Por Humberto Façanha
Continuo tratando do tema que envolve a sobrevivências dos laboratórios clínicos. A pandemia da COVID – 19 trouxe ameaças e oportunidades. Em síntese, desde março de 2019 vimos por força da lei, laboratórios sendo fechados, outros mantendo portas abertas, contudo, sem clientes e, praticamente todos, sofrendo um colossal impacto no faturamento nos primeiros meses da pandemia. Foram tempos difíceis, angustiantes, pois, apesar dos custos variáveis terem despencados na proporção da ausência de clientes, os CUSTOS FIXOS permaneceram, gerando uma inequação. Adicionalmente, muitos custos fixos para reduzir, exigem no início, um dispêndio maior, tal é o caso da folha de pagamento, um dos principais centro de custo. E, de uma forma geral, o resultado de qualquer ação para controlar custos demanda tempo para as negociações e o impacto nos resultados tarda para aparecer no fluxo de caixa. Entrementes, a produção de exames caiu, reduzindo a receita consideravelmente, piorando mais ainda, o fluxo de caixa. Para laboratórios com pequeno ou nenhum capital de giro, a sinergia destes dois fatos concorrentes, pode levar à necessidade de captação de recursos externos, por exemplo, em bancos. Normalmente nestes, as taxas de juros são leoninas, quiçá maiores que a própria margem de lucro dos laboratórios, podendo conduzir o laboratório a uma espiral descendente dos resultados operacionais. Nestes tempos difíceis, muita atenção é necessária para evitar a queda na competitividade e o incremento do risco de insolvência da organização. Por outro lado, analisando sob ao ângulo das oportunidades, é inquestionável o aumento do menu dos exames, com a chegada dos testes relativos ao coronavírus. Estes exames apresentam boas margens de contribuição, ajudando de forma notável para o reequilíbrio econômico e financeiro dos laboratórios, inclusive, em muitas situações gerando rentabilidades superiores às incorridas no período pré-pandemia. Todavia, na contramão, temos a inflação dos custos fixos controlados ou não pelo governo (energia elétrica, água etc.), bem como dos custos variáveis, havendo casos excepcionais, por exemplo, das luvas descartáveis que atingiram algo em torno de 700% de aumento. O Brasil é um país de dimensão continental, portanto, apresenta inúmeras realidades de mercado, seja ele dos fornecedores, dos produtores e dos consumidores. O ticket médio dos exames pode chegar fantásticos 600% entre extremos, então, disto decorre uma miríade de situações de rentabilidade e equilíbrio econômico. Mas, de uma forma geral, nossa experiência em consultoria denota que o mercado das análises clínicas não é mais propício para gestão amadora das organizações que militam na área, não obstante, a existência de nichos privilegiados, onde o alto ticket médio gera lucros apreciáveis. A concorrência é predatória, havendo uma abertura de novos laboratórios sem o devido estudo da necessária e suficiente demanda para assegurar a prosperidade, a precificação dos exames é quase estática (vide tabela do SUS, das Unimed’s e convênios em geral). Esses fatores aliados socialização da medicina e a produção industrial proporcionada pelos equipamentos automatizados de última geração, causa uma verdadeira “carnificina” por ocasião das negociações das tabelas de preços dos exames. Existe de tudo na luta pela sobrevivência, desde a quebra ética pela redução da qualidade intrínseca até as fusões e aquisições, passando pela prática de dumping. A vitória nesta luta depende do ganho de escala e ou algum diferencial competitivo na prestação dos serviços. Entretanto, vejo normalmente a carência de gestão profissional nos laboratórios clínicos como a causa que, se eliminada, poderia mudar radicalmente o futuro dessas organizações. Neste caos em que está o mercado, os gestores buscam culpados de todos os jeitos, senão vejamos os resultados que obtive em pesquisa informal em várias regiões do Brasil, quando ministrava cursos e conferências. Já publiquei este texto em outra coluna no passado, mas pela importância, pertinência e validade atual, repito a publicação. As manifestações normalmente convergem e, sobretudo, se repetem, exaustivamente para os seguintes tópicos:
1.- Situação econômica e financeira ruim, fato que aumenta o risco de insolvência destas organizações. Isto atualmente delimita o problema comum dos gestores laboratoriais.
2.- Culpados que invariavelmente são citados como responsáveis:
2.1- Compradores dos produtos (Convênios etc.).
