Por DIEGO LASIER MENDES
1.1 Resumo
A Anemia Falciforme (AF) é uma doença hemolítica autossômica recessiva, que se faz presente nos indivíduos homozigóticos para Hemoglobina S. A HbS tem como objetivo fazer a poli-merização dos eritrócitos em condições de hipóxia,
fazendo com que esses assumam o formato de foice. Essa interação dificulta que a circulação adequada dessas hemácias ocorra na corrente sanguínea, causando comprometimento no transporte de oxigênio celular e tecidual, além de contribuir para
o processo de vaso-oclusão, que acarreta processos inflamatórios e infecciosos. O relato trata-se de uma paciente, que se encontra em um estado mais avançado da doença, mostrando desta forma, os resultados do processo de alongamento das
hemácias. O diagnóstico para a Anemia Falciforme deve ser realizado antecipadamente pela triagem neonatal, que consiste no método de rastreamento na população de 0 a 28 dias de vida, pela análise do gene Beta e posterior análise clínica,
com alguns testes como: Hemograma, Teste de Falcização, Dosagem de Hemoglobina Fetal e Hemoglobina A2, Teste de Solubilidade, Imunoensaio, e Focalização Isoelétrica. As formas de tratamento mais efetivos atualmente para
tratamento da Anemia Falciforme são o transplante de células tronco hematopoiéticas (TCTH), como escolha curativa, quando for possível e o uso da hidroxiuréia (HU).
Palavras-chave: Anemia Falciforme; diagnóstico de anemia falciforme; tratamento de anemia falciforme; hemoglobinopatia.
1.2 Abstract
Sickle Cell Anemia (AF) is an autosomal recessive hemolytic disease, which is present in individuals homozygous for Hemoglobin S. HbS aims to polymerize erythrocytes in hypoxic conditions, making them assume the sickle shape.
This interaction makes it difficult for the proper circulation of these red cells to occur in the bloodstream, causing impairment in the transport of cellular and tissue oxygen, in addition to contributing to the process of vasocclusion, which leads to inflammatory
and infectious processes. The report is about a patient, who is in a more advanced stage of the disease, thus showing the results of the red blood cell elongation process. The diagnosis for Sickle Cell Anemia must be made in advance by neonatal screening, which consists of the screening method in the population from 0 to 28 days of life, by analyzing the Beta gene and later clinical analysis, with some tests such as: CBC, Sickling Test , Measurement of Fetal Hemoglobin and Hemoglobin A2, Solubility Test,
Immunoassay, and Isoelectric Focusing. The most effective forms of treatment today for the treatment of sickle cell anemia are hematopoietic stem cell transplantation (HSCT), as a curative choice, when possible and the use of hydroxyurea (HU).
Keywords: Sickle Cell Anemia; diagnosis of sickle cell anemia; treatment of sickle cell anemia; hemoglobinopathy.
1.3 Introdução
A Anemia Falciforme (AF) é uma doença hemolítica autossômica recessiva, que se faz presente nos indivíduos homozigóticos para Hemoglobina S (HbS). É originada devido a uma mutação que ocorre na posição 6 da extremidade N – terminal
do cromossomo 11, onde ocorre a substituição de um ácido glutâmico pela valina. A HbS tem como objetivo fazer a poli-merização dos eritrócitos em condições de hipóxia, fazendo com que esses assumam o formato de foice. Essa interação dificulta que a
circulação adequada dessas hemácias ocorra na corrente sanguínea, como resultado a comprometimento no transporte de oxigênio celular e tecidual, além de contribuir para o processo de vaso-oclusão devido a aderência dessas células no endotélio
vascular, ocasionando processos inflamatórios e infecciosos. (ALMEIDA et al, 2017).
Podem ocorrer ainda, algumas formas heterozigóticas, representadas pelas associações de HbS com outras variantes de hemoglobinas, tais como: HbC, HbD, HbE; as interações com a talassemia e a persistência hereditária da hemoglobina
fetal. (ALMEIDA et al, 2017; FERREIRA et al, 2018).
Os portadores de anemia falciforme não apresentam sintomas nos primeiros seis meses de vida, por terem a presença de hemoglobina fetal (HbF), isso em concentrações superiores às encontradas nos adultos, que é de 1% – 2%. Ocorre após
esse período, a síntese das cadeias gama, formadoras da HbF, que é substituída pelas cadeias beta ocorrendo a estabilização na produção de globinas. Como resultado disto, a HbS passa a ser produzida em quantidade maior, e o indivíduo perde
a proteção da HbF. (LEAL et al, 2017)
A falcização pode ser revertida pelo aumento da pressão parcial de O2, contudo, sucessivas falcizações alteram a estrutura da membrana da hemácia, favorecendo a formação da célula, irreversivelmente, falcizada. (FERREIRA et al,
2018).
