A Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN) é uma doença hematológica adquirida causada por uma alteração genética clonal da célula-tronco hematopoiética, devido a uma alteração somática do gene PIG-A (Phosphatidyl Inositol Glycan Class A), que leva à alteração da síntese de GPI (glicosil-fosfatidil-inositol), uma molécula que atua como âncora de algumas proteínas de membrana citoplasmática. Por causa da deficiência de GPI, ocorre uma falta, total ou parcial, das proteínas que necessitam dessa molécula para se ligarem à superfície celular.
A HPN é uma doença rara que atinge aproximadamente 1,3 pessoas a cada um milhão, atinge mais adultos jovens e possui uma sobrevida média de 10 a 15 anos após o diagnóstico. Essa doença não possui sinais clínicos muito específicos e pode causar casos mais ou menos graves e geralmente apresenta-se com hemólise intravascular crônica, falência medular e hipercoagulabilidade.
Atualmente, o padrão-ouro para diagnóstico de HPN é o exame de imunofenotipagem por citometria de fluxo, que permite a diferenciação das células HPN tipo I (normais), tipo II (deficiência parcial de GPI) e tipo III (deficiência total de GPI). O tamanho desse clone deve ser monitorado regularmente para observar se há mudanças. As principais indicações para pesquisa de clone HPN são: hemoglobinúria, hemólise intravascular Coombs negativa, trombose em locais incomuns, anemia aplásica, SMD tipo anemia refratária ou hipoplásica, citopenias inexplicadas e disfagia ou dor abdominal com evidências de hemólise intravascular.
Para o diagnóstico da HPN, deve haver evidência do clone HPN (células deficientes em GPI) em no mínimo dois marcadores (ou duas proteínas associadas ao GPI ou uma proteína associada ao GPI e FLAER).
O exame para diagnóstico de HPN é realizado, preferencialmente, em amostra de sangue periférico conservado em EDTA e o clone HPN pode ser pesquisado em população de hemácias, granulócitos e monócitos, sendo que as duas principais populações são neutrófilos e monócitos maduros, pois o tamanho do clone HPN pode ser alterado em casos de transfusões e por causa da hemólise. Porém, a pesquisa do clone em hemácias é melhor para diferenciar células do tipo II e III.
Sendo assim, o painel de anticorpos escolhido pode variar de acordo com a rotina de cada laboratório e a quantidade de cores (fluorescências) disponíveis, tomando cuidado com a combinação, os fluorocromos e os clones escolhidos, devendo ser utilizados marcadores específicos para a separação inequívoca das populações de neutrófilos e monócitos, como CD15, CD16, CD24 e CD66b em neutrófilos, CD14 e CD64 em monócitos. Além disso, pode ser utilizado o CD157 e o FLAER (Fluorescent Labeled AERolysin), um derivado fluorescente da toxina bacteriana aerolisina, que é capaz de se unir ao GPI nos leucócitos, evidenciando quando há deficiência da molécula de interesse. Na população de eritrócitos pode ser avaliado o CD55 e o CD59, podendo também ser adicionado o CD235a (glicoforina A), para facilitar a separação das hemácias e debris.
No que diz respeito à análise de clones HPN por citometria de fluxo, existem guidelines muito bem estabelecidos e completos que abrangem todas as etapas do processo: seleção de anticorpos, procedimento técnico, análise e liberação de resultados. Esses guidelines foram publicados em uma colaboração entre a International Clinical Cytometry Society (ICCS) e a European Society for Clinical Cell Analysis (ESSCA). Os cinco artigos estão descritos nas nossas referências.
A única chance de cura da Hemoglobinúria Paroxística Noturna é através do transplante de medula óssea, porém existem tratamentos sintomáticos da anemia e plaquetopenia e anticoagulação para evitar tromboses, além de imunossupressão para o tratamento da falência medular, quando ela está presente. Além disso, existe um anticorpo monoclonal, o Eculizumab®, que vem sendo utilizado e trouxe novas expectativas para o tratamento desta doença.
Referência:
Sales, M, Vasconcelos, DM (2013). Citometria de Fluxo Aplicações no Laboratório Clínico e de Pesquisa. Editora Atheneu 2013. 10.13140/2.1.1317.6324.
Illingworth, AJ, Marinov, I, Sutherland, DR. Sensitive and accurate identification of PNH clones based on ICCS/ESCCA PNH Consensus Guidelines—A summary. Int J Lab Hematol. 2019; 41(Suppl. 1): 73- 81. https://doi.org/10.1111/ijlh.13011
Dezern, AE and Borowitz, MJ. ICCS/ESCCA consensus guidelines to detect GPI-deficient cells in paroxysmal nocturnal hemoglobinuria (PNH) and related disorders part 1 – clinical utility. Cytometry Part B 2018; 94B: 16– 22.
Sutherland, DR, Illingworth, A, Marinov, I, Ortiz, F, Andreasen, J, Payne, D, Wallace, PK and Keeney, M. ICCS/ESCCA consensus guidelines to detect GPI-deficient cells in paroxysmal nocturnal hemoglobinuria (PNH) and related disorders part 2 – reagent selection and assay optimization for high-sensitivity testing. Cytometry Part B 2018; 94B: 23–48.
Illingworth, A, Marinov, I, Sutherland, DR, Wagner-Ballon, O and DelVecchio, L ICCS/ESCCA Consensus Guidelines to detect GPI-deficient cells in Paroxysmal Nocturnal Hemoglobinuria (PNH) and related Disorders Part 3 – Data Analysis, Reporting and Case Studies. Cytometry Part B 2018; 94B: 49– 66.
Oldaker, T, Whitby, L, Saber, M, Holden, J, Wallace, PK and Litwin, V. ICCS/ESCCA consensus guidelines to detect GPI-deficient cells in paroxysmal nocturnal hemoglobinuria (PNH) and related disorders part 4 – assay validation and quality assurance. Cytometry Part B 2018; 94B: 67– 81.
Leia o artigo completo em nossa revista:
https://www.yumpu.com/pt/document/read/68357945/revista-newslab-edicao-178/170