Uma nova pesquisa sugere que uma meta de níveis de HbA1c de 6,5% a 6,9% pode ser preferível a níveis abaixo de 6,5% para adultos e crianças com diabetes tipo 1.
Os resultados da análise de informações mais de 10.000 crianças e adultos com diabetes tipo 1 diagnosticados entre 1998 e 2017, provenientes do banco de dados sueco Nationella Diabetesregistret, foram publicados on-line em 28 de agosto no periódico BMJ pelo Dr. Marcus Lind, Ph.D., médico e professor de diabetologia no Institutionen fôr Medicin em Gotemburgo, na Suécia, e colaboradores.
Desde o diagnóstico até 2017, entre os pacientes que chegaram a ter níveis de HbA1c < 6,5% em comparação com pacientes que tiveram níveis entre 6,5% e 6,9%, não houve redução no risco de retinopatia diabética ou nefropatia diabética, mas houve aumento significativo do risco de hipoglicemia com níveis < 6,5%.
As complicações graves ocorreram com mais frequência diante de níveis mais altos de HbA1c (> 8,6%) e as complicações mais leves começaram a aumentar a partir de 7,0%.
De modo geral, Dr. Marcus e colaboradores escreveram: “Os achados atuais respaldam uma meta geral de HbA1c < 7,0% para as pessoas com diabetes tipo 1. As pessoas que alcançam níveis de HbA1c < 6,5% devem permanecer atentas para não ter hipoglicemia durante períodos prolongados, e obter uma boa qualidade de vida relacionada com o diabetes”.
Essa nova informação é importante porque as metas de HbA1c variam em diversas diretrizes. Nos Estados Unidos, a orientação convencional da American Diabetes Association Standards of Care recomenda HbA1c < 7,5% para as crianças e < 7,0% para os adultos. No Reino Unido, o National Institute for Health and Care Excellence aconselha a meta de HbA1c < 6,5% tanto para as crianças e como para os adultos, e as diretrizes suecas recomendam HbA1c < 6,5% para as crianças e < 7,0% para os adultos.
E a International Society for Pediatric and Adolescent Diabetes recentemente diminuiu a sua meta de HbA1c < 7,5% para < 7,0%.
Identificar as metas com exatidão é difícil, mas níveis entre 6,5% e 7,0% são razoáveis
Em uma entrevista para o Medscape, Dr. Marcus disse que uma das principais razões para a divergência entre as metas é que “as evidências não são inequívocas. É muito claro que a redução dos níveis elevados de HbA1c é fundamental para diminuir as complicações. Mas, para as pequenas diferenças de HbA1c em níveis baixos, com as quais ocorrem menos complicações, os dados são mais limitados”.
Diante destes novos dados, Dr. Marcus disse, “acredito que uma meta única de HbA1c de 6,5% a 7,0% pareça razoável para crianças e adultos. Nos casos com muito pouco tempo de hipoglicemia, uma boa qualidade de vida relacionada com o diabetes e com níveis mais baixos de HbA1c , acho que alguns pacientes podem permanecer com esses níveis”.
Convidado a comentar, Dr. Gregory P. Forlenza, médico e professor assistente de pediatria da Barbara Davis Center for Childhood Diabetes Pediatric Endocrinology, University of Colorado Denver, concordou.
“Acho que este é um artigo muito interessante e instigante, especialmente no que se refere às conversas com os pacientes sobre suas metas. Alguns pacientes sentem-se compelidos a ter como meta uma glicemia normal ou cujos níveis encontrem-se na faixa de alguém sem diabetes tipo 1. Muitas vezes os pacientes se sentem como se não estivessem conseguindo, caso não cheguem aos níveis mais baixos possíveis de HbA1c e acreditam que uma HbA1c de 5% é melhor do que de 6%”, disse o comentarista.
“Este artigo corrobora minha antiga crença de que essa abordagem vai além do ponto de decréscimo das vantagens, mesmo com o argumento de que é nocivo devido ao risco de hipoglicemia grave com as metas cada vez mais baixas”, continuou.
No entanto, Dr. Gregory também indicou dados recentes que mostram que menos de 20% dos pacientes com diabetes tipo 1 nos EUA estão atualmente em conformidade aos objetivos da American Diabetic Association, e que a média dos níveis de HbA1c está, na verdade, aumentando em quase todas as faixas etárias, sugerindo que “metas muito extremas não são a principal preocupação nos EUA para a população com diabetes tipo 1”.
O tempo de permanência dentro dos limites normais é uma métrica melhor que a HbA1c ?
Dr. Gregory também disse que uma mudança do foco da HbA1c para o “tempo de permanência nos limites normais” possibilitado pelo uso da monitorização contínua de glicemia (MCG), poderia ser uma estratégia melhor para o controle do diabetes.
“Sugerir um tempo de permanência nos limites normais > 70% como objetivo permite a minimização do percentual de hipo- e hiperglicemia sem necessariamente se concentrar em valores extremamente baixos de glicemia. Muitos pacientes com diabetes tipo 1 têm informado que o tempo de permanência nos limites normais tem implicações na qualidade de vida que não são bem capturadas pela HbA1c.”
E, observou o comentarista, os sistemas de liberação de insulina automatizados, disponíveis e emergentes – Medtronic 670G, Tandem Control-IQ e Insulet Horizon – têm demonstrado permitir ao paciente permanecer de 70% a 80% do tempo nos limites normais e menos de 3% do tempo com hipoglicemia.
Mas o Dr. Marcus tem uma visão diferente do tempo de permanência nos limites normais, contando que recentemente ele estava com dois pacientes, ambos com HbA1c de 6,8% e com tempo de permanência nos limites normais semelhante, porém, um tinha 18% de hipoglicemia enquanto o outro tinha apenas 2%.
