Japonesa Eiken Chemical Co. vai enviar 720 kits que utilizam a tecnologia LAMP de detecção do coronavírus. Parceria deve ampliar pesquisas realizadas na área pela Universidade
Na última quarta-feira (25), foi firmada uma parceria entre a Unicamp e a Universidade de Chiba, no Japão, a Agência Japonesa de Cooperação Internacional (JICA) e a empresa Eiken Chemical Co. Com o título PACT-Brazil, Partnership for Accelerating Covid-19 Testing in Brazil, o acordo prevê que a Unicamp receba e faça a validação de 720 kits de testes, produzidos pela Eiken Co., para detecção do SARS-CoV-2 por meio de amostras de saliva. Os testes devem chegar na Universidade no início de dezembro. A validação científica será feita pelo Laboratório de Epidemiologia Molecular e Doenças Infecciosas (LEMDI) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), que domina a tecnologia LAMP, utilizada nesse tipo de teste. A parceria vai ampliar o grau de sofisticação das pesquisas desenvolvidas pelo LEMDI e abre a possibilidade de novos tipos de testes de detecção do coronavírus sejam utilizados no controle da pandemia.
A parceria entre o LEMDI e a Universidade de Chiba não é nova, existe desde 1997 e possibilita o intercâmbio de pesquisadores e a troca de experiências entre as duas universidades. Em 2017, foi firmado um Termo de Cooperação Internacional com a instituição para o desenvolvimento de pesquisas para o diagnóstico de infecções por fungos. O acordo tem vigência até 2022 e prevê o investimento de 5 milhões de dólares por parte do governo japonês. Os trabalhos são desenvolvidos dentro do Projeto MIRE, sob coordenação da professora Maria Luiza Moretti, coordenadora também do LEMDI.
No entanto, com o surgimento da covid-19 e a necessidade de cuidados para conter o avanço da doença, vários trabalhos presenciais precisaram ser interrompidos. “Por conta da pandemia, os alunos de pós-graduação, que respondem a cerca de 80%, até 90% da força motriz dos projetos de pesquisa, foram orientados a não comparecer ao campus, assim como nossos funcionários, assim como ocorreu no Japão. Então esse intercâmbio que existe com a ida de pesquisadores brasileiros ao Japão, o trabalhos in loco no nosso laboratório, o LEMDI, acabaram sendo interrompidos”, explica Plínio Trabasso, pesquisador do laboratório, professor da FCM e Coordenador de Assistência do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp.
Diante desse cenário, com a tendência mundial de direcionar grande parte dos esforços de pesquisa para o controle da pandemia, surgiu a proposta do PACT-Brazil, inserido a estrutura do projeto MIRE. A partir dessa parceria, a Eiken Chemical Co., empresa japonesa produtora de testes diagnósticos e equipamentos clínicos, vai enviar ao LEMDI 720 kits com testes que utilizam amostras de saliva para a detecção do coronavírus.
No laboratório, serão feitos estudos de validação, que comprovam a capacidade dos insumos de diagnosticar a covid-19, e a aferição de seu grau de precisão. Os testes utilizam o método LAMP, pesquisado pelo laboratório, que é mais rápido, mais barato e mais simples de ser realizado se comparado à coleta do swab nasal para a realização dos testes RT-PCR. “Nada mais natural do que aproveitar uma tecnologia que estava sendo utilizada em nosso laboratório, todos os insumos que já temos, equipamentos, para aprimorar os testes para detecção da covid-19”, explica Plínio.
LAMP: tecnologia mais precisa, rápida e barata
Os exames do tipo RT-LAMP são semelhantes aos RT-PCR, teste considerado padrão ouro pela Organização Mundial da Saúde para detecção do coronavírus. Ambos utilizam a enzima transcriptase reversa para identificar a informação genética RNA do SARS-CoV-2. Para a realização desses testes, a enzima produz um trecho de DNA, chamado primer, que, ao se emparelhar com o RNA do SARS-CoV-2, indica a existência do coronavírus na amostra.
