Um estudo realizado na Universidade de Ciências Médicas de Varsóvia (Polônia) propõe um método não invasivo para o diagnóstico de doenças inflamatórias intestinais (DII), como retocolite ulcerativa e doença de Crohn. A técnica empregada atualmente é a colonoscopia com biópsia, que exige anestesia e avalia lesões estruturais, mas não identifica disfunções intestinais.
No método proposto pelos pesquisadores poloneses é usada uma amostra com fezes e aproximadamente 1 ml de sangue. Neste, é medida a concentração de ácidos graxos de cadeia curta de bactérias e analisada sua proporção em relação às fezes. Para o líder do estudo, o médico e PhD Marcin Ufnal, essa informação é importante porque indica as condições em que se encontra a barreira intestinal.
Ele explica que a parede do intestino é um sistema complexo com múltiplas camadas, que atua como um filtro fino que controla com precisão a passagem de nutrientes e impede a saída de bactérias.
“Quando a parede do intestino está comprometida e se torna permeável, bactérias intestinais e subprodutos bacterianos alcançam a corrente sanguínea e podem criar problemas”, diz Ufnal, que chefia o Departamento de Patofisiologia e Fisiologia Experimental da universidade. Segundo ele, o estado de permeabilidade do intestino pode ser usado como um marcador de doenças inflamatórias intestinais e também servir para direcionar o tratamento.
De acordo com o médico, disfunções e distúrbios no intestino podem acontecer antes que ocorram mudanças estruturais visíveis e identificadas pela colonoscopia — este exame tem custo relativamente alto, necessita de anestesia e requer um preparo especial, que geralmente provoca desconforto no paciente. A técnica descrita pela equipe da Universidade de Varsóvia é de baixo custo, não é invasiva e permite obter um diagnóstico precoce, o que pode melhorar a qualidade de vida de quem sofre de DII.
Ufnal também espera que esse método possa ser usado para indicar a existência de outras doenças que criam permeabilidade intestinal, como problemas no fígado e insuficiência cardíaca. O artigo sobre a pesquisa foi publicado em Experimental Physiology.
Problema global
De acordo com informações da Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP), as DII ainda não têm causas comprovadas nem cura, atingem ambos os sexos, principalmente adultos jovens, podem estar relacionadas a fatores hereditários e imunológicos e possivelmente são agravadas pelo estilo de vida.
Não existem estatísticas oficiais no Brasil sobre as DII, mas, segundo a SBCP, sua incidência vem aumentando no país e 80% dos pacientes estão nas regiões Sudeste e Sul. Essa informação vai ao encontro do que é apresentado no artigo Worldwide incidence and prevalence of inflammatory bowel disease in the 21st century: a sistematic review of population-based studies, publicado em The Lancet, em outubro de 2017. O estudo mostra que ocorre maior incidência de doença de Crohn e de retocolite ulcerativa — as principais DII — em países cuja população tem hábitos de vida “ocidentalizados”, como os da Europa, América do Norte e Oceania.
O artigo aponta, ainda, que desde 1990 tem aumentado o número de casos em nações industrializadas da América Latina, Ásia e África. A prevalência das DII na população ocidental já é superior a 0,3%, o que lhes confere o status de ser um problema global do século 21 e reforça sua relação com os hábitos de vida.
As principais doenças inflamatórias intestinais
Segundo informações da SBCP, a doença de Crohn é mais comum de afetar a parte final dos intestinos delgado e grosso, mas pode atingir qualquer região do tubo digestivo, entre a boca e o ânus. Os principais sintomas são diarreia, sangue nas fezes, anemia, dor no abdome, perda de peso, febre e, raramente, estomatite. Em alguns casos também pode se manifestar na pele, articulações, olhos, fígado e vasos sanguíneos. As crises podem ser agudas, leves ou graves, mas há casos em que o paciente passa períodos sem apresentar sintomas.
Na retocolite ulcerativa ocorre inflamação da mucosa do intestino grosso, muitas vezes somente no reto, mas não afeta o intestino delgado, o que ajuda o médico a diferenciá-la da doença de Crohn. Os sintomas incluem diarreia crônica com sangue e anemia. Nos casos de inflamação muito grave, quando há hemorragia forte e perfuração do intestino, é necessário realizar cirurgia de urgência.
Nas duas doenças o diagnóstico é confirmado principalmente através de colonoscopia com biópsia. De acordo com informações da SBCP, pacientes com DII apresentam maior risco de desenvolver câncer colorretal.