2.2- Médicos assistentes que demandam os produtos (Serviços e exames laboratoriais).
2.3- Laboratórios de apoio.
2.4- Governos (Federal, estadual e municipal).
2.5- Fornecedores de insumos.
2.6- Colegas de profissão (Empresários na área das análises clínicas).
2.7- Capital externo (Investidores estrangeiros).
O que posso dizer sobre estes tópicos? Quanto ao número 1, temos uma constatação real, tangível e inquestionável, com raras exceções, seria negar uma evidência. Este tópico define o problema. Entretanto, com relação aos demais tópicos, se me permitem, vou externar minha opinião pessoal, por decorrência, sujeita às falhas inerentes ao ser humano e a minha própria ignorância, mas é o que penso. Todavia, com muita vontade de mudar perante a novas argumentações. Sabemos que a verdade pertence ao saber coletivo e muda de forma permanente com a realidade objetiva dos fatos e o saber da ciência. Dito isto, passo a comentar os tópicos citados.
2.1- Culpar os clientes (Convênios), ainda que atores intermediários com o usuário final, é culpar a “razão de existir” das organizações humanas e, dentre estas, os laboratórios clínicos, cuja missão é fornecer serviços e produzir informações (laudos/exames) para os clientes! Cliente, em qualquer negócio, é solução, não problema. Enquanto houver clientes, haverá esperança. Sem eles, não existirá o negócio.
2.2- Os médicos que solicitam os exames estão praticamente no mesmo nível de importância dos pacientes. Pois, é através do médico que, tendo como uma das fontes de informação os exames, poderá elaborar o diagnóstico para a solução do problema do cliente. Sem o médico assistente, praticamente, não existiria o laboratório, portanto, este será parte importante da solução, não a causa de problemas! Se ocorrem direcionamentos ou falta disto, preferências e exigências feitas pelos médicos, estas serão oportunidades de melhorias para os competentes. Ou será que os médicos colocam condicionantes ilegais, antiéticas, desonestas ou desleais? E, somente para você?
2.3- Atualmente, face a logística e principalmente a multiplicidade e complexidade da tecnologia que avança a taxas crescentes, não mais é possível existir um laboratório que não seja apoiado por outros, em qualquer parte do planeta. Então, torna-se inútil “declarar guerra” aos laboratórios de apoio, pois eles são uma exigência para o sistema global funcionar. O “cluster” das análises clínicas não pode operar com eficiência sem o conceito do “apoio”. São como os “impostos”, não há o que discutir sobre se devem ou não existir, contudo, pode e se deve debater suas formas de atuação. Finalmente, hoje vejo eles mais como solução do que como problema. Provavelmente, sem eles, a grande maioria dos pequenos e médios laboratórios já poderiam ter se encaminhado para a insolvência, ou pelo menos, buscado uma solução radical (?) para resolver como produzir os exames complexos exigidos pelo mercado cada vez mais tecnológico, e sem dispor de recursos financeiros para tal desafio. A solução óbvia para isto, é a união dos pequenos e médios laboratórios formando central única de produção, que pelo porte teria a vantagem competitiva das compras conjuntas de insumos, proporcionando ganho de escala para os participantes. O custo de produção (eficiência produtiva vinculada ao custo variável unitário dos exames) será baixo e o mesmo para todos, definindo idêntico e eficiente ponto de partida para os laboratórios do empreendimento. A concorrência continuará existindo, negar isto seria negar uma evidência, mas será definida pela qualidade em serviços, pela competência de cada um em criar diferenciais competitivos percebidos pelos clientes, que serão fidelizados. Existe um universo (de serviços) no qual as possibilidades são inúmeras e certamente classificarão os mais aptos em melhores posições no mercado. Então, por que esta solução racional, inquestionável, raramente (ou nunca) ocorre? A resposta é simples: EGOÍSMO! Os donos de laboratórios normalmente preferem falir sozinhos a prosperar juntos! O concorrente é visto como um inimigo que precisa ser destruído, nunca como um parceiro para a solução do problema. Vejo este obstáculo como quase que intransponível, pois remete para a “origem do mal” que aflige a humanidade, onde nos falta humildade, perdemos a capacidade de perceber a dependência universal entre todos os seres de todos os reinos, onde não sobrevivemos mais que cinco minutos na falta de um gás (oxigênio) e, para vivermos um único dia, dependemos dos produtos elaborados e serviços prestados por milhões de outros seres! Somos dependentes e frágeis, então por que da prepotência, da arrogância, da soberba, da crença na superioridade do indivíduo (EU/EGO)? Por que crer que eu devo ser o primeiro a me servir do buffet em um casamento? Atendido numa mesa de restaurante? No balcão do INSS? A ser o primeiro a entrar no avião, desde, é claro, que eu seja também o primeiro a desembarcar? Enquanto o egoísmo predominar em detrimento da caridade, NÃO HAVERÁ CENTRAIS DE PRODUÇÃO fruto da união entre os pequenos e médios laboratórios! É o que penso. Não nos cabe a missão de mudar o mundo, mudar os outros, cabe sim, fazer a nossa parte nesta cadeia de dependência, devemos mudar a nós mesmos, progredirmos espiritualmente, moralmente, usarmos nosso livre arbítrio na tomada de ações balizadas por elevados padrões de caráter, pela decência de procedimentos e, se agindo assim, servirmos para ajudar alguém, já estaremos deixando um legado.
