Bruna Santos de Andrade1, Camilla Rodrigues de Moraes1, Natália Helen Reimer de Abreu1, Yasmin Bezerra de Melo 1, Wanderson Cosme da Silva 1
1Universidade São Judas Tadeu
Edição Vol. 7, N. 7, 11 de Dezembro de 2020
ISSN 2318-5880
Resumo
O objetivo desta revisão bibliográfica é identificar os principais motivos da hipercoagulabilidade em pacientes acometidos com câncer de pulmão, tendo também como proposta a atualização sobre prevenção e os riscos da doença para o paciente.
Palavras-chave: Neoplasias Pulmonares; Trombofilia.
Introdução
Coágulos são, de maneira elementar, um acúmulo de células num local de dano vascular, que visa contém um sangramento ou hemorragia. Uma série de eventos bioquímicos e celulares complexos desencadeiam o processo de coagulação. Quando desregulados, esses processos geram risco de hemorragia ou trombose. Assim, a formação e o tamanho do coágulo (figura 1) são minunciosamente regulados e controlados por diversos processos anticoagulantes, que exercem sua ação inibitória em alguns estágios da coagulação sanguínea. (1).
Vários fatores e doenças podem levar à desregulação dos processos de coagulação, gerando uma condição de hipercoagulação, que pode ser definida como a tendência a desenvolver trombose como resultado de determinados defeitos moleculares herdados e/ou adquiridos. As síndromes de hipercoagulabilidade têm por característica não possuírem um processo de doença uniforme, mas sim uma sucessão de condições predisponentes que podem ou não serem expressas como trombose, que dependerá da força e número dessas condições (2).
O tromboembolismo venoso (TEV) é uma condição onde há hipercoagulação. Ele inclui tanto a trombose venosa profunda, que ocorre quando há coagulação em veias profundas, quanto o tromboembolismo pulmonar, que ocorre quando um coágulo é liberado e acaba por se depositar em artérias pulmonares (3).
Vários são os fatores de risco que se correlacionam com o aparecimento de TEV, como idade avançada, obesidade e imobilidade. Ultimamente, o câncer também tem sido investigador como um dos fatores de risco para TEV, apesar de os mecanismos envolvidos nessa correlação ainda não terem sido totalmente esclarecidos (3). Cerca de 10% dos pacientes com câncer de pulmão, por exemplo, apresentam o TEV sintomático e esse estado clínico pode estar associado ao aumento da mortalidade e à baixa qualidade de vida (4). Os sintomas clínicos de TEV associado ao câncer englobam embolia pulmonar, trombose venosa profunda e trombose da veia visceral (5).
O sistema de coagulação é essencial para a homeostase sanguínea, além de coordenar a síntese e secreção celular, também pode prevenir a perda de sangue, iniciar a cicatrização e a remodelação do tecido (6). Assim, problemas e déficits relacionados a esse sistema devem sempre ser investigados e sua prevenção pode levar à diminuição da mortalidade e melhora na qualidade de vida dos pacientes.
Figura 1 – Doença tromboembólica no paciente oncológico (Portal PEBMED, 2018)
1. Câncer
O câncer é um grande problema de saúde pública no mundo, sendo uma das quatro principais causas de morte prematura (antes dos 70 anos) na maioria dos países (7). O câncer é causado por mutações genéticas, ou seja, por alterações no DNA da célula, que passam a dar falsos indícios de sua atividade. Essa mudança pode acontecer em um gene que é inicialmente inativo nas células normais denominado proto-oncogene. Após sua ativação, o proto-oncogene tornar-se-á um oncogene, transformando células normais em células cancerosas (8). Essas células se multiplicam de forma acelerada e tendem a ser agressivas e incontroláveis, levando à formação de tumores, que possuem a capacidade de espalhar-se para outras partes do corpo (9).
Diversos estudos epidemiológicos guiaram à definição de fatores que podem estar associados ao aparecimento do câncer. Ao longo dos anos, os fatores de riscos foram identificados e separados em cinco categorias, sendo eles: dieta e inatividade física, substâncias aditivas (uso de tabaco e álcool), saúde sexual e reprodutiva (infecções sexualmente transmissíveis), riscos ambientais (poluição do ar, combustíveis sólidos, tabagismo passivo) e contaminação venosa pelos vírus das hepatites B e C (10).
2. Câncer de Pulmão
Dentre as neoplasias, o câncer de pulmão tornou-se o mais comum há algumas décadas (11). Nos estágios iniciais, não é comuns o aparecimento de sintomas desse câncer, por esse motivo geralmente o diagnóstico é feito nos estágios mais avançados, aumentando assim a probabilidade de sintomas mais debilitantes, desfechos desfavoráveis e falhas de intervenções. Apenas 20% das neoplasias são diagnosticadas em fases iniciais, o que impede o tratamento precoce e aumenta a progressão da doença (12). Em consequência do diagnostico tardio, muitos pacientes não podem ser submetidos ao tratamento curativo, sendo necessário o uso de tratamentos paliativos com a quimioterapia e radioterapia (13).
