Embora a vacinação contra a covid-19 tenha avançado rapidamente nos países desenvolvidos, até 2022 apenas cerca de 16% da população foi vacinada nos países de renda baixa, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Uma cepa modificada geneticamente do Bacilo Calmette-Guérin (
“Os resultados foram animadores”, comemora Sérgio Costa Oliveira, professor do Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, que coordenou o estudo em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Instituto Butantan, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “Não detectamos nenhum sinal do vírus no pulmão dos animais vacinados com a BCG recombinante, com o ensaio de formação de vírus em placas”, relata Oliveira.
Os pesquisadores verificaram que os antígenos do sars-cov-2 estimularam a produção de anticorpos, que bloquearam a ação viral. Segundo Oliveira, a BCG estimula o sistema imune inato, preparando o organismo para se defender de outros patógenos, além da própria tuberculose — propriedade conhecida como efeito heterólogo. Eles verificaram que a BCG contribuiu para aumentar a atividade dos linfócitos T e dos macrófagos, que auxiliam na eliminação do sars-cov-2.
A BCG foi criada em 1921, a partir do bacilo Mycobacterium bovis, isolado de bovinos, semelhante ao M. tuberculosis, que causa a doença, mas é menos virulento. Quatro bilhões de pessoas já foram vacinadas com a BCG, com poucos efeitos colaterais, segundo artigo publicado em 2013 na revista Maedica – a Journal of Clinical Medicine. Por isso, ela é considerada uma das vacinas mais seguras. Devido ao efeito heterólogo, pode ser usada no tratamento de outras doenças, sendo considerada uma das terapias preferenciais para o câncer de bexiga.
Menos suscetível às mutações
Para modificar a vacina, os pesquisadores introduziram uma sequência gênica no BCG, contendo o gene da proteína S, que fica na parte de fora do sars-cov-2 e facilita sua entrada na célula, associado ao gene do nucleocapsídeo (N), que envolve e protege o material genético do patógeno. Como resultado, o bacilo produziu uma proteína composta com os dois antígenos. Para simular a ação do coronavírus em seres humanos, os pesquisadores usaram animais transgênicos com receptor humano (ACE2) para o sars-cov-2.
A proteína S, que se liga ao receptor humano ACE2 e facilita a entrada do vírus na célula, já é usada em cerca de 90% das vacinas contra a covid-19, mas, como sofre mutações com frequência, os imunizantes precisam ser atualizados. A proteína N, por ser menos exposta ao sistema imune, é mais estável e menos suscetível a mutações do que a proteína S, conferindo maior durabilidade à vacina.
No experimento, a BCG recebeu um reforço depois de 30 dias, quando foi injetada a proteína quimérica associada com um adjuvante, que estimula a resposta imunológica. “O reforço foi fundamental para aumentar a imunidade dos roedores, que ficaram mais protegidos do que aqueles animais que receberam apenas o BCG, ou apenas a proteína com o adjuvante”, relata Oliveira.
Uma vez que a prova de conceito funcionou, Oliveira pretende prosseguir com a pesquisa e ajustar o imunizante contra as variantes do coronavírus, e, quando possível, começar os testes clínicos em seres humanos. Como houve um aumento considerável de mortes por tuberculose durante a pandemia, a nova vacina poderá facilitar a imunização das duas doenças ao mesmo tempo.
Arte: Joyce Tenório
Sérgio Costa Oliveira – Foto: Reprodução/DRI-UFMG