2.4- O Governo é o maior comprador de exames, portanto, seguramente um dos maiores clientes, e como já vimos, cliente é solução, não problema. Ainda, o Governo detém o poder de regular legalmente o funcionamento de todo o sistema. Finalmente, estipula os impostos. Com um “stakeholder” desta magnitude, em alguns pontos devemos acatar (onde houver poder de polícia), em outros se unir (greves localizadas em comunidades com poucos prestadores, por exemplo), em outros influenciar via Sociedades Científicas (regulação técnica), bem como em outros sermos mais competitivos, fazendo mais com menos, mantendo a qualidade exigida legalmente. Finalmente, quando isto não for possível, deixar de atender! Ninguém, nenhum laboratório que se preza, pode se submeter a viver de um só cliente!
2.5- Os fornecedores de insumos fazem parte do mesmo mercado competitivo que os laboratórios estão inseridos, portanto, faça com que eles sejam parte da solução e não do problema. Tenha competência gerencial, a gestão tem que ser profissional, não existe mais espaço para o amadorismo no universo das análises clínicas!
2.6- Os colegas de profissão e empreendedores nada mais são do que um elemento indispensável no mercado, sem eles, não existiria o próprio mercado, lugar onde todos nós atuamos! Seria a utopia de ter um único fornecedor ou um grupo com dois tipos de fornecedores: os que reclamam dos colegas e os que são os “espertos”, egoístas, antiéticos e desleais, que aviltam os preços, complicam licitações, enfim, semeiam a discórdia e fomentam a desunião da classe, e por aí vai. Pois bem, se isto for verdade, porque não se unem, pelo menos, os do grupo que quer a união, que são éticos? Ou será que em todas as cidades só têm um destes, divididos de tal forma que não existe a possibilidade geográfica da união? Ou será que existe a predominância implacável dos “maus colegas”, por decorrência, marcando inevitavelmente a classe dos proprietários de laboratórios clínicos, como aética, com indivíduos carentes de uma boa moral?
2.7- O capital externo veio para ficar. O mundo globalizado é caracterizado exatamente por isto: intercâmbio de riquezas de toda a espécie (commodities, investimentos financeiros, conhecimento, seres humanos, cultura…). Ele traz consigo a concorrência internacional à nossa porta, acompanhada de ameaças, mas também de oportunidades. Sejamos gestores profissionais, competentes, para aproveitá-las! A concorrência é competitiva, aguerrida e disputa com ferocidade toda e qualquer fatia do mercado. Não há espaço para “choro”, lamentação ou reclamação, só existe um objetivo: sobreviver e lucrar! Não adianta argumentar que isto não é justo, aliás, não existe para quem reclamar.
Portanto, conclamo os colegas gestores de laboratórios clínicos: vamos mudar a percepção das causas do problema (que, sem dúvidas, existe) e das soluções! Basta de reclamações. Ao invés de buscar as causas somente no ambiente externo, colocar a culpa do problema nos outros, bem como esperar que terceiros apresentem soluções, vamos voltar nossa atenção para dentro dos nossos laboratórios, para as nossas atitudes gerenciais, o que de fato estamos fazendo além de protestar? Que ações gerenciais estamos adotando para aumentar a produtividade, reduzir riscos, incrementar competitividade e lucros? Você está avaliando a competitividade do seu laboratório? Quantificando os custos de produção? Metrificando a rentabilidade de exames, clientes, equipamentos e setores da produção? Calculando o momento certo para a terceirização mais rentável? Você está se comparando (processo de benchmarking) com os seus concorrentes para saber onde está pior e deve melhorar? E como melhorar? E quanto esperar de retorno? As metas do planejamento estratégico são estabelecidas com base na concorrência? E ainda, o laboratório é um negócio viável considerando as características da região onde opera? Caso tenha uma única resposta negativa, poderá não estar controlando adequadamente os processos da sua organização, ainda que hoje esteja lucrando bem! A solução para todas estas questões, virá somente com gestão profissional.
