Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e colaboradores de outras instituições analisaram tendências nas taxas de prevalência, mortalidade e morbidade associadas a pressão arterial sistólica (PAS) elevada no Brasil entre 1990 e 2017.
No artigo, publicado em setembro no periódico Population Health Metrics, [1] os autores fazem uma análise dos dados do estudo Global Burden of Disease 2017 (GBD 2017), [2,3,4] do Institute of Health Metrics and Evaluation (IHME), da University of Washington, nos Estados Unidos. Os resultados mostram uma tendência de aumento na prevalência de hipertensão durante o período analisado e de queda na taxa de mortalidade padronizada por idade.
O Dr. Bruno Ramos Nascimento, cardiologia intervencionista do Hospital das Clínicas da UFMG, professor da mesma universidade e primeiro autor do estudo em tela, falou ao Medscape sobre o trabalho.
O estudo GBD é um grande projeto internacional que analisa vários problemas de saúde, entre eles, a PAS elevada em participantes com 25 anos de idade ou mais, em pessoas de 204 países e territórios, incluindo o Brasil. No estudo em tela, os pesquisadores usaram uma avaliação de risco comparativa desenvolvida para o estudo GBD para estimar tendências em mortes atribuíveis à PAS elevada e em anos de vida ajustados por incapacidade (DALY, sigla do inglês Disability-Adjusted Life-Years) por sexo e unidade federativa brasileira.
Na análise, pressão arterial sistólica elevada foi definida como > 140 mmHg e, seguindo a estimativa do estudo GBD 2017, foram incluídos 14 desfechos relacionados com PAS elevada. Segundo o Dr. Bruno, isso significa que um determinado fator de risco (como hipertensão) tem impacto sobre 14 possíveis desfechos, ainda que não seja a única causa.
De acordo com a estimativa do GBD 2017, a presença de pressão arterial sistólica elevada a partir dos 25 anos de idade está relacionada com os seguintes desfechos: doença cardíaca isquêmica, acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico, AVC hemorrágico, doença cardíaca hipertensiva, cardiomiopatia, fibrilação atrial, aneurisma de aorta, doença cardíaca reumática, doença vascular periférica, endocardite, doença renal crônica, hemorragia subaracnoide, doença valvar aórtica calcificada e outras doenças cardiovasculares.
Os resultados do estudo em tela mostram que a prevalência de pressão arterial sistólica elevada padronizada por idade aumentou no período analisado no Brasil, passando de 16,9% em 1990 para 18,9% em 2017. Essa taxa se manteve consistentemente mais elevada entre homens do que entre mulheres e, apesar da tendência positiva de aumento, o incremento vem diminuindo ao longo dos anos (a taxa de aumento anual médio foi de 0,4%). Por outro lado, os autores identificaram que a taxa de mortalidade padronizada por idade atribuível à PAS elevada diminuiu, caindo de 189,2 mortes por 100 mil habitantes em 1990 para 104,8 por 100 mil habitantes em 2017.
O número absoluto de mortes atribuíveis à PAS elevada, no entanto, aumentou 53,4% e a PAS elevada, que antes ocupava a terceira posição dentre os principais fatores de risco de morte no período analisado, tornou-se a primeira nesse ranking. A PAS elevada também passou a ser um fator mais importante com relação aos DALY, subindo da quarta posição em 1990 para a segunda em 2017.
O Dr. Bruno explicou que o aumento da prevalência de PAS elevada observado na pesquisa provavelmente está associado ao envelhecimento da população brasileira, além de ao estilo de vida e comportamentos em saúde, por exemplo, prática de atividade física, hábitos alimentares, entre outros. Por outro lado, o pesquisador acredita que a queda da taxa de mortalidade padronizada provavelmente reflete um melhor controle da doença, em diversos níveis – indo desde o aumento de educação em saúde, conscientização da população e campanhas públicas, até maior disponibilidade e acesso ao tratamento. “No entanto, vale ressaltar que a mortalidade não padronizada por idade tem aumentado, o que provavelmente reflete uma maior mortalidade atribuível à hipertensão em faixas etárias mais elevadas, também como uma consequência da mudança da composição etária do país”, ponderou o especialista.
Segundo o médico, o efeito de aumento das taxas cruas (não padronizadas), em contraste com a redução das taxas padronizadas por idade, está relacionado com o crescimento da população, ou seja, quanto maior a população, maior o total de indivíduos expostos à hipertensão e, consequentemente, o total de mortes e DALY também aumenta. Ele afirmou ainda que as taxas ocorrem de forma desproporcional entre as faixas etárias. “Assim, a melhora das políticas de controle das doenças cardiovasculares, incluindo a hipertensão, se reflete globalmente em menores taxas de mortalidade e DALY padronizados por idade, como as melhores métricas para se avaliar o impacto populacional de tais medidas. Entretanto, as mudanças na composição etária do país resultam em um aumento desproporcional dos desfechos na população mais idosa (que cresce progressivamente no Brasil) e, de forma semelhante, o crescimento populacional resulta em um maior número absoluto de indivíduos expostos à hipertensão e, consequentemente, aos desfechos relacionados”, disse.
A pesquisa mostrou ainda que a redução nas taxas de mortalidade padronizada por idade atribuível à PAS elevada esteve correlacionada com índice de desenvolvimento sociodemográfico mais alto, ou seja, estados brasileiros com melhor indicador sociodemográfico tiveram maior sucesso na redução dessas taxas. No Ceará, por exemplo, essa taxa caiu 16,5% entre 1990 e 2017, enquanto no Espírito Santo a queda foi de 54,6%.
É interessante notar ainda, segundo o Dr. Bruno, que a metodologia do estudo GBD considera a variável PAS elevada aferida pelos estudos analisados para definir todas as métricas associadas à hipertensão (mortalidade, morbidade, prevalência e etc.). Dessa forma, explicou o médico, basicamente entende-se o conceito do GBD como os casos de pacientes sem diagnóstico prévio ou não adequadamente tratados, resultando em medidas elevadas no momento da aferição.
“Esta metodologia é diferente de vários estudos e inquéritos epidemiológicos, que também consideram fatores como o diagnóstico de hipertensão relatado pelo paciente ou mesmo a utilização de medicamentos anti-hipertensivos. Assim, há uma tendência em se observar valores de prevalência no estudo GBD inferiores aos de outros estudos. Os achados, no entanto, revelam que uma grande e ainda crescente parcela da população ou não tem o diagnóstico adequado ou não está recebendo a terapêutica adequada, o que aponta para a necessidade de reforço de medidas públicas de controle, como campanhas de educação em saúde, políticas de prevenção e diagnóstico precoce, estratégias para engajamento dos pacientes para melhor aderência ao controle clínico, disponibilização de medicamentos, entre outros.”
“Tais estratégias devem ser amplas e dirigidas a todas as faixas etárias, com enfoque especial na população mais velha. Além disso, considerando o crescimento e envelhecimento populacional, o país deve estar preparado para o aumento dos custos direta e indiretamente associados à hipertensão, buscando implementar e reavaliar continuamente as medidas para seu adequado controle”, concluiu.
Com informações de Teresa Santos (colaborou Dra. Ilana Polistchuck) – Hipertensão no Brasil: Prevalência, mortalidade e morbidade – Medscape