No entanto, com a técnica LAMP, que significa loop-mediated isothermal amplification (amplificação isotérmica mediada por alça), a detecção é feita em uma temperatura constante de cerca de 65°C e utiliza quatro primers capazes de reconhecer até seis regiões do RNA do coronavírus, diferente do RT-PCR, que utiliza dois primers e depende do uso de termocicladores, equipamentos de custo elevado que provocam ciclos de calor e resfriamento das amostras. Com isso, o teste consegue ter um nível de precisão maior, é mais barato e pode ser feito em menos tempo. Plínio Trabasso estima que, em média, os resultados podem ser obtidos em 40 minutos.
Outra característica dos testes RT-LAMP é a de que o diagnóstico pode ser feito sem a necessidade de equipamentos mais sofisticados, pois um dos aspectos das amostras em que há a presença do coronavírus é que o líquido se torna turvo, perdendo o aspecto cristalino. Plínio comenta que isso possibilita a aplicação de testes em regiões mais remotas, como em comunidades da Amazônia.
Na Unicamp, as pesquisas do LEMDI vão atestar não apenas se os kits enviados pela Eiken Co. são clinicamente válidos, como também o grau de exatidão dos diagnósticos. Isso deverá ser feito por meio da diluição das amostras do coronavírus. Quanto mais diluída a amostra estiver e, ainda assim, puder ser detectada, maior o grau de precisão dos testes. Segundo o médico, a obtenção de resultados positivos abre uma nova possibilidade ao sistema de saúde para o controle da pandemia.
“À medida que você consegue validar insumos que não utilizam esse tipo de equipamento caro, o processo se torna mais barato para a população, para o SUS, para a saúde suplementar. Sempre então que é possível baratear, mas mantendo ou aumentando a qualidade, é muito melhor. Se conseguirmos validar esse exame como algo factível, possível de ser utilizado, é mais uma alternativa para concorrências públicas, licitações, amplia a oferta de exames no sistema de saúde, pode ampliar a testagem realizada”, analisa Plínio.
Inclusão de novos grupos e maior especialização das pesquisas
Um dos aspectos que despertam a atenção nos testes RT-LAMP é a possibilidade de serem utilizadas amostras de saliva, sem a necessidade da coleta pelo swab nasal. Plínio Trabasso comenta que essa é uma vantagem por facilitar os procedimentos para as equipes de saúde e também reduzir o desconforto que alguns pacientes podem sentir com o swab nasal. O benefício vai além se consideradas as condições de saúde de alguns grupos específicos, como pacientes que passaram por transplante de medula recente.
“Particularmente os pacientes que passaram por transplante de medula não podem coletar amostras de exames por swab nasal porque é uma técnica mais agressiva para eles. Eles ainda não têm plaquetas suficientes no organismo e podem ocorrer sangramentos. Essa (LAMP) é então uma técnica que amplia as possibilidades de testes em pacientes imunossuprimidos, que também estão sujeitos à covid-19”, explica o Coordenador de Assistência do HC.
Ele também ressalta que a agilidade com que os diagnósticos podem ser obtidos, combinado com o custo reduzido, pode ampliar a capacidade de testagem da população, o que é fundamental para a definição de medidas para o controle da pandemia. “Se eu tenho um exame que consegue detectar o coronavírus em um indivíduo que está em uma fase bem precoce da doença, é possível aumentar a sensibilidade da minha triagem populacional. É possível fazer diagnósticos mais precoces, inclusive em pacientes assintomáticos. Muitos países apostaram seus programas de controle da covid-19 na testagem e no isolamento de pessoas. Você aplica então o teste, tem o resultado rápido e sabe se a pessoa precisa ficar isolada ou não”, detalha Plínio.
Para a Unicamp, a parceria vai ampliar as possibilidades de estudos realizados pelo LEMDI, contribuindo com a prevenção e o desenvolvimento de tratamento para outras doenças. Hoje, as pesquisas realizadas no local concentram-se nos fungos. “Os fungos têm como material genético o DNA. Já os vírus podem ter DNA ou RNA. Particularmente o SARS-CoV-2 é um vírus de RNA, então é uma mudança muito grande. A tecnologia que usamos é a mesma, os equipamentos são os mesmos, mas vamos trabalhar com outro tipo de microorganismo. Existe então todo um incremento na qualificação das equipes, tanto dos alunos, quanto dos nossos biologistas, que vão poder trabalhar com um tipo diferente de organismo do que estão habituados. Isso aumenta a qualificação dessas pessoas”, ressalta Trabasso.