O fator antinúcleo (FAN), ou anticorpos antinúcleo (ANA), é um exame utilizado como rasteio para presença de autoanticorpos nos casos de suspeita de doenças autoimunes. Com a melhora técnica para realização desse teste, houve, consequentemente, aumento da sua sensibilidade e prejuízo da especificidade.
Dessa forma, pacientes sem quaisquer evidências clínicas de doença autoimune passaram a apresentar FAN positivo. Um outro fator que piorou a especificidade do exame foi o aumento da solicitação pouco criteriosa do teste por não-especialistas.
Exame FAN
É muito comum no consultório do reumatologista a solicitação de consultas para pacientes que apresentaram um resultado de FAN positivo, solicitado para um check-up ou por dores de características mecânicas, sem nenhum outro critério para doença autoimune.
O FAN não é um exame de triagem de doença reumatológica para a população geral, e sim, um rastreio de autoanticorpos para pacientes que realmente apresentam suspeita clínica de doença autoimune. Na maioria das vezes, exames positivos solicitados por queixas vagas e inespecíficas não só atrapalham o raciocínio clínico como deixam o paciente preocupado desnecessariamente.
No geral, pacientes com doença autoimune apresentam FAN positivo em títulos moderados (1/160 e 1/320) a elevados (≥ 1/640), enquanto a população saudável costuma apresentar baixos títulos. Isso não é uma verdade absoluta; exceções existem em ambas as situações.
Padrão FAN
O padrão do FAN – analisado por profissional experiente – nos dá dicas que ajudam na definição da importância do resultado dentro do contexto clínico. O padrão nuclear pontilhado fino denso é um padrão encontrado principalmente na população saudável, mesmo em títulos elevados. Sua positividade em um contexto em que o paciente não tem sintomas ou alterações laboratoriais, mesmo em títulos elevados, não deve gerar preocupação ou indicar aprofundar a investigação.
Já outros padrões de FAN, como o nuclear homogêneo ou o nuclear pontilhado grosso, devem ser considerados como sinal de alerta para a possibilidade de surgimento de doença autoimune, uma vez que esses padrões são mais específicos de doenças reumatológicas.
Por exemplo, o padrão nuclear homogêneo representa o anti-DNA nativo, anticorpo com grande especificidade no diagnostico de lúpus eritematoso sistêmico (LES); o padrão nuclear pontilhado grosso representa os autoanticorpos anti-RNP (encontrados no LES e na doença mista do tecido conjuntivo) e o anti-Sm (um dos autoanticorpos mais específicos de lúpus).
Nesses casos, independente do título encontrado (a partir de 1/160), devemos solicitar exames imunológicos mais detalhados e exames laboratoriais gerais – incluindo hemograma, VHS, PCR, ureia, creatinina, urina 1, relação proteína/creatinina na amostra isolada de urina.
O seguimento do paciente assintomático pode ser feito anualmente, mas em caso de surgimento de sintomas ou de alterações laboratoriais, o retorno deve ser adiantado e realizado em intervalos menores. Um FAN sugestivo pode preceder o surgimento dos primeiros sintomas de LES em até nove anos. Um ponto importante a se considerar é que o FAN pode positivar na vigência de infecções, de neoplasias, durante o uso de algumas medicações, na presença de doença alérgica crônica ou outras doenças.
Take-home message
Em suma, o FAN (ou quaisquer outros autoanticorpos) não deve ser solicitados de rotina ou na presença de sintomas vagos não sugestivos de doença reumatológica. Na eventualidade de receber um paciente com FAN positivo, analise o título e o padrão encontrados. O padrão nuclear pontilhado fino denso é frequente na população saudável e não deve ser valorizado na ausência de sintomas.
Padrões patológicos como o nuclear homogêneo e o nuclear pontilhado grosso, por exemplo, devem ser seguidos com periodicidade definida caso a caso; no geral acompanhamento anual ou semestral são suficientes. Evitar solicitar o FAN na vigência de infecção, uma vez que a taxa de falso positivo é alta; lembrar de avaliar as medicações utilizadas pelo paciente.
Caso o exame seja bem indicado, ele é extremamente útil para elucidação diagnóstica. Caso desnecessário, o exame cria estresse para o médico (que acaba encaminhando o paciente desnecessariamente para o reumatologista) e para o paciente (que fica na expectativa de ter uma doença crônica e/ou grave). O seguimento do FAN positivo em pacientes a princípio saudáveis (mesmo em padrões patológicos) pode ser realizado na unidade básica ou pelo clínico geral; em caso de surgimento de sintomas ou dúvidas, encaminhar ao reumatologista.
Referências:
- Francescantonio Paulo Luiz Carvalho, Cruvinel Wilson de Melo, Dellavance Alessandra, Andrade Luis Eduardo Coelho, Taliberti Ben Hur, von Mühlen Carlos Alberto et al . IV Consenso Brasileiro para pesquisa de autoanticorpos em células HEp-2. Rev. Bras. Reumatol. [Internet]. 2014 Feb [cited 2019 Apr 30] ; 54( 1 ): 44-50. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0482-50042014000100044&lng=en. http://dx.doi.org/10.1016/j.rbr.2013.10.001.
- Francescantonio Paulo Luiz Carvalho, Andrade Luis Eduardo Coelho, Cruvinel Wilson de Melo, Araújo Flávia Ikeda e, Dellavance Alessandra, Gabriel Júnior Alexandre et al . III Consenso Brasileiro para Pesquisa de Autoanticorpos em Células HEp-2: perspectiva histórica, controle de qualidade e associações clínicas. J. Bras. Patol. Med. Lab. [Internet]. 2009 June [cited 2019 Apr 30] ; 45( 3 ): 185-199. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-24442009000300003&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/S1676-24442009000300003.
Com informações de Pebmed, texto de Gabriela Guimarães Moreira Balbi.