A realização de exames ecocardiográficos de rotina em crianças e adolescentes soropositivos para o HIV não faz parte das diretrizes terapêuticas do Ministério da Saúde voltadas para o manejo dessa população. No entanto, um estudo da Universidade de São Paulo (USP) publicado na edição de junho do periódico Pediatric Infectious Disease Journal mostra que a inclusão do ecocardiograma na triagem desses pacientes resulta na detecção precoce de alterações, o que possibilita intervenções terapêuticas oportunas.
Na pesquisa desenvolvida durante o mestrado da pediatra Dra. Nathália Vallilo, sob orientação da cardiologista pediátrica Dra. Gabriela Leal, no ambulatório de infectologia pediátrica do Instituto da Criança (ICr) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) foram acompanhados 148 pacientes infectados pelo HIV no período perinatal entre 1991 e 2015. As Dras. Nathália e Gabriela comentaram os dados do estudo em uma entrevista ao portal de notícias Medscape.
Os ecocardiogramas são parte da rotina ambulatorial da instituição analisada, tendo sido solicitados pelo menos uma vez ao ano nos últimos anos, mesmo na ausência de sintomas. Com isso, os pesquisadores obtiveram 480 exames ecocardiográficos das 148 crianças e adolescentes incluídos no estudo.
Cento e dois pacientes (68,9%) apresentaram ecocardiogramas sem alterações. Nesse grupo, foram realizados, em média, dois exames por paciente em um intervalo médio de 2,2 anos. Por outro lado, 31,1% dos participantes apresentaram pelo menos uma alteração ecocardiográfica e, nesse caso, houve uma média de quatro exames por indivíduo, realizada em um intervalo médio de 1,4 anos.
Frequentemente, as alterações detectadas foram subclínicas e transitórias. Em apenas seis casos (1,2%), as alterações foram acompanhadas de sintomas de insuficiência cardíaca. Dilatação do ventrículo direito (VD) foi detectada em 18,9% dos pacientes, enquanto dilatação do ventrículo esquerdo (VE) ocorreu em 21,6% dos participantes. Hipertrofia septal foi observada em 12,2% dos pacientes, hipertrofia da parede posterior do VE em 6,0%, disfunção sistólica do VE em 8,0% e hipertensão pulmonar em 8,7%.
O estudo mostra que infecções oportunistas foram associadas a dilatação do VD, hipertensão pulmonar e disfunção sistólica do VE. Além disso, maior duração da terapia antirretroviral (TARV) foi associada a risco reduzido de dilatação do VE e de disfunção sistólica. Já o uso de inibidores de protease reduziu o risco de dilatação tanto do VD como do VE, bem como o de disfunção sistólica do VE. A maior contagem de CD4 foi associada a risco menor de disfunção sistólica do VE.
Dos pacientes investigados, 15 (10,1%) receberam drogas cardiovasculares, principalmente devido à dilatação do VE e/ou disfunção sistólica detectada por ecocardiograma ou hipertensão sistêmica secundária à nefrotoxicidade de TARV.
A Dra. Nathália afirmou que, apesar de a TARV ter sido associada a redução do risco de dilatação ventricular, a literatura mostra que a terapia tem potencial toxicidade para o sistema cardiovascular; no entanto, a médica destacou que o tratamento com TARV resulta em menos danos do que a suspensão das medicações. “Com base no estudo, mais tempo de terapia antirretroviral permitiu reduzir o risco de comprometimento cardíaco, provavelmente resultante da supressão da carga viral, e melhorar o estado imunológico”, ressaltou.
Um dos achados mais relevantes da pesquisa da USP foi a natureza transitória das alterações ecocardiográficas detectadas. Essa constatação, segundo a pesquisadora, “levanta a hipótese de que modificações no esquema terapêutico e a melhora do estado imunológico podem influenciar na prevalência do comprometimento cardiovascular”. Além disso, a Dra. Gabriela lembrou que a maioria dos pacientes apresentou alterações ecocardiográficas sem manifestar nenhum sinal ou sintoma de insuficiência cardíaca; portanto, ela defendeu que a inclusão do ecocardiograma na triagem de crianças infectadas pelo HIV – independentemente da presença de sinais ou sintomas, ou de alterações ecocardiográficas prévias – pode contribuir para a detecção precoce de problemas cardíacos e permitir intervenções terapêuticas oportunas.
Com informações de “Ecocardiograma na triagem de crianças infectadas pelo HIV – Medscape – 29 de junho de 2020.”