A descoberta de danos sistêmicos provocados pelo vírus da Covid-19 às mitocôndrias – também conhecidas como as “usinas” de energia das células – pode ser a peça-chave para novos tratamentos em quadros graves da doença e casos de Covid longa, segundo pesquisadores.
O estudo sobre os reflexos do SARS-CoV-2 em todo o corpo reuniu pesquisadores do Brasil, Coreia do Sul, Dinamarca, Estados Unidos e Paraguai e deu sequência a uma investigação conduzida por um grupo de pesquisadores da Universidade de Campinas (Unicamp) em 2020.
Há três anos, os cientistas identificaram que o vírus causava danos à mitocôndria, mas não havia comprovação sobre disfunções nas células em outras partes do corpo além do pulmão e do sistema imune. Agora, novas evidências revelam reflexos da infecção em órgãos como o coração, fígado, rins e gânglios linfáticos.
Vimos, na verdade, que essa disfunção mitocondrial, é generalizada pelo corpo. Não é só no sistema imune, mas todos os órgãos do nosso corpo, principalmente o coração, apresentam alterações nos genes que regulam a mitocôndria.
— Pedro Moraes Vieira, professor do Instituto de Biologia e líder do grupo de pesquisa na Unicamp
Como foi feita a pesquisa? Para entender como o vírus causador da doença age no corpo, os pesquisadores usaram:
- Modelos animais (hamsters e camundongos);
- Mais de 700 amostras de pacientes com Covid-19 em estágio inicial;
- 35 amostras de tecidos recolhidas na autópsia de pacientes com Covid-19 em estágio avançado.
Todas as amostras humanas foram coletadas durante a pandemia na cidade de Nova York, nos Estados Unidos. Por meio de análises laboratoriais, foi possível determinar que o SARS-CoV-2 afeta diretamente os genes mitocondriais, organelas que estão presentes em todo o corpo.
Como a infecção se manifesta na célula? O estudo revelou que a ação do vírus nas mitocôndrias prejudica as vias metabólicas, a produção de energia na célula e a ativação da resposta imune, ou seja, o processo de defesa do corpo.
Com isso, as células passam a buscar outra forma de produzir energia e recorrem à glicólise, processo de quebra da molécula de glicose em duas. Essa série de reações se torna “combustível” para o vírus, que desencadeia inflamações mais intensas e, consequentemente, casos mais graves de Covid-19.
“Entendíamos muito pouco por que a Covid afetava diferentes órgãos de forma tão distinta, principalmente o coração, por exemplo, não só o pulmão. Agora a gente vê que, na verdade, essa doença causa uma alteração na função da mitocôndria, que está presente em todas as nossas células, e pode muito bem levar a esses quadros generalizados da doença”, destaca Vieira.
Pedro Moraes Vieira, professor do Instituto de Biologia e líder do grupo de pesquisa na Unicamp — Foto: Pedro Moraes Vieira/Arquivo pessoal
Outro ponto que chamou a atenção dos pesquisadores foi a permanência dos efeitos do SARS-CoV-2. Mesmo após o vírus ser eliminado do organismo, os genes mitocondriais continuaram danificados em todo o corpo, o que pode ajudar a explicar por que alguns sintomas persistem mesmo depois da cura.
Por que é uma descoberta importante? Para os pesquisadores, o mapeamento da forma como o vírus age nas células e, em especial, a descoberta de que ele pode causar disfunções mitocondriais em todos os tecidos, abre caminhos para o desenvolvimento de novos tratamento contra a doença.
Isso pode ter implicações para Covid longa, já que essas alterações permanecem nos pacientes mesmo quando a gente não encontra mais vírus neles, e eles já se recuperaram da doença. […] Na ciência, nós só conseguimos criar tratamento para uma doença quando a gente entende como essa doença funciona. Então, certamente, isso vai ajudar bastante.
— Pedro Moraes Vieira, professor do Instituto de Biologia e líder do grupo de pesquisa na Unicamp
Matéria – Por Gabriella Ramos, g1 Campinas e Região
Imagem – Imagens de microscópio mostram partículas do coronavírus que causam a Covid-19 retiradas de um paciente nos EUA — Foto: NIAID-RML via AP