Dietas à base de vegetais (folhas, frutos, flores, raízes, tubérculos e caules) considerados saudáveis antes da gestação podem ajudar a diminuir o risco de diabetes gestacional, segundo dados de um grande estudo de coorte prospectivo.
“A partir desses resultados, podemos dizer que uma dieta à base de vegetais saudáveis antes da gestação, especialmente uma que também limite alimentos à base de vegetais considerados não saudáveis, como grãos refinados e batatas, e alimentos e bebidas adoçados com açúcar, pode estar associada a menos risco de diabetes gestacional”, disse ao portal de notícias Medscape o Dr. Frank Qian, médico da Harvard T.H. Chan School of Public Health, nos Estados Unidos.
Dr. Frank e colaboradores encontraram uma redução de 19% no risco de diabetes gestacional entre as mulheres que seguiram uma dieta em geral mais rica em vegetais antes da gestação após o ajuste para idade, paridade, raça, história familiar de diabetes, tabagismo, atividade física, álcool, energia total, ingestão de margarina e índice de massa corporal (IMC).
O Dr. Frank apresentou os achados durante a 80ª sessão científica virtual da American Diabetes Association (ADA).
Ele disse ainda que “outro benefício das dietas à base de vegetais saudáveis é a redução no consumo de certos alimentos de origem animal, principalmente carnes vermelhas e processadas, que parecem particularmente adversas em termos do aumento do risco de diabetes gestacional”.
O estudo teve como objetivo aumentar o conhecimento existente de que dietas à base de vegetais considerados saudáveis estão associadas à redução do risco de diabetes tipo 2 e doença cardiovascular (DCV), e verificar se isso também é verdade para o diabetes gestacional.
A Dra. Jacinda Nicklas, médica da University of Colorado, nos EUA, que também apresentou trabalhos durante a mesma sessão, reconheceu a importância dessa área de pesquisa, mas pontuou a dificuldade de encontrar maneiras de prevenir o diabetes gestacional.
“Este estudo pode despertar o interesse em estudar o impacto de uma dieta saudável à base de plantas em mulheres de alto risco, já que sabemos que dietas à base de plantas melhoram a saúde em geral”, disse ela, acrescentando que uma associação importante foi observada, mas não uma ligação causal.
“Não sabemos se as dietas à base de vegetais realmente diminuem o risco. Pode ser que as mulheres que tendem a adotar dietas saudáveis à base de vegetais também tendam a ser mais saudáveis de outras maneiras”, explicou.
Identificando fatores de risco modificáveis para prevenir o diabetes gestacional
O diabetes gestacional ocorre em 7,6% de todas as gestações nos Estados Unidos, e está associado a desfechos perinatais adversos, bem como ao aumento do risco cardiometabólico em longo prazo. Também está associado à obesidade em longo prazo e a outros distúrbios metabólicos na criança.
“É crucial identificar novos fatores de risco modificáveis nos quais possamos agir para prevenir o diabetes gestacional”, disse o Dr. Frank.
As diretrizes alimentares para os americanos (2015-2020) recomendam uma dieta vegetariana saudável como forma de diminuir o risco de diabetes tipo 2 e doença cardiovascular.
“As vitaminas, nutrientes e polifenóis encontrados em alimentos à base de plantas podem ajudar na manutenção do peso, melhorar o controle glicêmico, melhorar a pressão sanguínea e a inflamação, e assim por diante, além de reduzir o risco de diabetes tipo 2 e doença cardiovascular”, disse o Dr. Frank.
Mas não se sabe se os efeitos benéficos das dietas à base de vegetais se estendem ao diabetes gestacional.
O Dr. Frank ressaltou que as dietas avaliadas no estudo não eram vegetarianas ou veganas, já que “mesmo as participantes com maior adesão à uma dieta à base de vegetais, ainda consumiam várias porções de alimentos de origem animal por dia”.
Para o estudo, foram extraídos dados do Nurses’ Health Study II, um estudo prospectivo em andamento, que conta com aproximadamente 117.000 mulheres entre 25 e 44 anos.
