Transtorno Obsessivo-Compulsivo em Adultos Superdotados: Uma Análise da Intersecção Neuropsicológica e Genômica

O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é uma condição neuropsiquiátrica crônica e cíclica que se manifesta através de obsessões e compulsões, impactando significativamente a qualidade de vida dos indivíduos. A complexidade de sua apresentação clínica e seu caráter crônico e cíclico têm sido amplamente estudados. Notavelmente, o TOC não se restringe a uma fase específica da vida, podendo surgir na infância, adolescência ou vida adulta, com períodos de remissão e recorrência ao longo do tempo. A variabilidade sintomática e a heterogeneidade das respostas aos tratamentos enfatizam a necessidade de abordagens personalizadas.

Paralelamente, o conceito de superdotação, caracterizado por elevadas capacidades cognitivas e habilidades excepcionais, tem ganhado destaque no campo da neurociência e psicologia. Indivíduos superdotados, apesar de suas notáveis capacidades, podem apresentar particularidades neurobiológicas e psicológicas que os tornam suscetíveis a certas condições psiquiátricas. A superdotação vai além de um alto Quociente de Inteligência (QI), englobando características como processamento acelerado de informações, intensidade emocional e um profundo senso de questionamento existencial. Embora vantajosas para o desempenho intelectual, essas características podem paradoxalmente contribuir para uma maior suscetibilidade a condições como o TOC, incluindo hiperatividade cortical, perfeccionismo e sobrecarga mental, que podem atuar como “fertilizantes neurológicos” para o desenvolvimento ou reativação da condição. A mente superdotada, em sua busca por perfeição e coerência, pode ficar presa em padrões de pensamento repetitivos e disfuncionais.

A intersecção entre superdotação e TOC levanta questões cruciais sobre como a estrutura e o funcionamento cerebral em indivíduos altamente capazes podem modular a expressão e a reativação de sintomas obsessivo-compulsivos. A recorrência do TOC na vida adulta em superdotados não deve ser vista como uma simples recaída, mas sim como uma conexão intrínseca entre padrões neurais pré-existentes e novas experiências de vulnerabilidade emocional e cognitiva. Os mecanismos neuropsicológicos e neurológicos subjacentes ao retorno do TOC em adultos superdotados envolvem a hiperatividade cortical e circuitos cerebrais como o cortico-estriado-tálamo-cortical, que podem ter sido hiperfuncionantes na juventude. Mesmo após a remissão sintomática, esses circuitos permanecem sensíveis a estímulos específicos.

Fatores psicossociais, emocionais e cognitivos podem atuar como gatilhos para a reativação do TOC em superdotados, incluindo estresse crônico, fracasso de metas idealizadas, perda de controle ou quebra de rotina, sobrecarga cognitiva e multitarefa. Refluxos emocionais mal processados da juventude, isolamento social intelectual ou emocional e expectativas extremas de si mesmo também são fatores de risco significativos. A mente superdotada possui especificidades como alta consciência metacognitiva, rigor lógico e intolerância a erros, que podem predispor a obsessões mentais camufladas. Essa propensão a “loops analíticos” e o desejo de “fechar raciocínios” podem se transformar em obsessões disfarçadas de racionalidade.

Um estudo de caso clínico ilustrativo demonstrou a natureza cíclica do TOC em um adulto superdotado de 43 anos. Na infância, o indivíduo apresentou sintomas clássicos de TOC, como rituais de simetria, tocar objetos de forma ordenada e obsessão por limpeza. Na adolescência, esses comportamentos foram esporádicos, mas na fase adulta houve o retorno da compulsão por limpeza de forma leve e o surgimento de um novo sintoma: repetição involuntária de movimentos com a garganta. Esse padrão é consistente com a natureza cíclica do TOC, que é sensível à sobrecarga mental, estresse e oscilações emocionais.

No âmbito genômico, Polimorfismos de Nucleotídeo Único (SNPs) e genes têm sido associados ao TOC e a comportamentos repetitivos. O gene SLCIAI (SNPs rs301430, rs3780412), que codifica um transportador de glutamato, tem polimorfismos associados ao TOC, com atividade alterada em áreas como o córtex orbitofrontal e o caudado, intensificando os loops neurais. O gene HTR2A (SNPs rs6311, rs6313), que codifica o receptor de serotonina 2A e está envolvido na regulação do humor e obsessões, apresenta alelos específicos relacionados à persistência de pensamentos e dificuldade de inibição comportamental. A variante Val158Met do gene COMT (rs4680) afeta a degradação de dopamina no córtex pré-frontal; a variante Met/Met reduz a atividade da enzima, elevando os níveis de dopamina e aumentando a rigidez cognitiva e o looping mental, características comuns tanto no TOC quanto em superdotados. O gene BDNF (rs6265), crucial para a plasticidade neuronal, possui a variante Met que prejudica a secreção de BDNF e a adaptação cognitiva ao estresse, associada a maior risco de ansiedade e menor flexibilidade comportamental. Por fim, o gene SAPAP3 (rs6662980) está relacionado a comportamentos compulsivos, com deficiências nesse gene causando sintomas semelhantes a TOC em modelos animais.

Uma análise genômica preliminar, envolvendo 20 indivíduos (10 com QI > 130 e 10 com QI entre 110-125), revelou que a maioria apresentou alta predisposição genética ao TOC. As SNPs identificadas em genes como SLCIAI, HTR2A, COMT, BDNF e SAPAP3 sugerem uma base poligênica que pode contribuir para a vulnerabilidade ao TOC em superdotados. No entanto, a alta predisposição observada na maioria dos testados, considerando a quantidade de SNPs avaliadas, sugere que as SNPs analisadas não são suficientes por si só para determinar a predisposição ao TOC. A ausência de estudos robustos que identifiquem de forma assertiva todas as SNPs relevantes reforça a necessidade de investigações mais amplas e detalhadas para uma conclusão definitiva sobre o papel da genética na predisposição ao TOC em populações superdotadas.

Portanto, a prevenção e o manejo do TOC em superdotados envolvem mais do que o tratamento de sintomas: exigem uma educação metacognitiva contínua, aliada a hábitos de regulação emocional e limitação voluntária da sobrecarga intelectual. Este modelo de intervenção holístico é essencial para abordar as complexidades intrínsecas à população superdotada.

Referência:

Rodrigues, F. de A. A., Nascimento, F. H. dos S., Espírito Santo, J. L. do, Azambuja, L. S., & Silva, A. P. da. (2025). TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO EM ADULTOS SUPERDOTADOS. Open Minds International Journal, 6(1), 265–273. https://doi.org/10.47180/omij.v6i1.365

 

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