Um estudo publicado no New England Journal of Medicine (NEJM) reacendeu o debate sobre o futuro do tratamento farmacológico da obesidade. Pela primeira vez, dois dos medicamentos mais potentes da atualidade, tirzepatida e semaglutida, foram comparados diretamente em um ensaio clínico rigoroso, com resultados que podem redefinir as condutas médicas e as estratégias terapêuticas para o controle do peso.
A pesquisa incluiu 751 adultos com obesidade, mas sem diabetes tipo 2, acompanhados durante 72 semanas. Os participantes foram distribuídos aleatoriamente para receber uma das duas medicações por injeção subcutânea semanal, em doses escalonadas até o máximo tolerado. O objetivo foi avaliar a eficácia na redução de peso corporal total, além da segurança e da tolerabilidade de cada tratamento.
Perda de peso mais acentuada com tirzepatida
Os resultados foram claros: a tirzepatida mostrou desempenho superior à semaglutida. Ao final do estudo, a redução média do peso corporal foi de aproximadamente 20% no grupo da tirzepatida e de 14% entre os usuários de semaglutida, uma diferença significativa tanto do ponto de vista estatístico quanto clínico.
Essa vantagem pode ser explicada pelo duplo mecanismo de ação da tirzepatida, que atua simultaneamente sobre os receptores GLP-1 (glucagon-like peptide-1) e GIP (glucose-dependent insulinotropic polypeptide). Essa combinação potencializa a liberação de insulina, reduz o apetite e melhora o gasto energético. Já a semaglutida, embora eficaz, age apenas sobre o GLP-1.
Além da perda de peso, ambas as terapias demonstraram melhora em parâmetros cardiometabólicos, como glicemia, perfil lipídico e pressão arterial, indicadores que reforçam seu papel não apenas estético, mas de real impacto sobre a saúde global.
Efeitos adversos e adesão: o outro lado do resultado
O estudo também confirmou um aspecto recorrente no uso de agonistas de incretinas: os efeitos gastrointestinais. Náuseas, diarreia e vômitos foram os eventos adversos mais relatados, sobretudo nas fases iniciais de ajuste de dose. A maioria dos casos foi leve a moderada, mas a tolerabilidade individual determinou o sucesso terapêutico em longo prazo.
Essa constatação reforça que a droga mais eficaz em ensaios clínicos nem sempre será a melhor escolha para todos os pacientes. A adesão depende de fatores como tolerância, estilo de vida e acompanhamento multidisciplinar.
Outro desafio é o acesso. Embora os resultados sejam promissores, o alto custo dessas terapias limita o uso contínuo e amplo, especialmente fora de grandes centros urbanos ou em sistemas de saúde públicos. E ainda não há consenso sobre a manutenção dos resultados após a suspensão do medicamento; vários estudos indicam recuperação parcial do peso quando o tratamento é interrompido.
Limites e próximos passos
Apesar de sua robustez, o estudo avaliou um público restrito, adultos com obesidade, mas sem diabetes tipo 2. Assim, não é possível extrapolar os resultados para pacientes diabéticos ou com doenças cardiovasculares estabelecidas.
Também é importante observar que todos os participantes receberam as doses máximas toleradas, o que representa um cenário idealizado em relação à prática clínica. No mundo real, o controle de dose é mais cauteloso e guiado pela tolerância individual, o que pode influenciar a eficácia final.
Estudos independentes e de longo prazo ainda serão necessários para avaliar a durabilidade dos efeitos, os impactos sobre desfechos clínicos maiores (como eventos cardiovasculares e mortalidade) e a relação custo-benefício dessas novas opções terapêuticas.
Uma nova era para a farmacoterapia da obesidade
A publicação do NEJM representa um marco na abordagem da obesidade, condição reconhecida hoje como doença crônica e multifatorial, que exige intervenções integradas e sustentáveis.
Com base nas evidências atuais, a tirzepatida representa um maior avanço farmacológico recente no tratamento da obesidade, superando a semaglutida em eficácia média de perda de peso. No entanto, a escolha terapêutica deve continuar sendo individualizada, considerando perfil metabólico, comorbidades, tolerância e possibilidade de adesão a longo prazo.
O estudo reforça a necessidade de uma visão ampliada sobre o tratamento da obesidade, que una a potência da inovação farmacológica ao cuidado clínico contínuo, à educação em saúde e ao acompanhamento multiprofissional.
Referência:
Jastreboff, A. M. et al. Tirzepatide as Compared with Semaglutide for the Treatment of Obesity. New England Journal of Medicine. 2025. DOI: 10.1056/NEJMoa2416394.