O diagnóstico para a Anemia Falciforme deve ser realizado antecipadamente pela triagem neonatal, que consiste no método de rastreamento na população de 0 a 28 dias de vida, pela análise do gene Beta e posterior análise clínica, e também em
testes de triagem, utilizados para realizar um pré-diagnóstico desta doença, os exames usados para o diagnóstico são: Triagem Neonatal, Hemograma, Teste de Falcização, Dosagem de Hemoglobina Fetal e Hemoglobina A2, Teste de Solubilidade, Imunoensaio, e Focalização Isoelétrica. (Sarat CN et al, 2019; JUNIOR et al, 2015). Sendo assim, o objetivo do presente trabalho é relatar um caso de uma paciente com Anemia Falciforme, descrevendo os sinais fisiopatológicos e determinando o perfil hematológico nesta paciente.
1.4 Relato de Caso
Paciente do sexo feminino, 45 anos de idade, negra, originária de Viamão – RS, relata que foi diagnosticada com Anemia Falciforme a partir dos 9 meses de idade, pois já havia tido pneumonia e estava com meningite.
A paciente conta que, nos últimos anos as crises de dores características da AF, ocorrem a cada 6 meses, e eventualmente crises no pulmão, mas que atualmente está mais controlado. Seu irmão mais novo também era portador da Anemia Falciforme, mas faleceu aos 5 meses de idade em um episódio de sequestro esplênico.
Paciente relata que sente dores nos ossos diariamente. É aposentada por invalidez desde 2002, e em casa possui ajuda, pois não pode realizar as tarefas domésticas.
Na tabela abaixo, apresenta-se os últimos hemogramas realizados pela paciente com as respectivas datas.
No dia 19/04/2020 a hemoglobina estava em 5,8 g/dL, então foi realizada transfusão sanguínea, e posteriormente no dia 22/04/2020 foi realizado outro hemograma, já neste a paciente se encontra com hemoglobina de 8,2 g/dL,
demonstrando melhora no quadro. A paciente realizou apenas uma transfusão sanguínea durante este ano de 2020.
Na imagem abaixo do Hemograma da paciente, é possível perceber a presença de drepanócitos (1) (células em formato de foice), células em alvo (2), policromatofilia (3), macrocitose (4).
A paciente realizou também uma eletroforese de hemoglobina no dia 15/10/2020, demonstrando a presença de hemoglobina S em 87,1%; hemoglobina F 9,1% e hemoglobina A2 de 3,8%, conforme imagem 2.
Em função das diversas transfusões sanguíneas, necessárias devido a Anemia Falciforme, descobriu que possuía hepatite C em 1999, realizando o tratamento com Ribavirina, mas não eliminou o vírus, então segue fazendo o monitoramento através de exames laboratoriais. Em consequência das transfusões sanguíneas, apresentou a alguns anos atrás, sobrecarga de ferro no sangue e fez tratamento com Desferal e segue acompanhando os níveis férricos. Tem crises de depressão há 10 anos, fazendo uso de Cloridrato de Sertralina para este fim.
Para a anemia falciforme, realiza tratamento com Hidroxiureia, dois comprimidos de 500mg cada, uma vez por dia, e faz uso de ácido fólico.
1.5 Discussão
A doença falciforme no Brasil, quando descrita em termos médicos, genéticos, sociais ou antropológicos, possui grande ligação com a introdução de negros africanos em nosso país. (NAOUM, 2020). É mais constante onde a parcela de afrodescendentes é de maior tamanho, na região Nordeste e Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Nestas regiões, foi registrado um novo caso de doença falciforme a cada 1000 nascimentos e um novo caso de portadores do traço falciforme
a cada 27 nascimentos. Estimam-se que 2500 crianças que nascem anualmente, possuem a doença falciforme no Brasil. (LERVOLINO, 2020).
A herança da anemia falciforme acontece por meio de um gene autossômico recessivo presente em ambos os pais, no geral, carregam um único gene afetado (heterozigoto), e são portadores assintomáticos, transmitindo assim o gene defeituoso
ao filho, que, portanto, é homozigoto (Hb SS). (LERVOLINO, 2020).
Detectar precocemente a anemia falciforme permite o aconselhamento genético e evita custos para o sistema de saúde. É de extrema importância o aconselhamento genético na doença falciforme pois tem como prioridade a assistência familiar as pessoas acometidas por essa mutação, auxiliando na prevenção, na qual depende do conhecimento dos casais que tem a possibilidade de
gerar filhos com a Doença Falciforme. (LEAL et al, 2017).
