O vírus da dengue coloca em risco cerca de metade da população no mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, a doença pode custar até R$ 2,3 bilhões ao ano para o governo federal, e tem causado epidemias desde a década de 1980. Dedicado ao desenvolvimento de uma vacina nos últimos 10 anos, o Instituto Butantan tem como meta disponibilizá-la no Sistema Único de Saúde (SUS) – passo que está cada vez mais próximo, após a recente publicação dos resultados parciais da fase 3 do ensaio clínico na revista The New England Journal of Medicine.
O imunizante se mostrou seguro e apresentou eficácia de 79,6% na pesquisa com mais de 16 mil voluntários. A pesquisa, que iniciou o recrutamento em 2016, seguirá até que todos os voluntários completem cinco anos de acompanhamento, em junho deste ano. Os dados de eficácia consolidados dos dois primeiros anos de acompanhamento devem ser encaminhados à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no segundo semestre de 2024, o que dará início ao processo de solicitação do registro definitivo.
Durante muitos anos, a única forma de prevenção contra a dengue foi o controle da proliferação do mosquito Aedes aegypti, que transmite o vírus a humanos por meio da picada da fêmea. Em 2016, o investimento brasileiro para combate ao vetor foi de R$ 1,5 bilhão, e o custo reportado pelo governo federal para aquisição de inseticidas e larvicidas foi de R$ 78,6 milhões, segundo estudo publicado no Jornal Brasileiro de Economia da Saúde.
No final de 2023, o governo brasileiro anunciou que incorporaria a proteção contra a dengue no Programa Nacional de Imunizações (PNI). A primeira vacina a ser disponibilizada dessa forma à população brasileira será a Qdenga, da farmacêutica chinesa Takeda, que é aplicada em duas doses. De acordo com o Ministério da Saúde, a campanha de 2024 deve priorizar a imunização de adolescentes de 10 a 14 anos em municípios com mais de 100 mil habitantes onde a dengue é endêmica.
A rede pública de saúde é responsável por 90% das doses de vacinas administradas no país. O SUS atende mais de 190 milhões de pessoas, que poderiam se beneficiar de uma proteção contra a dengue. Cerca de 80% desses indivíduos dependem exclusivamente dos serviços públicos para qualquer atendimento de saúde.
O imunizante do Butantan apresenta facilidade de inclusão no SUS por ser produzido integralmente por uma instituição pública, e se mostrou eficaz com um esquema de dose única. Isso ajuda a reduzir custos, facilita a logística de vacinação e garante a proteção da população, que não precisa retornar ao posto para tomar outras doses.
A necessidade de uma vacina gratuita se tornou ainda mais clara nos últimos dois anos: o país tem enfrentado um aumento de casos de dengue, ultrapassando a faixa de 1 milhão anualmente. As mudanças climáticas contribuem para a adaptação do mosquito a novos lugares e, consequentemente, a disseminação da doença. Prova disso é que, em 2023, a maior incidência ocorreu na região Sul, que historicamente apresentava menos casos devido às temperaturas mais baixas, conforme demonstra a série do Ministério da Saúde de casos de dengue nos últimos 20 anos.
Muitas vezes, a dengue pode se manifestar de forma assintomática, mas uma a cada 20 pessoas desenvolve a forma grave, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. Os sintomas severos incluem dor abdominal intensa, vômito persistente, sangramento nas gengivas ou nariz e dificuldade respiratória. Na dengue clássica, sem sinais de alarme, o paciente costuma ter febre alta de início súbito, dor de cabeça, dor no corpo, náuseas e manchas vermelhas na pele, que podem durar de uma a duas semanas.
Sobre a vacina do Butantan
Em estudo desde 2010, o imunizante se encontra em fase 3 de ensaio clínico, com mais de 16 mil participantes de todas regiões do Brasil. Em dois anos de acompanhamento, a eficácia geral foi de 79,6%. Para pessoas com e sem histórico de infecção prévia pelo vírus da dengue, a resposta imune foi de 89,2% e 73,6%, respectivamente.
Em 2009, o Instituto Nacional de Saúde Americano (NIH, na sigla em inglês) cedeu as patentes e os materiais biológicos referentes às quatro cepas virais que compõem o imunizante (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4). Foi a partir dessa tecnologia que o Butantan desenvolveu o imunobiológico tetravalente, com o objetivo de proteger contra todos os sorotipos do vírus.
A vacina da dengue foi a primeira do Brasil a ser licenciada para uma farmacêutica multinacional, a MSD. Com um acordo firmado em 2018, ambas as instituições atuam em conjunto e compartilham dados de seus estudos clínicos, visando acelerar o desenvolvimento do produto.
Reportagem: Aline Tavares
Fotos: Renato Rodrigues
Matéria – Instituto Butantan