Na infecção pelo HIV, o vírus produz inúmeras cópias no organismo humano. Quanto mais cópias produzidas, maior é a quantidade de vírus presente no sangue, a chamada carga viral.
Os medicamentos antirretrovirais, utilizados no tratamento, impedem o processo de replicação viral e reduzem a carga viral. O objetivo do tratamento é reduzir a carga viral a níveis indetectáveis pelos exames clínicos, para evitar o enfraquecimento do sistema imune e garantir a qualidade de vida.
Apesar dos benefícios, pesquisadores apontam que a infecção pode acelerar o envelhecimento de ossos e de músculos. Com o objetivo de frear esse processo, cientistas da Universidade de Augusta, nos Estados Unidos, analisam se drogas estudadas em ensaios clínicos para o câncer podem ajudar nesse contexto.
“Essas drogas estão fazendo o que deveriam, estão estendendo a vida útil. Agora, o que precisamos fazer é lidar com os efeitos colaterais para que você possa estender o tempo de saúde e a vida útil”, disse Meghan McGee-Lawrence, engenheira biomédica da Universidade de Augusta, em comunicado.
O pesquisador Mark Hamrick, biólogo especialista em ossos e músculos da universidade, explica o chamado “envelhecimento acentuado”. “Mudanças ósseas e musculares que você normalmente vê em uma pessoa de 75 anos começam a aparecer em uma pessoa de 65 anos”, detalha.
Análise de compostos
Os pesquisadores investigam o triptofano, um aminoácido com função importante para o metabolismo que tende a diminuir com o envelhecimento. Conforme avança a idade, os níveis de triptofano tendem a diminuir, enquanto aumenta uma enzima natural chamada indoleamina, que ajuda a quebrar o triptofano em produtos como a quinurenina, associada à produção de combustível para as células.
Esse processo leva a uma maior conversão do triptofano em quinurenina, que ativa o receptor de hidrocarboneto aril (AhR). Em geral, o AhR tem um papel importante, ajudando a reconhecer o ambiente em que estamos e fazer ajustes necessários, além de atuar na resposta imune, regulação da glicose e remoção de toxinas. No entanto, a expressão mais alta de AhR está associada a vasos sanguíneos rígidos e envelhecidos em camundongos e humanos.
A quinurenina mais alta produz níveis mais altos de estresse oxidativo destrutivo, que danifica estruturas celulares. Dessa forma, as células deixam de obter toda a energia de que precisam, levando a um aumento da inflamação e possível envelhecimento de ossos e de músculos.
Recentemente, os cientistas da universidade descobriram que essas dinâmicas relacionadas ao envelhecimento podem aumentar o estresse oxidativo e induzir o processo de envelhecimento, chamado senescência, nas células-tronco da medula óssea, que produzem células dos ossos e dos músculos.
Com a senescência, basicamente, as células normalmente não morrem, apenas param de funcionar de maneira ideal ou podem ter sua função alterada, começando a secretar fatores inflamatórios. Os pesquisadores afirmam que problemas com estresse oxidativo e senescência provavelmente resultam dos medicamentos antirretrovirais que afetam as “usinas celulares”, ou mitocôndrias, de modo que não funcionam de maneira eficiente.
De acordo com Hamrick, o resultado é a aceleração do envelhecimento em cerca de uma década, observando que outros aspectos, como o declínio cognitivo, também parecem afetados.
“Vimos que você obtém alguns marcadores aumentados de senescência e estresse oxidativo especificamente nas células musculares e ósseas”, disse Hamrick. Apesar da clara eficácia dos antirretrovirais atuais contra o HIV, ainda há um nível de inflamação nos pacientes que parece estar aumentando os níveis de quinurenina, disse o pesquisador.
Agora, os cientistas buscam intervir no processo de que leva ao enfraquecimento do organismo de maneira precoce. Eles têm evidências de que, por exemplo, marcadores de atrofia muscular, perda óssea e ativação de AhR estão todos aumentados em seu modelo de camundongo de infecção por HIV. Por outro lado, eles têm evidências iniciais de que eliminar o AhR ou inibi-lo com drogas aumenta a saúde e força muscular e óssea em testes com os animais.
“AhR é um receptor, por isso precisa de algo para se ligar a ele para que todas essas coisas aconteçam em cascata”, disse McGee-Lawrence. “Se você conseguir se livrar do ligante acima, poderá consertar muitos dos problemas.”
Os pesquisadores analisam tanto o impacto dos inibidores da indoleamina quanto os medicamentos que inibem diretamente o AhR. Os novos estudos também testam a hipótese de que a ativação excessiva do AhR é a chave para os danos ósseos e musculares que ocorrem com o envelhecimento e para a aceleração dos problemas com a infecção e o tratamento do HIV.
“Esperamos identificar alguns novos alvos para prevenir a perda muscular e óssea com o envelhecimento”, disse o pesquisador.
Matéria – Lucas Rocha,
FOTO – Christina Victoria Craft/Unsplash