Três dias se passaram até a baiana Adiannyara Barbosa perceber que a cirurgia bariátrica realizada por ela não tinha mais volta, em 2009. “Por que você não cuidou da sua cabeça?”, questiona a si mesma hoje, aos 48 anos, lembrando ter passado pelo procedimento apesar de ter uma compulsão alimentar não tratada, algo contraindicado por especialistas. O transtorno mental a fez reganhar metade do peso perdido.
Coordenadora pedagógica em uma escola de Maceió, Alagoas, Adiannyara “é gorda desde que se entende por gente”, conforme ela mesma costuma dizer, mas não deixou que a obesidade a atrapalhasse: foi a muitas festas, beijou os caras desejados no carnaval, casou e deu à luz três filhos.
— Não tinha nenhum problema de saúde. A minha obesidade não me impedia de nada. Eu me achava linda e gostosa. Mas na última gestação, cheguei a 115 kg e percebi que estava engordando muito rápido. Comecei a pensar na cirurgia porque fiquei com medo de acabar morrendo — conta ela, que tem 1,67 m de altura.
Após a cirurgia, que compreende uma redução do tamanho do estômago, ela foi acompanhada por um psicólogo por pouco mais de um ano até que deixou o tratamento pós-operatório. Havia perdido 46 kg e tudo ia bem. Em 2018, porém, em meio ao estresse provocado pelo excesso de trabalho, se entregou mais uma vez à vontade de comer, consequência da compulsão alimentar. O resultado foi um reganho de peso, que a fez chegar bem próximo dos 100 kg novamente.
O caso de Adiannyara não é isolado. Um novo estudo realizado pela Universidade de São Paulo (USP) identificou que aproximadamente 92% dos pacientes bariátricos começam a reganhar peso, ou seja, readquirem pelo menos 20% do peso perdido com o procedimento, após dois anos da cirurgia.
A pesquisa identificou que esse reganho coincide com o momento em que os pacientes deixam de frequentar as consultas com o psicólogo.
— A maioria faz o acompanhamento por até dois anos. E é nessa hora que costumam ter algum reganho de peso. Até dois anos de bariátrica é a lua de mel, quando o paciente vai perdendo quilos, sendo reconhecido pela sociedade e pela família. Depois, percebe que muitas daquelas frustrações não foram resolvidas e começa o ciclo do reganho — afirmou Jogilmira Macêdo, autora do estudo da USP, que foi realizado com pacientes de um hospital em João Pessoa, na Paraíba.
O resultado da análise ainda apontou que cerca de 22% dos voluntários tinham algum grau de compulsão alimentar, grave ou leve —figurando como o transtorno mais associado ao reganho de peso.
Segundo a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), aproximadamente 60% das pessoas com obesidade sofrem de algum distúrbio psiquiátrico. Além da compulsão alimentar, a depressão também é muito comum entre elas.
De acordo com os últimos dados divulgados pela Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), o percentual de obesidade entre brasileiros acima de 18 anos chegou a 22%, em 2022.
Entretanto, há requisitos a serem seguidos por quem decide passar pelo procedimento. É preciso:
- apresentar IMC (índice de massa corporal) maior ou igual a 50 kg/m²;
- ter IMC maior ou igual a 40 kg/m² e já ter passado por tratamentos clínicos anteriores, por no mínimo dois anos, mas sem sucesso;
- ou apresentar IMC maior que 35 kg/m² e alguma comorbidade, como alto risco cardiovascular, diabetes, hipertensão arterial sistêmica de difícil controle, apneia do sono ou doenças articulares degenerativas e que não tenham obtido resultado positivo em tratamentos clínicos realizados, por no mínimo dois anos.
Esse passo a passo não foi seguido por Laura (nome fictício), de 27 anos, que passou pela cirurgia bariátrica quando tinha acabado de entrar na fase adulta e estava com 125 kg.
— Eu nem sabia o que estava fazendo. Eu já tinha 20 anos, mas ao mesmo tempo, eu só tinha 20 anos. Foi um embalo de coisas: a cirurgia me foi apresentada em agosto e em dezembro eu já estava operando.
Com o procedimento, perdeu 75 kg e se sentiu “realizada por muito tempo” com o resultado. Porém, com a compulsão alimentar e pressões externas acabou reganhando 60% do peso que havia emagrecido, e chegou aos 80 kg, para seus 1,64 m de altura.
Agora corre atrás do corpo dos sonhos com ajuda de uma nutricionista e treinando na academia. Isso, segundo ela, faz parte de um processo no qual entendeu que “a bariátrica veio para o resto da vida”.
— Não pode ser: “Cheguei, quero operar”. Isso faz parte de um processo — disse a psicóloga Aline Bernacchi, que atende pacientes com obesidade há dois anos no Hospital Adventista Silvestre, no Rio de Janeiro. — O paciente precisa manter esse tratamento para que consiga ter resultados a longo prazo, porque isso é o que dá suporte para ele mudar seu estilo de vida.
Apoio
O acompanhamento psicológico no pós-operatório, de acordo com a especialista, “é importante porque a pessoa precisa entender como chegou naquele estado” de obesidade. Mas, além dele, o paciente precisa de amparo da sociedade, em especial das pessoas mais próximas.
Há 18 anos, a técnica de enfermagem Simone Costa chegou aos 154 kg e decidiu fazer a bariátrica sem contar para a família. O único que sabia era seu marido. Conseguiu perder incríveis 94 kg, mas teve que enfrentar o desafio sozinha.
— Meu marido não queria que eu fizesse. Ele me apoiou, até porque só ele sabia que eu iria fazer, mas no primeiro dia, lá estava ele ao meu lado comendo pão com ovo, bacon etc. Nessa parte, não tinha apoio de ninguém.
De acordo com Aline Bernacchi, além do acompanhamento com profissionais, “o apoio familiar ou uma rede de amigos, com suporte e amor em volta, é sempre muito importante para que essa pessoa se mantenha ativa na mudança“.
Hoje, embora não tenha voltado ao peso anterior, Simone está com 100 kg e preocupada:
— Eu fiz uma coisa muito arriscada, e agora sinto que estraguei tudo — lamenta.
A cirurgia, segundo a psicóloga, não pode ser considerada como resolução final, mas como uma ferramenta para isso.
* Estagiário sob a orientação de Adriana Dias Lopes
Matéria – Por Alan Souza*, O Globo