A Estrada da Alma: ESG, Transporte e o Cuidado Essencial que Transita Conosco

Por Dr Cristhian Roiz 

Como um observador atento das engrenagens que movem nossa sociedade, tenho acompanhado de perto a ascensão de um conceito que, embora não seja novo em sua essência, ganhou contornos e urgência inéditos: o ESG – Ambiental, Social e Governança. E, imerso nas discussões sobre sustentabilidade e responsabilidade corporativa, um ponto em específico tem me chamado à reflexão, especialmente no setor de transportes, um pilar fundamental em nosso cotidiano: a saúde emocional dos seus profissionais, em particular, daqueles que cruzam nossas estradas e cidades levando consigo cargas preciosas, como as da área da saúde.

O momento, inegavelmente, é propício para essa conversa. A crescente valorização do ESG pelas empresas, investidores e pela sociedade como um todo, nos convida a olhar para além dos lucros e da eficiência operacional. No cerne da dimensão social do ESG, reside o bem-estar dos trabalhadores, um aspecto que, em empresas de transporte, adquire uma relevância ainda maior, especialmente quando o serviço prestado impacta diretamente a vida e a saúde de outras pessoas.

Pensemos, por um instante, nos condutores que dedicam suas jornadas a transportar amostras biológicas, medicamentos sensíveis a variações de temperatura, ou equipamentos médicos essenciais. Em suas rotas, muitas vezes marcadas por um tráfego caótico e extenuante, sobretudo em grandes centros urbanos, esses profissionais enfrentam uma carga de estresse significativa. A pressão por cumprir prazos, a imprevisibilidade do trânsito, as longas horas ao volante – tudo isso contribui para um cenário propício ao desenvolvimento de condições como burnout, estresse crônico e ansiedade.

E aqui reside um ponto crucial que as empresas contratantes desses serviços de transporte precisam observar com lupa: a saúde emocional desses colaboradores não é apenas uma questão humanitária, mas também um fator determinante para a segurança do paciente. A condução de uma motocicleta ágil no trânsito ou a concentração exigida ao volante de um veículo maior são habilidades que se esvaem quando a mente está sobrecarregada. Um estudo divulgado pela QUT Centre for Accident Research and Road Safety, por exemplo, evidencia como a ansiedade pode retardar significativamente o tempo de reação dos motoristas e distraí-los da estrada, especialmente em ambientes urbanos complexos.

Nesse contexto, a norma ISO 45001, que estabelece requisitos para um sistema de gestão de saúde e segurança ocupacional, emerge como uma referência essencial. Ela preconiza a criação de ambientes de trabalho seguros e saudáveis, abrangendo tanto a saúde física quanto a mental. As empresas de transporte, assim como aquelas que as contratam, deveriam ter essa norma como um guia para implementar práticas que visem o bem-estar de seus condutores.

A segurança do paciente, nesse intrincado sistema, é uma consequência direta da atenção e da perícia do motorista. Imaginemos a fragilidade de uma amostra que necessita de condições específicas de temperatura durante o transporte. Um profissional exausto ou ansioso pode, mesmo que involuntariamente, cometer erros no manuseio ou no monitoramento dessas condições, comprometendo a qualidade do material e, em última instância, o diagnóstico ou o tratamento do paciente.

Estudos como os conduzidos por Mauricio Robayo Tamayo, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e Bartholomeu Tôrres Tróccoli, da Universidade de Brasília, em suas pesquisas sobre burnout em diferentes contextos profissionais, incluindo áreas como enfermagem e polícia civil, ressaltam a importância de se compreender a exaustão emocional como um fator central nesse fenômeno. A sobrecarga mental e emocional, inerente a profissões de alta demanda como a de motoristas de transporte, pode levar à diminuição da atenção e da capacidade de tomada de decisão, elevando os riscos no desempenho de suas atividades. É imperativo, portanto, que as empresas adotem medidas proativas para identificar e mitigar esses riscos, investindo em programas de apoio à saúde mental e em condições de trabalho mais humanas para seus motoristas.

Mas não podemos nos esquecer de um outro ator, muitas vezes negligenciado, que interfere diretamente nessa equação: o clima. As mudanças climáticas, impulsionadas por ações humanas que ainda persistem, têm nos apresentado um cenário de extremos meteorológicos cada vez mais frequentes e intensos. Dias de calor escaldante alternam-se com enchentes avassaladoras, secas prolongadas dão lugar a tempestades inesperadas. Para o motorista que está na estrada, seja de moto ou de carro, essas condições climáticas adversas representam um fator adicional de estresse e perigo. A visibilidade reduzida pela chuva intensa, o asfalto escorregadio, o calor sufocante que causa fadiga precoce – tudo isso agrava os riscos e exige ainda mais da atenção e da resiliência emocional do condutor.

É fundamental reconhecer que a “perfeição” no transporte, especialmente quando vidas dependem dele, passa invariavelmente pela consideração da saúde integral de quem o realiza. As empresas contratantes têm o poder e a responsabilidade de exigir que seus parceiros de transporte adotem práticas que priorizem o bem-estar de seus motoristas. Essa atenção à saúde emocional não é um custo, mas sim um investimento na segurança, na qualidade do serviço e, em última análise, na vida dos pacientes.

Portanto, ao pensarmos em ESG e transporte, não podemos nos limitar a discutir a otimização de rotas ou a redução da emissão de carbono. Precisamos olhar para a estrada da alma de cada condutor, reconhecendo os desafios que enfrentam e oferecendo o suporte necessário para que possam realizar seu trabalho com segurança, atenção e, acima de tudo, com a saúde mental preservada. Afinal, a carga mais preciosa que eles transportam é a esperança de recuperação e bem-estar daqueles que aguardam do outro lado da linha.

 

Por Dr Cristhian Roiz 

Biomédico Especialista em Regulamentações do Transporte da Saúde, fundador do Programa de Qualidade em Transporte da Saúde (PQTS);  

Email de contato: contato@crisroiz.com.br