O indivíduo com Anemia Falciforme apresenta sintomas variados e que baseiam-se na idade do paciente. A febre é um sinal comum, acontecendo em 80% dos casos, seguida por tosse, taquipneia, dor torácica e dispneia. Os sintomas mais presentes em crianças são febre e tosse, e nos adultos dor torácica, dispneia e hemólise. (SOUZA et al, 2016). A paciente relatou que possui alguns destes sintomas como, a dor torácica, dispneia e dores nos ossos.
As manifestações clínicas na Anemia Falciforme estão ligadas a dois mecanismos fisiopatológicos: hemólise e vaso-oclusão. A hemólise reduz a biodisponibilidade do óxido nítrico (ON), que altera a homeostase das funções vasculares, desencadeando diversas manifestações clínicas, como: inflamação vascular, aumento de radicais livres, acidente vascular cerebral, hipertensão pulmonar e doença hepática; (SANTIAGO et al, 2020; SANTOS NETO, 2020).
Para a maior parte dos pacientes, as complicações vaso oclusivas são muito piores do que a anemia em si, que geralmente é mais tolerada. Visto que, as crises vaso-oclusivas são altamente dolorosas. Outras variações de importância clínica são a síndrome torácica aguda, úlceras de perna, as infecções bacterianas, os acidentes vascular-cerebrais e as complicações cardíacas, que, ligadamente com as crises dolorosas, levam a internações em hospitais, morbidade e morte. (FIGUEIREDO et al, 2014).
Um diagnóstico mais precoce da doença, preferencialmente no período neonatal, através do teste do pezinho que é assegurado pelo Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), facilitara a instituição de um plano de cuidado condizente e prevenção de complicações oriundas da doença certificando desta forma uma maior expectativa e qualidade de vida para estes pacientes. (OLIVEIRA et al, 2013).
As formas de tratamento mais efetivos atualmente para tratamento da Anemia Falciforme são o transplante de células tronco hematopoiéticas (TCTH), como escolha curativa, quando for possível e o uso da hidroxiuréia (HU), que atua reduzindo a
ocorrência e intensidade das crises de dores em 68% a 84% dos casos estudados, reduz o tempo de internação, o número de hospitalização, a frequência de síndrome torácica aguda, e redução de taxa de mortalidade. (FERRAZ et al, 2012).
1.6 Conclusão
As hemoglobinopatias estão entre as doenças monogênicas mais habitualmente descobertas na população. A complicação de seus processos fisiopatológicos, a severidade da doença, e suas muitas manifestações clínicas relacionadas fazem das doenças falciformes um desafio para a ciência. (FIGUEIREDO et al, 2014).
A paciente analisada se encontra em um estado mais avançado da doença, mostrando desta forma, os resultados do processo de alongamento das hemácias.
Permanece sob cuidados médicos, fazendo uso de medicação diariamente e frequentemente faz exames laboratoriais, para acompanhamento da patologia. Porem as dores constantes, complicam a qualidade de vida da paciente, afetando também
seu emocional, pois estas dores regulares causam estresse excessivo, e depressão.
Sendo assim, é destacada a necessidade de uma assistência psicológica constante tanto para a paciente, como a seus familiares próximos.
Além do mais, nota-se que ainda há muito o que se pesquisar, e descobrir sobre a doença focado nos tratamentos pois se refere a uma anomalia genética, até o momento, incurável.
1.7 Referências
ALMEIDA, Renata Araújo de et al. Anemia Falciforme e abordagem laboratorial: uma breve revisão de literatura. 2017.
FERREIRA, Reginaldo et al. Recentes avanços no tratamento da anemia falciforme. 2018.
CARLA, Vaneska Fernandes Leal et al. Aspectos clínicos e moleculares da anemia falciforme: uma revisão de literatura. 2017.
NAOUM, Paulo Cesar. Sickle cell disease: from the beginning until it was recognized as a public health disease. Rev. Bras. Hematol. Hemoter., São Paulo, v. 33, n. 1, p. 7- 9, Feb. 2011. Disonivel em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
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SANTOS NETO, Abilio Torres dos et al . Effects of oxidative stress on liver, brain and spinal cord of rats using L-NAME and treated with hydroxyurea. A model of sickle cell complication. Acta Cir. Bras., São Paulo, v. 35, n. 3, e202000301, 2020. Disponivel
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SANTIAGO, Rayra Pereira. et al. TGFBR3 Polymorphisms (rs1805110 and rs7526590) Are Associated with Laboratory Biomarkers and Clinical Manifestations in Sickle Cell Anemia. Acesso em: 14 outubro 2020.
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SOUZA, Janaina Martins; ROSA, Lemos Elan Patrick. et al. FISIOPATOLOGIA DA ANEMIA FALCIFORME. 2016.
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FERRAZ, Fabiana Nabarro. et al. Uma abordagem sobre o uso da hidroxiureia e do transplante de células-tronco hematopoéticas no tratamento da anemia falciforme. 2012.
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