O vírus da imunodeficiência humana (HIV) é um agente capaz de invadir com facilidade células animais de defesa e, a partir delas, transcrever seu próprio genoma. Ele é responsável por causar a síndrome da imunodeficiência adquirida (aids), que chegou a ser considerada uma pandemia no final do século 20 e, ainda hoje, é vista com preconceito e estigma.
Classificado na subfamília dos vírus Lentiviridae, o HIV é formado por moléculas de RNA e, quando exposto ao organismo humano, ataca sobretudo os linfócitos T CD4+, que produzem IFN-γ, uma das mais importantes citocinas antivirais. Integrado ao material genético do hospedeiro, o vírus apresenta um período de incubação prolongado antes de provocar sintomas da doença, a aids. Daí porque, muitas vezes, ele é diagnosticado tardiamente.
Desde o início da crise epidemiológica, cerca de 85,6 milhões de indivíduos foram infectados pelo vírus e 40,4 milhões deles morreram por decorrência da doença, segundo estimativas do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (Unaids). Há alguns anos, o diagnóstico era visto como uma sentença final, mas, graças ao avanço da ciência e das práticas médicas, o cenário que se vive hoje é outro — há espaço para a esperança e o desejo de uma vida longa.
Origem do HIV
Os cientistas ainda não têm evidências suficientes para chegar a um consenso sobre como exatamente surgiu o HIV e desde quando ele circula. O que se sabe é que ele tem origem em uma variante do vírus da imunodeficiência símia (SIV), que infecta chimpanzés e macacos-verdes nas regiões da África Central e Ocidental.
Acredita-se que a transmissão do SIV para os seres humanos possivelmente aconteceu a partir do contato com o sangue infectado desses primatas, durante caçadas ou pelo consumo de sua carne. Essa introdução no organismo humano teria estimulado a adaptação do vírus à nossa espécie, dando origem ao HIV.
Isso teria acontecido nos anos 1930; a partir daí, o vírus começou a ser disseminado pelo continente africano nas décadas seguintes. Porém, com as guerras de independência e as invasões na África entre as décadas de 1960 e 1970, o agente passou a circular em outras regiões do globo.
Em 1981, houve o primeiro registro oficial da doença gerada pelo vírus — que só um ano depois seria nomeada como aids. Na ocasião, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, relatou um quadro clínico de infecção pulmonar rara em cinco homens gays jovens, previamente saudáveis, em Los Angeles.
No Brasil, o primeiro caso da doença foi notificado em 1982. Nesse mesmo ano, os cientistas internacionais descobriram o fator de possível transmissão por contato sexual, uso de drogas e exposição e transfusão de sangue contaminado.
Inicialmente, a doença era associada somente a homens que se relacionavam sexualmente com outros homens — daí porque ela ficou conhecida como “crise de saúde dos gays”. Em 1983, porém, foram notificados casos de aids também em mulheres e crianças; logo em seguida, descobriu-se a capacidade do vírus de contaminar verticalmente recém-nascidos e fetos durante a gestação, o parto e a amamentação.
Transmissão do HIV
Segundo Claudia Velasquez, diretora do Unaids no Brasil, a transmissão comunitária e, consequentemente, a pandemia da doença foram impulsionadas por características comportamentais e sociais complexas e inter-relacionadas. “Os fatores variam nas diferentes regiões do mundo, mas, juntos, criaram um ambiente propício para a rápida disseminação do vírus em escala global”, aponta, em resposta por e-mail à reportagem.
Dentre esses fatores, estão:
- Comportamento sexual desprotegido: sexo com múltiplos parceiros sem uso de preservativo, falta de acesso a informações sobre prevenção, barreiras econômicas e pressões culturais contribuem para a propagação do HIV;
- Uso de drogas injetáveis: o compartilhamento de agulhas e seringas contaminadas influencia significativamente a disseminação do vírus;
- Migração e mobilidade: muitos trabalhadores migrantes enfrentam condições precárias de vida, o que inclui acesso à saúde. Em especial, as populações que se veem obrigadas a migrar devido a conflitos ou crises políticas ficam em situação de extrema vulnerabilidade para infecções sexualmente transmissíveis (ISTs);
- Desigualdades sociais e econômicas: o HIV se espalha mais rapidamente em regiões com altos níveis de desigualdade social e pobreza, onde é mais latente a falta de acesso a cuidados de saúde, educação e informações;
- Estigma e discriminação: o estigma associado ao HIV e à aids impede que muitas pessoas busquem testes e tratamento, ou adotem medidas de prevenção.
- Barreiras de gênero: em muitas partes do mundo, a desigualdade de gênero coloca as mulheres em situações de maior risco ao HIV, por motivos como falta de controle sobre as relações sexuais ou coerção sexual; e
- Falhas nos sistemas de saúde: sistemas de saúde frágeis e má gestão dos órgãos competentes provoca escassez de recursos necessários para lidar com a crise epidemiológica.
Crise da aids
A princípio, a falta de informações sobre o HIV e a aids levou muitos países a cometerem erros na gestão da pandemia, endossando preconceitos e o estigma vivido por pessoas soropositivas. Algumas peças culturais bastante conhecidas ilustram isso: o documentário Paris is Burning (1991); o livro Depois daquela viagem (1997), de Valéria Polizzi; o filme Bohemian Rhapsody (2018), sobre a banda Queen; o documentário brasileiro Carta Para Além dos Muros (2019); e a premiada série Pose (2018-2021).
Mas, superada essa fase inicial, os pilares de prevenção, tratamento, suporte social e enfrentamento do estigma passaram a guiar o combate à crise. “Conforme o conhecimento científico aumentou e as pressões da sociedade civil e das organizações de saúde se intensificaram, as ações se tornaram mais coordenadas e abrangentes”, avalia Velasquez.