Disponível no mercado há mais de 30 anos, o omeprazol promete um alívio rápido e eficaz daquela queimação na barriga e no peito causada pelo excesso de acidez.
<p “>Ao lado de pantoprazol, lansoprazol, dexlansoprazol, esomeprazol e rabeprazol, ele faz parte da classe farmacêutica dos inibidores da bomba de prótons (conhecidos também pela sigla IBP). <p “>Para ter ideia da popularidade dessas medicações, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) calcula que 64,9 milhões de unidades de omeprazol foram consumidas no país apenas em 2022.
O que muita gente não sabe é que, em geral, esses remédios só devem ser usados por um prazo bem curto, de no máximo dois ou três meses.
Há exceções: para pessoas com algumas condições de saúde, como pacientes oncológicos, profissionais de saúde recomendam o uso contínuo de omeprazol ou outras medicações dessa classe (entenda abaixo).
Como você vai entender ao longo desta reportagem, o consumo dos IBPs por períodos prolongados — como muitas pessoas acabam fazendo no dia a dia sem orientação de um profissional da saúde — está relacionado a desequilíbrios no sistema digestivo e dificuldades na absorção de vitaminas e minerais.
<p”>Alguns estudos sugerem que esse desbalanço causado pelo abuso desses fármacos pode causar até doenças mais graves, como osteoporose, câncer e demência. Mas essas repercussões à saúde ainda não são consenso na comunidade científica e precisam ser estudadas a fundo, como apontam especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Acidez além da conta
<p”>Nas aulas de química do colégio, aprendemos o que é o pH, uma escala numérica que determina se uma solução é ácida ou básica/alcalina.
<p “>No nosso estômago, dependemos de um ambiente ácido para o processo de digestão.
Os sucos gástricos (que são bem ácidos, diga-se) começam a “quebrar” os alimentos em pedacinhos cada vez menores, que depois serão absorvidos pelo intestino delgado.
<p “>Só que, em algumas pessoas, essa acidez passa da conta: o líquido estomacal tem um pH tão baixo, ou está numa quantidade tão grande, que ele passa a ser corrosivo para o próprio sistema digestivo. <p “>Em alguns, essa queimação pode aparecer no próprio estômago na forma de gastrites e úlceras — feridas que se formam nas paredes internas desse órgão.
Para outros, o problema é mais em cima. Um defeito na válvula que separa estômago e esôfago faz que o conteúdo ácido suba em direção ao peito e à garganta — o quadro é conhecido como refluxo gastroesofágico.
<p”>Como o esôfago é bem menos preparado que o estômago para lidar com substâncias ácidas, ele fica machucado. Os indivíduos acometidos pelo refluxo sentem azia, queimação da boca do estômago à garganta, tosse e até dor no peito intensa, que chega a ser confundida com um infarto.
<p “>“No caso do refluxo, o ideal seria ter um remédio que corrigisse o defeito na válvula. Mas, como não possuímos esse tipo de tratamento, o que fazemos é lidar com a acidez”, diz o médico Joaquim Prado Moraes Filho, da Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG).
É aí que entram os IBPs, como o omeprazol: eles diminuem a acidez do suco gástrico. Com isso, a agressão às paredes do estômago e, principalmente, do esôfago ficam menos intensas.
<p “>“Esses remédios bloqueiam a produção de ácido, impedem as lesões e aliviam aqueles sintomas de queimação”, resume Moraes Filho, que também é professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
O médico lembra que, em muitos casos, o uso de omeprazol e companhia precisa se prolongar por quatro a oito semanas.
Essa informação, inclusive, aparece em algumas bulas deste fármaco.
“Geralmente, a dose recomendada de omeprazol varia entre os 10 mg e os 20 mg, administrados antes do café da manhã e durante um período que pode ir da toma única até as 4 semanas de tratamento”, diz o texto da bula, que pode sofrer variações segundo cada fabricante.
Os riscos
Mas aí vem a questão: como mencionado pelo próprio médico, omeprazol e companhia lidam com um aspecto, mas não resolvem a raiz do problema. No caso do refluxo, o defeito na válvula continua.
Ou seja, o ajuste momentâneo da acidez até melhora a queimação. Mas, passado o período de tratamento, pode ser que tudo volte ao estágio anterior, se outros aspectos da vida — sobre os quais falaremos adiante — não forem modificados.
Isso é facilitado pelo fato de esses remédios serem acessíveis ao consumidor final, mesmo sem receita — apesar de eles possuírem a tarja vermelha com a orientação de venda apenas sob prescrição médica.
Só que esse consumo de omeprazol sem indicação de um profissional da saúde está relacionado a uma série de consequências.
<p “>Vale lembrar que a osteoporose é um quadro marcado pela perda progressiva de massa óssea. Nela, os ossos ficam cada vez mais porosos e enfraquecidos, o que eleva a probabilidade de fraturas.
<p “>“A mesma ação que os IBPs fazem no estômago também ocorre nos ossos. Com isso, eles podem degradar as células responsáveis pela regeneração do esqueleto”, complementa ela. <p “>Quando o omeprazol é utilizado por curtos períodos, de poucas semanas, esse processo de regeneração óssea não é tão prejudicado assim. Nesse caso, a preocupação dos especialistas está mais no consumo contínuo e sem supervisão desses fármacos. <p “>Alguns estudos recentes também observaram outras graves consequências do abuso nos IBPs mais populares. <p “>Um deles, publicado em 2022 por instituições canadenses, estimou um risco 45% maior de câncer de estômago entre usuários frequentes de omeprazol em comparação com aqueles que usavam medicações da classe dos bloqueadores de H2 (como cimetidina e nizatidina). <p “>Já outras investigações, realizadas a partir do final dos anos 1990 e começo dos 2000, descobriram que essas medicações interferem na absorção da vitamina B12, essencial para o funcionamento do cérebro.
