, causou uma repercussão nefasta no mercado, na medida que os grandes compradores de exames, ou seja, os convênios e clientes institucionais de uma forma geral, usam este fato para justificar a contenção e até a redução dos valores pagos pelos exames. Ignoram ou esquecem eles por conveniência, todos os custos fixos enfrentados pelos pequenos e médios laboratórios. Estes são os mais relevantes em valores absolutos e ocorrem fazendo ou não exames, com pouca ou nenhuma receita. Ainda, tais custos estão sendo inflacionados de forma implacável, inclusive os chamados “chapa branca”, controlados pelo Governo. Esquecem os convênios que transferem para os preços dos planos pagos pelos usuários, percentuais muito acima da inflação (caso dos planos empresariais). Isto é facilmente comprovado fazendo uma comparação nos últimos dez anos. Mas, e os pequenos e médios laboratórios, como ficam nesta situação? Com raríssimas exceções, não conseguem atualizar pela inflação, os valores recebidos. Muito antes, pelo contrário, não é raro serem chamados para reduzirem os valores pagos pelos convênios. Estes, usam que argumento? Exatamente os baixos valores das tabelas dos apoios! Este comportamento faz parte dos “novos” tempos do mercado, da “nova” maneira de recepcionar, coletar e produzir exames. Repito, somente laboratórios padrão “Metaverso” deverão sobreviver.
CONCLUSÃO: não canso de repetir, de uma coisa eu tenho certeza, se não fizermos o BÁSICO, o MÍNIMO QUE SE ESPERA, que é uma GESTÃO ECONÔMICA PROFISSIONAL, não teremos grandes chances de vislumbrar um futuro auspicioso. Os laboratórios são alternativas de investimentos, portanto, devem ser geridos de forma profissional, por especialistas na área (afinal, quem faz implante dentário com um ferreiro?) e com suporte tecnológico às decisões. Não há alternativa honesta possível a não ser gestão baseada em evidências científicas. Esperando termos contribuído para os negócios na área das análises clínicas, nos despedimos até a próxima edição da revista NewsLab.
Boa sorte e sucesso!
Humberto Façanha
51-99841-5153
humberto@unidosconsultoria.com.br
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