No meu trabalho já vi de tudo em gestão. Apreendi com os meus clientes muito! Mas quem sabe controlar os seus processos, quem faz gestão profissional, não está mal neste País. Nem sempre um ticket médio alto assegura sucesso e, muitas vezes um ticket médio mais baixo produz melhores resultados financeiros, mantendo a qualidade legal dos exames. Para isto acontecer, tem que ser gestor profissional, não tem mais espaço para amadorismo. A luta é por centavos. Os laboratórios clínicos são uma alternativa de investimento (além de uma paixão!), portanto, como todos os investimentos, têm que ser geridos com cuidado, por profissionais. Você faria uma cirurgia nos olhos com um carpinteiro? Um implante dentário com um ferreiro? É óbvio que não. Então, por que não tratar do seu investimento com profissionalismo? Não quer que ele prospere? Quem não sabe calcular a sua competitividade e avaliar o seu risco de insolvência, não sabe se localizar no “Mapa da concorrência mundial”. E quem não sabe onde anda, está perdido! Simples assim, quem não resolve os problemas estruturais (internos), não pode simplesmente jogar a culpa nos agentes externos (conjunturais). Quem não mensura e compara os seus processos, não gerencia, portanto, fica ao sabor dos ventos (externos ao barco), não ajusta as suas velas, não comanda o leme. Qual a consequência? Vai para onde o vento levar. O capitão do navio passa a ser os agentes externos, o comandante não sabe aonde ir e o leme está quebrado. Quem quiser sobreviver vai ter que se capacitar ou reavaliar a ética. É o mercado impondo suas leis naturais ou “artificializadas”, mas determinantes. Não é justo? Não. Tem para quem reclamar? Não. O cidadão mais honesto, decente, sábio, humilde e caridoso que existiu no mundo, foi vilipendiado, torturado e crucificado!! Foi isto justo? Não. Reclamou? Não. Então quem somos nós para reclamar de justiça?! Vamos arregaçar as mangas, nos capacitar, trabalhar, trabalhar, trabalhar…, pois sendo leão ou gazela, temos que correr para sobreviver! “A vida é luta renhida, que aos fracos abate, e aos fortes, só faz exaltar.” (Canção do Tamoio – Gonçalves Dias). Todos, simplesmente, todos temos que lutar, não há escolha para o sucesso honesto!”. Em síntese um fato é inquestionável: existe um excesso de laboratórios em relação à necessidade do mercado, sendo a oferta muito maior que a demanda, e, esta lei não perdoa, portanto, laboratórios fecharão suas portas queiramos ou não, sobreviverão os mais aptos, os que tiverem sistemas de gestão profissional estarão mais capacitados, o resto são favas contadas, não adianta buscar culpados de forma disseminada, somente quando a oferta for equilibrada com a demanda, teremos relações civilizadas, contudo, o que vemos é a abertura contínua de novas unidades, logo, as falências persistirão. Estamos fazendo a nossa parte, buscando deixar um legado ao universo das análises clínicas do País, desenvolvendo produtos de tecnologia da informação, possibilitando o acesso de qualquer laboratório à sistemas profissionais de gestão econômica. Criamos o PROGELAB – Programa Nacional para Profissionalização da Gestão Laboratorial, que socializa a expertise do controle para aqueles que mais necessitam e que menos condições de adquirir têm: os pequenos e médios laboratórios do País, entretanto, para isto acontecer, tem que haver a iniciativa dos gestores e proprietários. Nós temos a solução do problema, basta os responsáveis pelos laboratórios decidirem o que querem: continuar as lamentações ou agir! Esperando termos contribuído para os negócios na área das análises clínicas, nos despedimos até a próxima edição da revista NewsLab.
Boa sorte e sucesso!
Humberto Façanha