Pesquisadores do Instituto Butantan identificaram um novo alvo para o tratamento da esquistossomose que pode permitir a criação de um medicamento que provoque menos efeitos adversos. Como “anti-cupidos”, os cientistas descobriram uma maneira de separar o casal de parasitas do Schistosoma mansoni, que normalmente vive pareado, para acabar com o ciclo reprodutivo. O estudo foi publicado este ano na revista PLOS Pathogens.
O que parece simples, porém, demandou anos de estudos. A primeira descoberta foi entender que os vermes possuem moléculas – os RNAs longos não codificadores de proteínas (lncRNAs) – responsáveis pela sobrevivência do casal. O passo seguinte foi conseguir alvejar essas moléculas através do uso de uma ferramenta que silenciou o efeito delas. Sem este elo que une o casal, os vermes se separaram e morreram.
Isso aconteceu porque os parasitas do Schistosoma mansoni vivem fisiologicamente como um casal, com a fêmea instalada dentro do macho. Quando eles se separam, perdem a viabilidade porque não conseguem se reproduzir.
“Nós mostramos neste trabalho que se de algum modo a quantidade de lncRNAs dos parasitas for diminuída, eles param de colocar ovos, o que é muito importante para seu ciclo de vida, e que é a causa da patologia da doença”, explica o pesquisador do Laboratório de Ciclo Celular do Instituto Butantan, Murilo Sena Amaral.
De um modo geral, a estratégia mais comum no combate às verminoses está voltada ao estudo de fármacos que alvejem proteínas dos parasitas. Contra a esquistossomose, o único medicamento indicado para tratamento foca em uma determinada proteína do verme. A proposta do grupo do Butantan, porém, foi diminuir a ação dos lncRNAs, por detectarem que eles têm papel fundamental na sobrevivência do parasita.
“LncRNAs que são expressos no parasita em geral não são expressos em humanos, o que pode indicar menos efeitos adversos para um futuro fármaco”, disse o pesquisador.
A hipótese foi comprovada in vitro e in vivo. “Quando tratamos camundongos infectados com S. mansoni com uma molécula que diminui a quantidade desses lncRNAs do parasita, boa parte dos vermes morreu e o animal ficou muito bem, sem efeito adverso”, conta Murilo.
Segundo o pesquisador, essa hipótese poderá ser testada contra outras verminoses, além de levar a um aumento das opções terapêuticas contra a esquistossomose. A doença afeta mais de 200 milhões de pessoas e mata ao menos 11 mil anualmente em todo o mundo, embora o número seja considerado subestimado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
“Levando em conta que essa é a primeira vez que esses RNAs são descritos como possíveis alvos terapêuticos em um parasita, essa identificação abre perspectiva para a caracterização destas moléculas em outras espécies de parasitas causadores de doenças tropicais negligenciadas que, em conjunto, afetam mais de 1 bilhão de pessoas no mundo”, ressalta o pesquisador.
Hipótese comprovada
Em um estudo anterior publicado na revista Scientific Reports em 2020, a equipe liderada pelos pesquisadores Sergio Verjovski-Almeida e Murilo Sena Amaral já havia detectado a presença dos lncRNAs quando o parasita Schistosoma mansoni foi colocado em condições de estresse. Com o trabalho atual, eles mostram que essa cadeia de moléculas é importante para a homeostase, ou seja, o funcionamento normal do parasita e sua reprodução. E comprovam que, ao alvejá-las, os parasitas têm sua viabilidade e capacidade reprodutiva diminuídas.
Com dados públicos de sequenciamento de RNA em mãos, os pesquisadores analisaram quais das milhares sequências de lncRNAs seriam essenciais para o pareamento do parasita. Após a análise, identificaram as moléculas de lncRNAs mais abundantes enquanto os vermes estavam pareados e selecionaram três delas em uma triagem.
“Colocamos o verme na placa de cultura, adicionamos cada sequência de RNA dupla fita separadamente na placa. O verme ingere o RNA dupla fita, e essa molécula alveja o lncRNA, diminuindo sua expressão. Essa é a nossa ferramenta para silenciar o RNA alvo. Com o silenciamento do lncRNA alvo, fomos capazes de separar o casal dos vermes e matar o parasita”, explica.
O próximo passo do estudo é refinar a análise e tentar silenciar os três lncRNAs alvo de uma vez para avaliar os resultados. “Vamos testar para saber se teríamos um efeito melhor ainda, se a morte seria mais rápida e se mais vermes morreriam”, conclui Murilo.
Matéria – Portal do Butantan
Reportagem: Camila Neumam
Fotos: Renato Rodrigues/Comunicação Butantan
Imagem – Murilo Sena demonstra parte do experimento no laboratório do Butantan