A Complexidade da Gravidade do Autismo: Além dos Sintomas Centrais

A avaliação da gravidade do autismo, atualmente, foca exclusivamente nos dois domínios de sintomas centrais: comunicação social e padrões de comportamento e interesses restritos ou repetitivos. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) baseia-se unicamente nesses critérios para determinar os três níveis de gravidade do autismo, que variam de “requerendo apoio” a “requerendo apoio muito substancial”. No entanto, esta abordagem é incompleta, pois falha em capturar o impacto total do autismo na vida diária e no bem-estar de um indivíduo, devido à presença de outras condições coexistentes, recursos ambientais e necessidades de apoio.

É crucial adotar uma visão mais abrangente que reconheça a heterogeneidade e as múltiplas dimensões do Transtorno do Espectro Autista (TEA). A gravidade do autismo não é estática e pode mudar ao longo da vida de uma pessoa. Estudos mostram que uma porcentagem significativa de indivíduos pode apresentar mudanças na gravidade dos sintomas. A diminuição da gravidade é mais comum durante os anos pré-escolares , e fatores como inteligência dentro da faixa normal e desenvolvimento rápido da linguagem estão associados a uma redução na gravidade dos sintomas. Em contraste, viver em bairros de baixa renda ou ter pais com menor nível educacional pode estar associado a um aumento da gravidade ao longo do tempo.

A avaliação da gravidade deve incluir, para além dos sintomas centrais, as comorbidades médicas, de desenvolvimento e psicológicas, como deficiência intelectual, problemas de linguagem, ansiedade, depressão e epilepsia. Estas condições adicionais podem influenciar de forma significativa a manifestação dos sintomas centrais e a forma como o autismo impacta o funcionamento na vida diária. Uma abordagem multidimensional permite identificar subgrupos significativos de indivíduos, como aqueles com “autismo profundo” , que se caracterizam por alta gravidade dos sintomas, deficiência intelectual coexistente, pouca ou nenhuma linguagem e necessidade de cuidados a longo prazo. Por outro lado, indivíduos sem deficiência intelectual e com habilidades de linguagem intactas podem ter uma qualidade de vida não reduzida e talentos impressionantes em áreas como memória e sistematização, embora ainda enfrentem desafios.

A proposta de um sistema de classificação multidimensional, similar ao utilizado para deficiência intelectual, seria benéfica para a caracterização clínica e para a pesquisa. Esse sistema consideraria não apenas a gravidade dos sintomas, mas também a inteligência, o comportamento adaptativo, a saúde, a participação social e os contextos pessoais e ambientais. Essa visão holística é essencial para determinar as necessidades e os pontos fortes individuais, planejar intervenções, atribuir apoio adequado e, em última análise, melhorar a qualidade de vida e o bem-estar dos indivíduos no espectro autista.


Referência:

Waizbard-Bartov, E., Fein, D., Lord, C., & Amaral, D. G. (2023). Autism severity and its relationship to disability. Autism Research, 16(4), 685-696. https://doi.org/10.1002/aur.2898

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