Os testes genéticos representam ferramentas informativas e úteis para o manejo das doenças cardiovasculares hereditárias, como as cardiomiopatias e arritmias hereditárias, as dissecções e aneurismas torácicos, e a hipercolesterolemia familiar. A identificação da etiologia molecular de uma determinada doença hereditária pode resultar em maior acurácia diagnóstica e refinamento do manejo familiar. No entanto, assim como com qualquer procedimento médico, o paciente deve compreender os potenciais benefícios, riscos e limitações de um teste genético antes de se decidir por realizá-lo. É fundamental que o paciente entenda que as implicações do resultado de um teste genético não são restritas apenas a sua saúde, mas também se referem à saúde dos seus familiares.
Os testes clínicos baseados em sequenciamento de nova geração (NGS, sigla do inglês Next-Generation Sequencing) incluem três tipos principais: o painel de genes, o exoma e o genoma. Os painéis genéticos são desenhados para avaliar os genes (mais especificamente suas regiões codificadoras e algumas partes não codificadoras) que já se mostraram associados a fenótipos clínicos específicos. O número de genes contemplados em cada painel genético varia de acordo com a condição clínica à qual se destina. O exoma clínico consiste no sequenciamento das regiões codificadoras, denominadas exons, de todo o genoma, enquanto o genoma clínico é muito mais amplo, incluindo também o sequenciamento de regiões regulatórias, intrônicas e intergênicas.
O impulso natural é querer testar a maior quantidade de genes, mas a adição de genes com evidência escassa de associação com o fenótipo pode não trazer resultados clinicamente relevantes, além de aumentar a chance de resultados inconclusivos (variantes de significado incerto ou VUS) e de achados secundários ou incidentais, sem relevância para a desordem em questão. Portanto, quando o fenótipo é altamente sugestivo ou inequívoco de uma determinada desordem, a escolha de um painel genético destinado a essa condição deve ser preferível.
Usos clínicos da testagem genética na cardiologia
Os testes genéticos costumam ser usados nas seguintes situações:
- Como teste diagnóstico para identificar a etiologia genética em um paciente com doença cardiovascular hereditária conhecida ou suspeita. Nesse caso, o teste geralmente utilizado é o painel de genes correspondente à doença em questão. O teste genético é particularmente útil em cenários em que o fenótipo clínico é compartilhado por diferentes condições que apresentam prognóstico e tratamento distintos (fenocópias). A cardiomiopatia hipertrófica é um exemplo de doença cardíaca hereditária cuja principal característica, a hipertrofia ventricular esquerda, pode ser de difícil distinção de outras condições com tratamento completamente diferente, como doença de Fabry e amiloidose cardíaca. O teste genético pode ser de grande relevância na distinção entre essas condições. Também é importante destacar que, embora o diagnóstico das doenças cardiovasculares hereditárias em geral seja estabelecido clinicamente, a presença de uma variante patogênica (ou mutação) representa um critério diagnóstico para algumas condições, como cardiomiopatia arritmogênica de ventrículo direito, síndrome de Marfan e hipercolesterolemia familiar.
- Como teste genético preditivo em familiares saudáveis ou aparentemente saudáveis para identificar se algum membro da família herdou a variante causal identificada no paciente. O padrão de herança da maioria das doenças cardiovasculares hereditárias é autossômico dominante, ou seja, existe 50% de chance de transmissão para a prole. Nos familiares, realiza-se geralmente a pesquisa específica da variante causal identificada no paciente, em vez de o painel genético completo. Familiares confirmados como portadores da variante patogênica identificada no caso-índice estão sob risco de desenvolver a doença e devem ser submetidos a avaliação fenotípica seriada e informados sobre o risco de transmissão da variante para a prole. Familiares não portadores da variante identificada no caso-índice podem ser dispensados da avaliação fenotípica rotineira, com orientação de buscar avaliação caso haja alguma mudança clínica.
Seleção do indivíduo apropriado para o teste genético diagnóstico
Em geral, o teste genético diagnóstico é oferecido ao indivíduo que busca o serviço de saúde por questões práticas, mas idealmente o teste deve ser realizado no membro da família com o fenótipo mais grave e definitivo, pois assim a chance de identificação de uma variante patogênica para rastreio familiar é maior.
Significado de um resultado de teste genético
Determinar o significado de uma variante muitas vezes é um desafio. As variantes são classificadas de acordo com a sua probabilidade de causar doença segundo as evidências científicas mais atuais. São cinco as categorias de classificação das variantes, segundo as diretrizes do American College of Medical Genetics and Genomics (ACMG) e da Association for Molecular Pathology:
- Patogênica;
- provavelmente patogênica;
- variante de significado incerto (VUS);
- provavelmente benigna; e
- benigna.
Enquanto as variantes patogênicas e provavelmente patogênicas são geralmente reconhecidas como resultados positivos, confirmando a etiologia molecular da doença, as variantes benignas e provavelmente benignas geralmente representam resultados negativos. É importante destacar que o resultado negativo não exclui a possibilidade de doença genética, mas sinaliza que uma variante causal não foi identificada considerando-se a tecnologia e o conhecimento científico atuais.
As variantes de significado incerto são consideradas resultado indeterminados. Como as VUS não fornecem uma etiologia genética definitiva para o caso-índice, também não devem ser usadas para definir o risco de doença em familiares saudáveis. É importante salientar que, à medida que o conhecimento científico avança, as VUS podem ser reclassificadas tanto como patogênicas/provavelmente patogênicas, quanto como benignas/provavelmente benignas.
Conclusões
Os testes genéticos são uma ferramenta valiosa para o diagnóstico de doenças cardiovasculares hereditárias monogênicas e para a identificação de membros da família saudáveis que estejam sob risco de desenvolver a doença. Com o progressivo aumento da disponibilidade e acessibilidade desses testes, a compreensão de suas implicações para pacientes e familiares torna-se imperativa dentro da cardiologia. A utilização apropriada dos testes genéticos, com reconhecimento de seus benefícios, limitações e potenciais riscos, pode se tornar uma grande aliada da medicina de precisão, auxiliando no tratamento mais personalizado e, em alguns casos, na prevenção da doença cardiovascular.
FONTE: Dra. Viviane Zorzanelli Rocha – Medscape
Quando solicitar um teste genético em cardiologia? – Medscape – 25 de março de 2021.