Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) elucidaram a estrutura molecular completa do vírus Mayaro, que pode ser transmitido para humanos por meio de mosquitos e causar sintomas como dor de cabeça, febre alta e dores nas articulações. Os resultados do estudo, apoiado pela FAPESP, foram divulgados na revista Nature Communications e poderão ser úteis para o desenvolvimento de novos métodos de diagnóstico, medicamentos e imunizantes.
O vírus foi inicialmente identificado em Trinidad e Tobago na década de 1950 e se espalhou pelas Américas. Atualmente, a febre do Mayaro é uma das doenças endêmicas negligenciadas no Brasil e, como os sintomas são muito parecidos com os da chikungunya e da dengue, há dificuldades de diagnóstico que prejudicam muito o planejamento de estratégias de controle.
Dados epidemiológicos mostram que o vírus vinha circulando há décadas pelas regiões Norte e Nordeste e que o número de pacientes infectados tem aumentado no Centro-Oeste e Sudeste nos últimos anos. Entretanto, acredita-se que o número de casos ainda seja subnotificado.
Desde 2017, pesquisadores do Laboratório Nacional da Biociências (LNBio) e do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), ambos do CNPEM, trabalham nos métodos de padronização, preparação de amostras hiperconcentradas de vírus infeccioso e coleta de dados para compreender detalhes da biologia do vírus Mayaro. O trabalho contou com a dedicação de 20 pesquisadores e colaboradores ao longo de três anos e meio, empregou equipamentos sofisticados de criomicroscopia eletrônica e técnicas avançadas de biologia para revelar a estrutura do vírus com resolução de 4.4 angstrom, aproximadamente 100 mil vezes menor que a espessura de um fio de cabelo
“Neste trabalho, descrevemos a partícula infecciosa do vírus Mayaro, incluindo todas as proteínas que a compõem. Foram usadas técnicas que permitiram observar detalhes da biologia viral que não tinham sido descritos em outros trabalhos e que representam um avanço em nossas capacidades de combate e entendimento da doença”, explica Rafael Elias Marques, pesquisador do CNPEM.
Uma das principais técnicas adotadas foi a criomicroscopia eletrônica, que permite enxergar a estrutura atômica tridimensional de moléculas biológicas e vem sendo amplamente empregada para compreender detalhes de outros vírus, como o SARS-CoV-2.
“No CNPEM, operamos um parque de microscopia eletrônica único na América Latina. Esse conjunto de equipamentos é aberto para uso gratuito da comunidade científica e foi formatado para conferir competitividade internacional às pesquisas brasileiras em biologia estrutural”, explica o pesquisador Rodrigo Portugal.
“Handshake”
O trabalho descreve como o vírus se organiza e como suas proteínas interagem para atingir essa organização, o que é importante para entender seu ciclo de replicação e eventuais vulnerabilidades que podem ser alvo de novos tratamentos.
“Quando conhecemos em detalhes as proteínas que compõem a estrutura de um vírus conseguimos diferenciá-lo de outros patógenos, colaborando para o desenvolvimento de um diagnóstico mais específico da doença. Além disso, podemos identificar de forma racional moléculas que sejam capazes de se ligar ao vírus e inibir sua replicação ou entrada na célula humana, levando ao desenvolvimento de medicamentos capazes de combater a infecção”, explica Helder Ribeiro, pesquisador do CNPEM.
Na estrutura, revelada pela primeira vez, um dos detalhes que chamam atenção são as cadeias de açúcares ligadas na proteína E2. Esses açúcares estão voltados uns para os outros em uma configuração que se assemelha a um aperto de mãos e que, portanto, foi apelidada de “handshake” (aperto de mãos em inglês). Os pesquisadores acreditam que esses açúcares, além de serem reconhecidos pelo sistema imunológico, podem ajudar o vírus a se organizar e ficar mais estável. A função dessa parte específica do vírus está entre os temas que continuarão sendo estudados pelos pesquisadores.
Próximos passos
No Sirius, uma das mais avançadas fontes de luz síncrotron do mundo, projetada e construída por pesquisadores do CNPEM, é possível realizar experimentos fundamentais para o desenvolvimento de novas soluções para lidar com o Mayaro e outros vírus que afligem a população brasileira.
“A relevância e o ineditismo dessa pesquisa refletem o potencial da ciência brasileira para atuar na fronteira do conhecimento. Esse trabalho é também um exemplo da importância de mantermos infraestrutura de ponta no país e, principalmente, recursos humanos qualificados que buscam respostas para perguntas audaciosas e complexas”, destaca Antonio José Roque, diretor-geral do CNPEM.
O trabalho contou com financiamento da FAPESP por meio de três projetos: 2018/03917-6, 2017/15340-2 e 2018/00629-0.
O artigo Cryo-EM structure of the mature and infective Mayaro virus at 4.4 Å resolution reveals features of arthritogenic alphaviruses pode ser lido em www.nature.com/articles/s41467-021-23400-9.
FONTE: Agência FAPESP*
* Com informações da Assessoria de Comunicação do CNPEM.