As participantes responderam a um questionário bienal sobre hábitos e desfechos de doenças. As informações alimentares foram coletadas por meio de questionários sobre frequência alimentar a cada quatro anos.
A ingestão alimentar foi categorizada e pontuada de acordo com três classificações: dieta saudável à base de vegetais (por exemplo, grãos integrais, frutas, verduras); alimentos não saudáveis à base de plantas (por exemplo, suco de frutas e grãos refinados) e alimentos de origem animal (por exemplo, laticínios, ovos e carne).
Os pontos foram somados ou subtraídos de acordo com o consumo dos diferentes tipos de alimentos para obter uma pontuação geral no índice de dieta com base em vegetais (PDI, do inglês plant-based diet index).
As participantes foram divididas em cinco quintis, de acordo com a ingestão de PDI, que mostrou uma diferença de 17 pontos entre o 5º quintil, a ingestão mais saudável e o 1º quintil (média de pontuação do PDI foi de 63 no 5º quintil versus 46 no 1º quintil).
A atividade física registrada variou de cerca de 20 a 29 equivalente metabólico/semana e a ingestão calórica de aproximadamente 1.500 a 2.100 calorias/dia entre os quintis um e cinco; outros fatores foram semelhantes.
O principal desfecho foi incidência de diabetes gestacional.
Dieta saudável à base de vegetais reduziu a incidência de diabetes, mas a dieta não saudável não a aumentou
No total, 846 novos casos de diabetes gestacional foram documentados entre as 20.707 gestações únicas elegíveis de quase 15.000 mulheres entre 1991 e 2001.
A análise mostrou uma forte associação inversa entre a dietas à base de vegetais e o diabetes gestacional, com um redução do risco de 30% no quintil mais alto versus no mais baixo (razão de risco ou risk ratio, RR, de 0,70; P = 0,0004), após ajuste para idade, paridade, raça, história familiar de diabetes, tabagismo, atividade física, álcool, energia total e ingestão de margarina.
“Após o ajuste para o IMC antes da gestação, isso foi atenuado para 0,81 (P = 0,03)”, relatou o Dr. Frank, sugerindo que a associação foi em grande parte mediada pelo IMC antes da gestação, enfatizou.
Os pesquisadores também identificaram um risco 13% menor de diabetes gestacional para cada aumento de 10 pontos no índice de dietas à base de vegetais para indivíduos com maior adesão à dieta.
De interesse, no entanto, não foram observadas associações significativas para o índice de dieta à base de vegetais não saudáveis.
“Não houve aumento do risco, o que era a nossa hipótese”, disse o Dr. Frank.
Ele disse ainda que este foi um estudo observacional e os pesquisadores gostariam de testar a causalidade.
E eles não coletaram dados sobre a dieta durante a gestação, por isso seria importante examinar a sua influência no diabetes gestacional.
“Além disso, é importante observar como essas dietas à base de vegetais podem influenciar a saúde da criança, bem como eventos adversos, por exemplo, falta de certos nutrientes na mãe e na criança. Dietas à base de proteína animal podem oferecer nutrientes específicos não encontrados nas dietas à base de vegetais”, disse o Dr. Frank.
Ainda em seus comentários, a Dra. Jacinda destacou que o peso corporal e a atividade física foram fatores controlados, mas como o Nurses Health Study II envia apenas pesquisas a cada dois anos, os autores podem não ter informações atualizadas sobre peso e atividade física no período imediatamente anterior ou durante a gestação.
“Da mesma forma, os questionários sobre frequência alimentar são enviados a cada quatro anos; portanto, a dieta imediatamente antes ou durante a gestação pode não ter sido capturada, e podem haver outros fatores que não foram medidos que contribuem para a diminuição da taxa de diabetes gestacional, mas não foram incluídos na análise”.
O Dr. Frank Qian e a Dra. Jacinda Nicklas informaram não ter conflitos de interesses relevantes.
Sessão científica da ADA 2020. Apresentado em 15 de junho de 2020. Abstract 189-OR.
Com informações de Dietas com prevalência de vegetais podem reduzir diabetes gestacional – Medscape – 7 de julho de 2020.