A Cromatografia de Fluido Supercrítico (SFC) é uma técnica que combina princípios da cromatografia líquida e gasosa, utilizando como fase móvel um fluido pressurizado em condições próximas ou acima do ponto crítico, geralmente o dióxido de carbono (CO₂). Com características únicas de solvatação, difusão e viscosidade, o fluido supercrítico proporciona separações rápidas, eficientes e sustentáveis, especialmente úteis na análise de compostos quirais, lipofílicos e termolábeis.
Este artigo apresenta os fundamentos da SFC, seus componentes, mecanismo de separação, aplicações práticas e comparações com a HPLC convencional, destacando quando essa tecnologia pode ser a melhor escolha analítica.
Embora o termo “HPLC de Fluido Supercrítico” seja encontrado em materiais técnicos e comerciais, o mais adequado é considerar a SFC como uma técnica distinta nem HPLC, nem GC, mas com características que dialogam com ambas.
1. Fundamentos da Cromatografia de Fluido Supercrítico (SFC)
A SFC utiliza como fase móvel um composto em seu estado supercrítico, geralmente o CO₂, que combina as propriedades de um gás (baixa viscosidade e alta difusividade) com as de um líquido (capacidade de solvatação).
O estado supercrítico é atingido quando a substância ultrapassa sua temperatura e pressão críticas. No caso do CO₂:
- Temperatura crítica: 31,1 °C
- Pressão crítica: 73,8 bar
Importante observar que, na prática, o uso de modificadores como metanol ou acetonitrila em concentrações acima de 5–10% pode afastar o fluido das condições críticas puras do CO₂. Nesses casos, o sistema é tecnicamente considerado subcrítico, embora funcionalmente mantenha as características desejadas da SFC.
2. Mecanismo de Separação
A separação ocorre com base em interações entre os analitos e a fase estacionária, geralmente semelhantes às observadas na HPLC de fase normal.
Contudo, devido à alta difusividade do fluido supercrítico e à baixa viscosidade, a transferência de massa é mais eficiente, permitindo:
- Altas velocidades lineares
- Baixa queda de pressão
- Picos mais estreitos e maior resolução em menor tempo
O equilíbrio entre a polaridade da fase estacionária e a força do modificador orgânico é essencial para controlar a retenção e a seletividade.
3. Componentes do Sistema de SFC
Embora similar em aparência a um sistema HPLC, a SFC requer ajustes específicos:
- Bomba de CO₂ pressurizada e termostatizada
- Misturador de fase móvel (modificador + CO₂)
- Restritor de pressão para manter o estado supercrítico na saída da coluna
- Colunas compatíveis com pressão e interações com CO₂
- Detectores UV, ELSD ou MS, com adaptações para o despressurizador
Em relação às colunas, é importante destacar que a maioria das colunas de fase normal, reversa ou HILIC pode ser utilizada sem modificações específicas. A principal limitação está em colunas quirais com fase estacionária “coated” (revestida), que podem ser solubilizadas pelo CO₂. Colunas com ligantes “immobilized” são preferidas para aplicações quirais.
4. Aplicações da SFC
4.1. Indústria Farmacêutica
- Separação de enantiômeros em fármacos quirais
- Purificação preparativa de intermediários sintéticos
- Estudos de impurezas e degradação
- Estudos recentes demonstram o uso da SFC para análise de peptídeos e compostos iônicos, com a adição de até 10% de água ao modificador para facilitar a solubilização de sais
4.2. Análises Lipofílicas
- Compostos graxos, esteróis, vitaminas lipossolúveis
- Fracionamento de óleos e ceras
4.3. Produtos Naturais
- Extração e análise de terpenos, alcaloides, flavonoides
- Purificação de compostos bioativos com baixa polaridade
4.4. Indústria Cosmética e de Alimentos
- Determinação de aditivos, fragrâncias e antioxidantes
- Monitoramento de contaminantes lipofílicos
5. Vantagens da Cromatografia com Fluido Supercrítico
- Alta eficiência cromatográfica com menor tempo de análise
- Menor consumo de solventes orgânicos
- Excelente seletividade para compostos apolares e quirais
- Facilidade de acoplamento com espectrometria de massas (MS)
- Processo mais sustentável e limpo (green chemistry)
6. Limitações e Considerações Práticas
- Equipamentos SFC ainda são mais caros e requerem treinamento especializado
- Compatibilidade limitada com compostos altamente polares ou iônicos
- Requer controle preciso de pressão, temperatura e composição da fase móvel
- Os sistemas modernos de SFC já oferecem controle robusto e automatizado de pressão e composição da fase móvel. Entretanto, o volume interno do sistema costuma ser maior que o de um sistema UHPLC convencional, o que pode comprometer a eficiência teórica da separação em análises muito rápidas
- Embora muitas colunas sejam compatíveis com SFC, colunas quirais com revestimento (“coated”) devem ser evitadas, pois o CO₂ sob pressão pode solubilizar a fase estacionária
- A integração com detectores evaporativos ou MS exige otimização cuidadosa
7. Quando Utilizar a SFC?
Conclusão
A Cromatografia de Fluido Supercrítico (SFC) representa uma tecnologia analítica versátil e de alta performance, especialmente útil em separações que desafiam os limites da HPLC convencional. Sua combinação de eficiência cromatográfica, sustentabilidade e seletividade torna a técnica indispensável em ambientes de P&D, purificação e controle de qualidade em setores farmacêutico, cosmético, alimentar e ambiental.
Ao considerar SFC, é fundamental compreender o estado físico real do fluido, a escolha adequada de colunas e modificadores, bem como as características do sistema cromatográfico. Quando bem aplicada, a técnica entrega separações rápidas, limpas e com excelente resolução, especialmente em matrizes complexas ou sensíveis à degradação.
Referências Bibliográficas
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- Lesellier, E., & West, C. (2015). The many faces of packed column SFC – A critical review. Journal of Chromatography A.
- Dong, M. W. (2006). Modern HPLC for Practicing Scientists. Wiley-Interscience.
- United States Pharmacopeia (USP) (2021). USP General Chapter <621> Chromatography.
- ICH Q2(R1). Validation of Analytical Procedures: Text and Methodology.
AUTOR:
Edwin Bueno é engenheiro químico e especialista em cromatografia, com mais de 13 anos de experiência no desenvolvimento de métodos analíticos. Atualmente é diretor técnico da Atuallabs e consultor técnico de grandes indústrias, dedica-se a otimizar processos, garantir a qualidade analítica e disseminar boas práticas laboratoriais, contribuindo para a excelência do setor.