Embora existam muitos esforços para o diagnóstico precoce, como o acompanhamento de indivíduos em alto risco e de pacientes com sintomas para a realização imediata de exames, a grande parte dos cânceres de pulmão é encontrada em fases avançadas. Neste caso, os pacientes são selecionados e encaminhados para quimioradioterapia neoadjuvante, que auxilia na diminuição do tamanho do tumor e realiza a ressecabilidade do mesmo. Caso não apresente resultados, os pacientes em estágio avançado são tratados com a quimiorradioterapia concomitante (utilização da quimioterapia e radioterapia simultaneamente) (14).
O principal fator de risco evitável do câncer de pulmão é o tabagismo, sendo que o aumento da incidência de mortalidade por câncer de pulmão é proporcional ao número de fumantes na população no decorrer dos anos (2).
2.1 Câncer de pulmão e alterações de coagulação
Sabe-se que o câncer está ligado ao aumento no índice de trombose (15). Ele leva a um estado de hipercoagulabilidade sistêmica que aumenta o risco basal de trombose em pacientes com a doença. Este estado expressa uma interação complexa entre as células cancerosas, as células hospedeiras e o sistema de coagulação como parte da reação do hospedeiro ao câncer (3).
Os cânceres mais relacionados ao surgimento de TEV são o de mama, colorretal e de pulmão. No câncer de pulmão em especial, 15% dos pacientes apresentam tromboembolismo venoso no decorrer da doença. Os mecanismos envolvidos nessa relação ainda não estão totalmente elucidados, mas pesquisas demonstram que o episódio trombótico pode estar relacionado à capacidade das células tumorais de ativarem a cascata de coagulação de forma direta, o que pode resultar em trombose ou até mesmo induzir propriedades pró-coagulantes e inibir os anticoagulantes em células endoteliais vasculares, macrófagos, monócitos e plaquetas (16). Além disso, em pacientes com câncer de pulmão, há desequilíbrio entre fatores pró-coagulantes e anticoagulantes, o que pode contribuir para a embolia pulmonar (17).
3. Fatores pró coagulantes
Alguns cânceres produzem fatores pro-coagulantes, que influencia, na cascata de coagulação, levando a estados hipertrombóticos. Dentre os fatores mais analisados, está: o fator tecidual (FT), que forma um complexo com o fator de coagulação VII, com o objetivo de ativar os fatores X e XI da cascata de coagulação e o fator oncológico. A etapa final deste processo é a transformação de protrombina em trombina, um dos componentes finais necessários para a coagulação sanguínea (6).
A partir da ativação da cascata do sistema de coagulação, com a produção de trombina, formação e deposição de fibrina nos vasos sanguíneos, é realizado o processo da coagulação intravascular disseminada (CID), parcialmente regulado pelo sistema fibrinolítico (6). Com a ativação da cascata de coagulação, forma-se a trombina e consequentemente a fibrina, as quais auxiliam no crescimento e propagação das células neoplásicas. Particularmente, a fibrina possui a capacidade de regular o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) nas células neoplásicas e no endotélio, possuindo um efeito significativo para a geração de novos vasos sanguíneos (6).
Além disso, no câncer, há um estado inflamatório, em que são produzidas citocinas. As citocinas produzidas por células tumorais (TNF e IL-1) atuam no estímulo de células endoteliais íntegras, enquanto os monócitos expressam o FT em sua membrana externa, o que ativa a cascata de coagulação (18). Dessa forma, o começo da coagulação sanguínea pelo FT pode ocorrer de forma direta, através da expressão na superfície de células neoplásicas ou de forma indireta, por meio da ação em células endoteliais, monócitos, macrófagos e fibroblastos, logo após o estímulo inflamatório (4).
4. A quimioterapia e o risco de trombose
A quimioterapia aumenta o risco de trombose. O câncer por si só aumenta em quatro vezes o risco de desenvolvimento de TEV, enquanto a quimioterapia amplifica esse risco em até seis vezes (4).
O mecanismo real de desenvolvimento de trombose no câncer ainda está em discussão, no entanto, a conexão entre a quimioterapia e a trombose já é amplamente aceita. A proposta para a relação entre eles, refere-se à capacidade de formação de micropartículas apoptóticas, uma vez que a maioria dos quimioterápicos induz a morte celular por meio da apoptose (18).
Quando a célula entra em apoptose, um dos eventos verificados é a desestruturação da camada de lipídios, gerando o acúmulo de trombina na região. Em condições normais, A organização das camadas lipídicas da membrana externa das células, não expõe a fosfatidilserina (FS), no entanto, na apoptose, com a desestruturação da camada de lipídos, a FS é exposta, e como ela é da classe de lipídios aniônicos, possui capacidade de estimular o início da coagulação e gerar uma resposta imunológica e, após sofrer fagocitose, os antifosfolipídios irão estimular um estado de hipercoagulabilidade (18).
5. Conclusão
O sistema de coagulação e o câncer de pulmão possuem uma ligação complexa, envolvendo eventos trombóticos considerados de alto risco e que causam alta mortalidade. O paciente com câncer pode se tornar mais suscetível ao TEV devido à sua biologia e seus diferentes tratamentos, já que as células neoplásicas podem ativar o mecanismo de coagulação através de substâncias pró-coagulantes, levando o indivíduo a um estado de hipercoagulabilidade e maiores chances de formação de trombos, o que pode agravar o caso de forma significativa. Além disso, a quimioterapia que pode ser aplicada também pode levar a um estado trombótico, que passa pela desestabilização da membrana celular causada pela apoptose, induzida por quimioterápicos.
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