Quase metade dos brasileiros com diagnóstico de melanoma está nos estágios III e IV
Estudo que traz resultados acerca da epidemiologia do melanoma no Brasil constata tendência de aumento da incidência de casos da doença no país tanto em homens quanto em mulheres.
A pesquisa do Instituto Nacional do Câncer (INCA), da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, da Beneficência Portuguesa e do Hospital Israelita Albert Einstein analisou quase 29.000 casos da doença registrados no país ao longo de 15 anos.
Embora a maioria dos pacientes tenha sido diagnosticada nos estágios I e II, mais de 46% dos casos investigados receberam o diagnóstico nos estágios III e IV.
O estudo foi publicado em dezembro no periódico Melanoma Research. A autora Dra. Andreia Cristina de Melo, médica oncologista do INCA, falou sobre o trabalho.
Segundo a pesquisadora, os achados merecem destaque, pois revelam que um percentual importante dos pacientes tem indicação de tratamento sistêmico, capaz de melhorar a sobrevida, porém, “não tem acesso ao mesmo, visto que esses tratamentos não estão disponíveis na rede pública de saúde do Brasil”.
O estudo analisou informações registradas entre 2000 e 2014 em três bancos de dados: Registros Hospitalares de Câncer (RHC), Registros de Câncer de Base Populacional (RCBP) e Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). As características clínicas dos pacientes foram traçadas principalmente a partir do RHC, enquanto os dados do RCBP foram usados para obter informações sobre incidência e os do SIM para as informações sobre mortalidade.
Os resultados mostram que, entre 2000 e 2013, a incidência de melanoma subiu de 2,52% para 4,84% entre os homens, com uma mudança percentual anual média (AAPC, sigla do inglês Average Annual Percentage Change) de +21,5%. Entre as mulheres, a taxa passou de 1,93 para 3,22 por 100.000, com AAPC de +13,9%.
Em relação à mortalidade, entre 2000 e 2014, as taxas passaram de 0,85 para 0,90 por 100.000 entre os homens (AAPC = + 0,8%) e, entre as mulheres, foram de 0,56 para 0,53 por 100.000 (AAPC = – 0,1%).
Ao todo, 28.624 pacientes com melanoma foram incluídos no estudo; a maioria era do sexo feminino (51,9%), branca (75%), com entre 40 e 69 anos de idade (59,4%) e estava nos estágios I ou II (53,2%) da doença – 20,6% receberam o diagnostico já no estágio III e 26,1% no estágio IV.
Para a Dra. Andreia, o resultado sobre os estágios mais prevalentes talvez seja o dado mais importante do estudo: “hoje já temos tratamento adjuvante aprovado para o melanoma e, para a maior parte dos casos no estágio III, teríamos indicação de oferecer algum tratamento adjuvante, que é um tratamento efetivo e que tem impacto na sobrevida desses pacientes. Temos a imunoterapia e, para os pacientes que têm mutação no gene do BRAF, também existe a possibilidade de tratamento com medicamento direcionado, como o dabrafenibe e o trametinibe”, disse.
A médica contou que as evidências sobre a eficácia dessa combinação (dabrafenibe e trametinibe) foram apresentadas no último congresso da European Society for Medical Oncology (ESMO 2018), em Munique, na Alemanha.
“A atualização do estudo COMBI-AD revelou que, entre pacientes com estágio III com a mutação V600E ou V600K do BRAF, a sobrevida sem recidiva em quatro anos naqueles que receberam tratamento adjuvante com dabrafenibe e/ou trametinibe foi de 54% versus 38% no grupo que recebeu placebo”, afirmou.
Embora o tratamento direcionado adjuvante combinado já tenha sido aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) norte-americana, pela European Comission e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) este ano, ainda não foi incorporado aos medicamentos disponibilizados no Sistema Único de Saúde (SUS).
“São tratamentos extremamente caros e que, infelizmente, fora do cenário da pesquisa clínica não temos a possibilidade de prescrever no SUS”, disse a oncologista. A médica explicou que, atualmente, existe um grande desequilíbrio entre os tratamentos oferecidos nas redes de saúde pública e privada do país.
“No setor privado, estão disponíveis os anti-PD-1 (nivolumabe e pembrolizumabe) e os anti-CTLA-4 (ipilimumabe), as combinações de dabrafenibe + trametinibe e de vemurafenibe + cobimetinibe (para os casos com mutação do BRAF) para tratamento do melanoma metastático. Porém, no SUS, a única opção é o citotóxico dacarbazina”, ressaltou.
Para a Dra. Andreia, a divisão por estágios, apresentada na pesquisa “deixa muito claro que é preciso trabalhar com a sociedade médica, a sociedade civil e os grupos de pacientes para promover a incorporação dos esquemas terapêuticos mais modernos à linha de tratamento do melanoma na rede pública. Esses novos medicamentos modificaram a história natural da doença”.
Outro dado que merece destaque no estudo é a incidência desse câncer. “O Brasil ainda é um país jovem, com uma população em fase de envelhecimento. No entanto, os resultados alertam para a incidência crescente nos últimos 15 anos, com tendência de continuar aumentando nos próximos anos”, disse a médica.
A pesquisa mostrou que mais da metade dos casos de melanoma ocorreu em pacientes que não completaram o ensino básico, e que a maioria (77,1%) foi encaminhada aos serviços de atendimento terciário por unidades do sistema público de saúde.
De acordo com a Dra. Andreia, os pacientes com nível de escolaridade mais baixo tiveram estadiamento mais avançado da doença no diagnóstico do que aqueles com nível de escolaridade maior.
“Podemos pensar em algumas hipóteses para essa diferença: por questões de conhecimento, de suspeição, pessoas com maior nível educacional procuram o médico mais precocemente. Podemos ainda fazer uma associação do nível educacional com o nível socioeconômico: pacientes com menor nível educacional provavelmente têm também menor renda e maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde”, especulou a especialista.
Além do nível de escolaridade, também estiveram associados com metástase à distância: gênero, etnia, área geográfica do centro de oncologia, topografia, histologia, tempo entre o diagnóstico e o tratamento e morte precoce.
Diante dos dados, a Dra. Andreia enfatizou o papel da investigação clínica. “Acredito que, no contexto da prática diária, independentemente de ser especialista, dermatologista, de ser um profissional que trata lesões da pele, o médico deve aproveitar a oportunidade em outras consultas para conversar a respeito de alterações cutâneas, de lesões suspeitas e encaminhar quando achar que deve ser encaminhado. É inadmissível que um médico examine seu paciente de roupa, que não observe o dorso, não examine os pés, as mãos e as regiões subungueais”, afirmou.
Com informações de Medscape.