<p”>Com isso, alguns especialistas começaram a temer que anos seguidos de tratamento com essas drogas poderiam provocar quadros de demência, especialmente nos mais velhos.
<p “>Para Moraes Filho, essas evidências precisam ser analisadas com atenção, mas ainda não são contundentes o suficiente. <p “>“Nos últimos anos, foram lançados muitos trabalhos sobre os IBPs, mas os consensos das sociedades médicas dos Estados Unidos, do Reino Unido e do Brasil entendem que os efeitos sobre o uso prolongado desses remédios ainda precisam ser melhor estudados”, pontua o gastroenterologista. <p “>A BBC News Brasil procurou entidades da indústria farmacêutica para que elas pudessem se posicionar sobre as questões apresentadas.
<p”>O Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) afirmou em nota que possui uma “diretriz histórica” sobre o uso de medicações por pacientes em geral.
“Todo e qualquer medicamento que requer prescrição médica — o chamado medicamento tarjado, cuja embalagem possui uma tarja vermelha ou preta — só deve ser dispensado nas farmácias, postos de saúde, hospitais etc., e consumido pelos pacientes com base e mediante a apresentação de uma receita médica ministrada por um profissional de saúde habilitado”, completa o texto.
O presidente executivo do Sindusfarma, Nelson Mussolini, ainda comentou que, “se a pessoa está com problema de saúde, deve ir ao médico e, se for o caso, receber dele a prescrição do medicamento necessário para o tratamento”.
“Só compre medicamento tarjado com receita médica. Esse é um procedimento primordial para garantir a eficácia e a segurança do produto”, orientou ele.
Já a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) disse que “não se posiciona especificamente sobre moléculas”.
O que fazer na prática?
Que fique claro: existem algumas condições de saúde que exigem, sim, o uso contínuo de omeprazol ou outras medicações dessa classe.
“Nesses casos, os profissionais de saúde fazem a ponderação entre o risco e o benefício”, explica Marini.
“É o caso de pacientes oncológicos, por exemplo. Eles tomam medicações para tratar o câncer que afetam as barreiras do sistema digestivo. Os IBPs oferecem a proteção necessária para eles”, diz a farmacêutica.
Outra situação que demanda IBPs por tempo prolongado envolve as terapias com anti-inflamatórios. Esses fármacos também afetam o estômago, então muitas vezes os profissionais de saúde se antecipam e já prescrevem substâncias que protegem esse órgão.
Moraes Filho pondera que, nessas situações, é possível realizar um monitoramento para checar os níveis de cálcio, vitamina B12, magnésio e outras substâncias cuja absorção acaba afetada por omeprazol e companhia.
“Isso pode ser feito por meio de exames de sangue, e o acompanhamento é importante quando o paciente é idoso, está imunossuprimido ou internado numa UTI [Unidade de Terapia Intensiva]”, destaca o médico.
Caso seja detectada uma deficiência nesses componentes vitais à saúde, é possível fazer a suplementação para corrigir os níveis deles antes que uma doença mais grave apareça.
Mas e aquelas pessoas que usam o omeprazol há meses ou anos por conta própria? O que elas podem fazer?
Marini orienta que, em primeiro lugar, elas não interrompam o consumo desses comprimidos de forma repentina.
“Temos pacientes que tomam omeprazol por 10 ou 15 anos sem nenhuma orientação”, alerta ela.
“Como o pH desses indivíduos fica muito básico, o corpo tenta compensar a falta de acidez e secreta quantidades cada vez maiores de uma substância chamada gastrina”, detalha a farmacêutica.
“Se a pessoa retira o IBP de uma só vez, essa gastrina toda pode ir para o estômago e gerar uma dor insuportável.”
“O ideal nesses casos é realizar uma espécie de ‘desmame’ gradual da medicação para corrigir o pH aos poucos, se possível com a orientação de um profissional da saúde”, orienta a especialista.
Porém, sem o omeprazol, aquela queimação pode voltar. Como resolver isso? É aí que entram as medidas comportamentais e as mudanças no estilo de vida.
“O tratamento não farmacológico do refluxo gastroesofágico é extremamente importante. Não dá para o médico simplesmente escrever uma receita de remédio e esperar que o paciente fique bem”, chama a atenção Moraes Filho.
“Um primeiro passo é não se deitar logo após as refeições. É preciso aguardar por duas a três horas”, sugere o médico.
A posição horizontal facilita a volta do conteúdo estomacal ácido em direção ao esôfago, onde as lesões acontecem.
“Há casos em que erguer a cabeceira da cama uns 12 a 15 centímetros também ajuda”, acrescenta o especialista.
Moraes Filho lembra que outras medidas gerais de qualidade de vida (como manter o peso ou emagrecer, fazer atividade física, cuidar da saúde mental…) também têm muito a contribuir no controle das crises de queimação — sem a necessidade de abusar dos comprimidos.
Matéria – BBC News, por André Biernath