A rede de ligações internas do cérebro é composta por milhares de milhões de fibras nervosas chamadas axônios. A grossura dos axônios – entre outras propriedades – tem um impacto significativo sobre a forma como eles conduzem os sinais nervosos, e portanto sobre a velocidade global de processamento tanto dos neurônios como das áreas cerebrais interligados. Além disso, sabe-se que muitas doenças neurodegenerativas, tais como a esclerose múltipla e a doença de Alzheimer, bem como o cancro, os traumatismos cerebrais e os acidentes vasculares cerebrais, apresentam lesões ao nível dos axônios.
Claramente, os axônios são cruciais para o funcionamento do cérebro. Mas também são bastante misteriosos. São tão finos (têm apenas uns mícrons de diâmetro) que a ideia de os estudar de forma não-invasiva no interior de um cérebro vivo tem sido, até aqui, impraticável.
Um novo estudo, realizado em colaboração por cientistas da Escola de Medicina Grossman da Universidade de Nova Iorque, do Centro Champalimaud em Portugal e da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, descreve uma nova forma de medir esses microscópicos fios utilizando a imaginologia por ressonância magnética (IRM). O estudo foi publicado na revista eLife.
Mergulhar na matéria branca
Qual foi o avanço que levou a equipa a ultrapassar este desafio de longa data?
Jelle Veraart, primeiro autor do estudo, explica que a chave foi encontrar uma maneira de distinguir dois tipos de sinais: os que têm origem no interior dos axônios e os que surgem no tecido envolvente.
“A IRM funciona principalmente através da detecção de sinais vindos das moléculas de água, que constituem cerca de 80% do cérebro humano. Mas tanto o interior dos axônios como o tecido circundante têm água. Foi por isso que nós, no Grupo de Biofísica da IRM da Escola de Medicina Grossman da Universidade de Nova Iorque, desenvolvemos um método que suprime preferencialmente o sinal em todo o lado excepto nos axônios. Especificamente, modelamos a forma como o sinal da água se comporta em diferentes partes dos tecidos. E a seguir, medimos as propriedades dos axônios na amostra utilizando o sinal residual, que correspondia só à água dos axônios”, explica Veraart.
Porém, os modelos permanecem teóricos enquanto não forem validados. Portanto, a equipa testou o modelo utilizando aparelhos pré-clínicos de ultra-alta resolução de IRM e microscópios do Centro Champalimaud. Uma vez o modelo validado utilizando esta tecnologia e esta metodologia de ponta, os cientistas passaram para a fase seguinte: a aplicação aos seres humanos. “Realizamos esta fase em colaboração com Derek Jones, do Centro de Estudos do Cérebro por Imagiologia da Universidade de Cardiff, que possui equipamentos de IRM especiais e suficientemente potentes para gerar sinais com a robustez necessária neste tipo de medições”, diz Veraart.
Os resultados do método foram notáveis. Ao passo que estudos anteriores tinham fornecido valores 10 vezes maiores do que o diâmetro real (conhecido de antemão) dos axônios medidos, desta vez os cientistas obtiveram medições dessa mesma propriedade cuja exatidão não tem precedente: os erros foram de apenas 10 a 15%.
Qual era a fonte destes erros? “Nós fazemos as medições em áreas de ‘matéria branca’, assim chamada porque é principalmente composta de axônios, que são quase brancos. Num milímetro cúbico de tecido, há dezenas de milhares de axônios. As nossas medições estimam uma métrica média de todos os axônios e tendem a ser dominadas pelos axônios de maior diâmetro presentes na amostra de tecido”, explica Dmitry Novikov, da Escola de Medicina Grossman da Universidade de Nova Iorque. “Além disso, há outras características do tecido que podem parecer axônios nos nossos sinais, tais como os ‘ramos’ de outro tipo de células cerebrais chamadas astrócitos.
Com o modelo já validado, os cientistas estão a pensar nas próximas etapas. “A quantificação in vivo do diâmetro dos axônios por IRM abre o caminho a uma nova linha de investigação”, diz Noam Shemesh, do Centro Champalimaud. “A IRM é não-invasiva e pode ser utilizada com segurança para realizar estudos que monitorizam mudanças nos axônios ao longo de grandes períodos de tempo. Quanto mais aprendermos sobre estas estruturas, mais perto estaremos de perceber como o cérebro funciona em condições normais e de doença.”
“Este estudo põe em relevo a importância da investigação colaborativa”, acrescenta Veraart. “Graças a este resultado do trabalho prolífico da nossa equipa internacional, temos a história toda – do desenvolvimento teórico de uma nova técnica à validação experimental em animais e, por último, à translação para humanos.”
Com informações de EurekAlert!