Um estudo publicado em 8 de abril na revista Nature por um consórcio internacional de cientistas revelou que existem pelo menos 120 genes envolvidos com a esquizofrenia. A partir de dados do DNA de cerca de 300 mil pessoas, o grupo, que inclui pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), demonstrou uma relação causal entre esses genes e quadros da doença.
Trata-se do maior estudo do tipo já realizado sobre a esquizofrenia, condição que afeta cerca de 24 milhões de pessoas no mundo, mais de 2 milhões no Brasil.
“A esquizofrenia tem uma contribuição poligênica [de múltiplos genes] maior do que se imaginava. A pesquisa encontrou 120 genes associados à doença, todos eles atuando nos neurônios. Isso mostra o papel crucial dessas células para a doença e abre caminho para o desenvolvimento de novas terapias”, conta à Agência FAPESP Sintia Belangero, professora da Escola Paulista de Medicina (EPM-Unifesp) e coautora do trabalho, apoiado no Brasil pela FAPESP.
A pesquisadora e os outros autores do artigo fazem parte da divisão de esquizofrenia do PGC, sigla em inglês para Consórcio de Genômica Psiquiátrica, liderado por cientistas da Universidade Cardiff, no País de Gales.
O time brasileiro inclui ainda os professores da EPM-Unifesp Ary Gadelha, Rodrigo Bressan, Quirino Cordeiro e Cristiano Noto, além dos pesquisadores Marcos Santoro e Vanessa Ota. Da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), participaram Paulo Menezes e Cristina Del-Ben.
Os 120 genes identificados na pesquisa estão localizados em 287 regiões do genoma humano só agora associadas à doença. Um estudo anterior do mesmo grupo havia apontado apenas 108 regiões associadas ao transtorno. O trabalho atual contou com métodos de análise mais modernos que os anteriores e um número maior de amostras do que qualquer outro.
Foram analisados dados do DNA de 76.755 pessoas com esquizofrenia e 243.649 sem a doença, a fim de compreender melhor os genes e os processos biológicos que sustentam a condição. Mais de 600 voluntários compuseram a coorte brasileira, contribuindo para a diversidade de amostras do estudo.
Levantamentos mundiais do tipo raramente incluem pessoas de ancestralidade não europeia, tornando os resultados obtidos agora mais próximos de beneficiar latinos e afrodescendentes. Nos próximos cinco anos, a Unifesp, sob a liderança do pesquisador Ary Gadelha, pretende coletar mais 20 mil amostras que serão incluídas em futuros estudos do tipo.
Relação causal
Cerca de 60% a 80% da origem da esquizofrenia parece estar relacionada a fatores genéticos. O estudo recém-publicado mostra, porém, que até 24% dessa origem pode ser atribuída a variantes genéticas conhecidas como SNVs (sigla em inglês para variante de nucleotídeo único).
Outros fatores genéticos, além dos ambientais, podem estar envolvidos no desenvolvimento da condição, cujos portadores nem sempre respondem bem aos tratamentos existentes.
Pesquisas anteriores já haviam mostrado associações entre a esquizofrenia e sequências de DNA, mas em poucos casos foi possível vincular as descobertas a genes específicos. Agora, pesquisadores do mundo todo têm uma relação de genes para analisar cuidadosamente e poder avançar no conhecimento sobre a condição.
“A esquizofrenia continua sendo uma doença complexa e heterogênea, mas esse estudo traz a possibilidade de enxergar novos caminhos. Podemos agora, por exemplo, nos aprofundar nesses 120 genes e compreender a implicação funcional de cada um deles no transtorno. É apenas um começo, mas bastante promissor”, encerra Belangero.
O trabalho recebeu financiamento da FAPESP por meio de seis projetos (10/08968-6, 14/07280-1, 07/58736-1, 16/04983-7, 10/19176-3, 12/05178-0 e 12/12686-1).
O artigo Mapping genomic loci implicates genes and synaptic biology in schizophrenia pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41586-022-04434-5.
Fonte: André Julião | Agência FAPESP