Subespecialidade da medicina é altamente eficaz na prevenção, diagnóstico e tratamento de tumores causados por síndromes genéticas como a Li-Fraumeni, condição manifestada pelo ex-vice-presidente José de Alencar
A incidência do câncer hereditário é bem maior do que supunha a medicina até bem pouco tempo. Uma sólida evidência deste fato pode ser encontrada no respeitado periódico JAMA, o Journal of the American Medical Association. Um estudo publicado no veículo em 2016 mostra que fatores hereditários respondem por até 32% dos casos da doença – até então, acreditava-se que a hereditariedade estava ligada a apenas 12% dos diagnósticos. Realizada por pesquisadores da Universidade de Harvard, a pesquisa chegou a essa conclusão após acompanhar 200.000 gêmeos univitelinos e bivitelinos nórdicos por um período médio de 32 anos.
A síndrome de Li-Fraumeni é, muitas vezes, a doença por trás de diversas neoplasias. “Trata-se de uma condição de quem apresenta mutação no gene P-53. Isso aumenta em mais de 90% as chances de a pessoa desenvolver vários tipos de câncer, incluindo mama, útero, ovário, rim, bexiga, intestino, sarcoma, tumores do sistema nervoso central, entre outros”, explica o oncologista e professor da Faculdade de Medicina da UFMG André Márcio Murad.
Especialista com mais de 30 anos dedicados à carcinogênese (investigação das causas do câncer), ele explica ainda que o risco de um portador dessa condição genética desenvolver tumores aos 30 anos chega a ser 50% mais elevada que a do restante da população. Nessas pessoas, o risco de surgimento de uma segunda e uma terceira neoplasia também é bem mais alto: de 57% e 38% maior em comparação aos indivíduos sem a síndrome.
Descrita pela primeira vez por Frederick Li e Joseph Fraumeni em 1969, a síndrome de Li-Fraumeni tem incidência circunscrita entre 1:5.000 a 1:20.000 seres humanos em todo o mundo. Há, contudo, uma mutação típica do P-53 com altíssima prevalência no Sul e no Sudeste do Brasil. Estudos realizados por cientistas brasileiros e franceses revelam que há provavelmente 300 mil brasileiros com essa alteração genômica.
Prevenção, diagnóstico e tratamento
O diagnóstico precoce, aliado aos testes genéticos – recursos já disponíveis em Belo Horizonte, na Personal Oncologia Personalizada – , aumentam sensivelmente a sobrevida e a qualidade de vida dos portadores da síndrome de Li-Fraumeni, entre outras doenças raras. Recursos como o check-up oncológico personalizado, por exemplo – permitem uma rápida e segura detecção de genes defeituosos em uma pessoa e diversos membros de sua família, o que abre para o oncologista uma série de possibilidades. “Por exemplo, cirurgias preventivas, como a realizada pela atriz Angelina Jolie. Ela retirou as mamas depois de constatar que tinha propensão ao desenvolvimento de um tipo de câncer agressivo, já manifestado em outras mulheres de sua família”, diz André Murad. O check-up também possibilita que o médico prescreva ao paciente um plano de prevenção individualizado, que inclui mudanças na alimentação, abandono do sedentarismo, entre outras alterações em seus hábitos de vida.
Grande trunfo chamada oncologia de precisão (subespecialidade que aposta no sequenciamento genético como principal arma de combate ao câncer), a biópsia líquida é outra tecnologia que traz esperança aos portadores de síndromes genéticas.
A inovação permite o rastreio extremamente precoce de tumores diversos. “Antes mesmo que eles se tornem visíveis aos exames de imagem. A cirurgia para a retirada da massa tumoral, portanto, proporcionará à pessoa chances muito maiores de cura e posterior qualidade de vida”, diz Dr. André. Realizado por meio da análise molecular de uma simples amostra de sangue ou saliva, em alguns casos, o exame também permite o desenvolvimento de um tratamento personalizado, denominado terapia-alvo. “A biópsia líquida é capaz de detectar o DNA de tumores que circulam pelo plasma sanguíneo. Esse material é então sequenciado, o que viabiliza a elaboração de drogas certeiras, ou seja, de grande eficácia, e com menos efeitos colaterais”, descreve Murad.
De posse do perfil genético tanto do tumor, quanto do paciente, o especialista pode atuar ainda com grande sucesso no acompanhamento da evolução da doença. A biópsia líquida, os painéis genéticos, e testes genômicos variados formam um conjunto capaz de identificar com agilidade e acurácia o grau de agressividade de tumores secundários, bem como sua resposta a certos tratamentos.