“O tempo de permanência nos limites normais é essencial, mas preconizo um foco mais direcionado para o tempo de hipoglicemia como complemento da HbA1c “, disse o pesquisador.
“Se um paciente tiver bons níveis de HbA1c acho que essa ainda é a medida mais confiável de possíveis complicações (…) o que eu gosto de ver é quanto tempo de hipoglicemia um paciente com uma boa HbA1c tem. Medidas de variabilidade glicêmica também são essenciais, bem como identificar determinados padrões para melhorar o tratamento”, observou.
Índices de complicação não foram melhores com a HbA1c < 6,5% vs. de 6,5% a 7,0%
A população do estudo foi formada por 10.398 crianças e adultos (média de idade na primeira consulta de 14,7 anos) diagnosticados entre 1998 e 2017 com uma duração média do diabetes tipo 1 no último acompanhamento de 11,9 anos. A maioria (56,6%) era do sexo masculino.
Em geral, 33,3% tiveram um episódio de retinopatia, 3,0% de retinopatia pré-proliferativa e 1,1% tinham retinopatia proliferativa.
Após o ajuste por idade, sexo, duração da doença, pressão arterial, níveis séricos de lipídios, índice de massa corporal (IMC) e tabagismo, o risco de qualquer retinopatia pela média de HbA1c < 6,5% comparado aos níveis médios entre 6,5 e 6,9% não diferiram (razão de chances ou odds ratio, OR, de 0,77; P = 0,10).
O risco começou a aumentar com níveis de HbA1c de 7,0% a 7,4%, com OR ajustada de 1,31, comparado com HbA1c 6,5% a 6,9% (P = 0,02).
Com níveis ainda mais altos de HbA1c de 7,5% a 8,6%, o risco de retinopatia mais do que dobrou em comparação com os níveis de HbA1c de 6,5% a 6,9% (OR ajustada de 2,05; P < 0,001) e quase quadruplicou com HbA1c > 8,6% (3,72; P < 0,001).
Na retinopatia diabética pré-proliferativa ou pior, o risco aumentou com HbA1c < 6,5%, bem como em níveis mais elevados em comparação com HbA1c de 6,5% a 6,9%, com OR ajustada de 3,29 (P = 0,05) da HbA1c < 6,5%, 3,98 para 7,5% a 8,6% (P = 0,008) e 13,77 para > 8,6% (P < 0,001).
Os autores escreveram: “Parece pouco provável que baixos níveis de HbA1c indicando os níveis glicêmicos perto de normal sejam prejudiciais em si; no entanto, estudos pré-clínicos demonstraram que as complicações microvasculares pode ser causadas por hipoglicemias frequentes, como possivelmente é o caso das flutuações rápidas da glicemia que podem ser relacionadas com a hipoglicemia.”
Para microalbuminúria/macroalbuminúria, novamente, os riscos não diferiram entre as duas categorias mais baixas de HbA1c , com OR ajustada de 0,98 para HbA1c < 6,5% comparado com 6,5% a 6,9% (P = 0,95). O risco aumentou com níveis de HbA1c 7,0% a 7,4% (OR = 1,55; P = 0,03) e > 8,6% (OR = 2,64; P < 0,001).
O risco de macroalbuminúria isolada mais que triplicou em níveis de HbA1c > 8,6% (OR = 3,43; P = 0,03).
O aumento do risco de hipoglicemia grave com HbA1c < 6,5%
Comparado a níveis de HbA1c de 6,5% a 6,9%, o risco de hipoglicemia grave aumentou significativamente com HbA1c < 6,5% (OR = 1,34; P = 0,005) e esse risco foi reduzido pela metade com HbA1c > 8,6% (OR = 0,53; P < 0,001).
Dr. Marcus comentou: “De modo geral, a meta de HbA1c precisa ser individualizada para os pacientes, de acordo com fatores com variáveis biológicas complexas como diabetes flutuante, situação social atual, estado mental e/ou a motivação, bem como outros fatores.”
“Mas, como encontramos menos complicações com HbA1c de 6,5% a 7,0% do > 7,0%, penso que esta deva ser a janela geral da meta terapêutica”, especialmente porque “não encontramos menos riscos de complicação com níveis de HbA1c < 6,5% mas teve 30% mais casos de hipoglicemia mais grave com convulsão ou inconsciência”.
Ao mesmo tempo, comentou, “nós mudamos a curva da HbA1c de muito alta há 30 ou 40 anos para moderadamente alta em nível populacional”.
“Portanto, precisamos também continuar nos empenhando em reduzir a HbA1c e como fazer isso nos pacientes com altos níveis de HbA1c > 8,5% (…) se pudessem ser reduzidos para níveis moderados, como < 8,0%, poderíamos evitar uma série de complicações graves”, disse o pesquisador.
Dr. Gregory acrescentou: “Acredito que possamos ver que os sistemas de pâncreas artificial têm os requisitos necessários para o controle glicêmico. Nossa próxima rodada de desenvolvimento nestas áreas se concentrará no aprimoramento do uso, na redução do peso, na maior automação e na redução de custos.”
Dr. Marcus Lind informou receber subsídios das empresas AstraZeneca, Dexcom, Novo Nordisk e Pfizer e honorários de consultoria das empresas AstraZeneca, Dexcom, Eli Lilly, MSD, Novo Nordisk e Rubin Medical. Dr. Gregory Forlenza informou receber apoio de pesquisa das empresas Abbott, Beta Bionics, Dexcom, Insulet, Medtronic, Tandem e Type Zero. Dr. Gregory Forlenza atua como consultor e/ou palestrante para as empresas Dexcom, Medtronic e Tandem.
BMJ. Publicado on-line em 28 de agosto de 2019. Texto completo
Com informações de Medscape.