Quase uma em cada cinco pessoas com câncer tratadas com inibidores de checkpoint imunológico desenvolveram disfunção tireoidiana, sugerem novas pesquisas.
Os inibidores de checkpoint imunológico revolucionaram o tratamento de muitos tipos diferentes de câncer, mas também podem desencadear uma variedade de efeitos colaterais relacionados com o sistema imunológico. À medida que esses medicamentos são mais amplamente utilizados, as taxas de eventos parecem se tornar mais comuns em comparação com as observadas nos ensaios clínicos.
Neste novo estudo, a Dra. Zoe Quandt, médica da University of California, San Francisco (UCSF), nos Estados Unidos, e colaboradores analisaram especificamente a disfunção tireoidiana, usando dados de prontuários eletrônicos da UCSF, e encontraram mais que o dobro da taxa de hipotireoidismo e mais que o triplo da taxa de hipertireoidismo em comparação com as publicadas nos estudos.
Além disso, diferentemente dos estudos anteriores, que encontraram diferenças na disfunção tireoidiana por tipo de inibidor de checkpoint imunológico, os pesquisadores encontraram diferenças significativas por tipo de câncer.
A Dra. Zoe apresentou o estudo durante uma coletiva de imprensa on-line realizada no dia 31 de março, que estava originalmente agendada para a reunião anual de 2020 da Endocrine Society (ENDO 2020).
“A disfunção tireoidiana após a terapia com inibidores de pontos de verificação imunológico parece ser muito mais comum do que foi relatado anteriormente em ensaios clínicos, e este é um dos primeiros estudos a mostrar diferenças por tipo de câncer e não por tipo de inibidor de checkpoint”, disse a Dra. Zoe durante a sua apresentação.
No entanto, ela também alertou que “há muito mais a ser feito para validar as definições de caso e esses resultados”.
Solicitado a comentar o estudo, o Dr. David C. Lieb, médico endocrinologista e professor associado de medicina da Eastern Virginia Medical School, nos Estados Unidos, disse ao Medscape: “Esses medicamentos estão sendo usados com mais frequência, portanto, não é uma surpresa que estamos observando mais complicações endócrinas, especialmente as doenças da tireoide.”
“Os endocrinologistas precisam trabalhar em estreita colaboração com os oncologistas para garantir que os pacientes sejam rastreados e acompanhados adequadamente.”
Porcentagem muito maior que a esperada
O estudo da Dra. Zoe incluiu 1.146 indivíduos tratados com inibidores de checkpoint na UCSF entre 2012 e 2018, sem história de câncer de tireoide ou de disfunção tireoidiana.
O pembrolizumabe foi o medicamento mais comum (45%), seguido pelo nivolumabe (20%). Menos de 10% dos pacientes receberam atezolizumabe, durvalumabe, ipilimumabe em monoterapia, ipilimumabe/nivolumabe combinado ou outras combinações de inibidores do checkpoint.
No total, 19,1% desenvolveram doença tireoidiana, sendo 13,4% hipotireoidismo e 9,5% hipertireoidismo. Esses números excedem em muito os encontrados em uma metanálise recente de 38 ensaios clínicos randomizados de inibidores de checkpoint, que incluiu 7.551 pacientes.
“Usando essa abordagem encontramos uma porcentagem muito maior que a esperada de pacientes que desenvolveram disfunção tireoidiana”, disse a Dra. Zoe.
Nos dois casos, as duas categorias – hipotireoidismo e hipertireoidismo – não são mutuamente exclusivas, pois o hipotireoidismo pode ocorrer de forma independente ou após o hipertireoidismo.
O Dr. David comentou que “seria interessante ver quais são as causas do hipertireoidismo – tireoidite ou doença de Graves”.
A Dra. Zoe mencionou uma possível razão para a grande diferença entre os ensaios clínicos e os dados da prática clínica.
“Uma vez que usamos esses medicamentos fora dos ensaios clínicos, algumas das restrições de uso em pessoas com outras doenças autoimunes não são mais aplicadas, então meu palpite é que quando os damos a uma população maior, estamos vendo mais desses efeitos colaterais”, ela explicou.
Além disso, “nos ensaios iniciais, as pessoas não sabiam sobre esses efeitos colaterais, então agora estamos fazendo muito mais exames laboratoriais. Os pacientes fazem testes de função da tireoide a cada infusão, então acho que provavelmente estamos descobrindo mais pacientes que desenvolveram essas doenças”.
Novo achado: Diferenças por tipo de câncer e não por tipo de inibidor de checkpoint imunológico
E em uma reviravolta, a Dra. Zoe descobriu que – ao contrário dos estudos randomizados, onde as diferenças observadas foram por tipo de inibidor de checkpoint imunológico –, “surpreendentemente, descobrimos que essa diferença não atingiu significância estatística”.
“Em vez disso, vimos que o tipo de câncer estava associado ao desenvolvimento de disfunção da tireoide, mesmo depois de ajustar para o tipo de inibidor de checkpoint imunológico.”
As porcentagens de pacientes que apresentaram disfunção tireoidiana variaram de 9,7% entre aqueles com glioblastoma até 40,0% entre os pacientes com carcinoma de células renais.
A razão para isso ainda não está clara, disse a Dra. Zoe ao Medscape.
Uma possibilidade está relacionada com os outros tratamentos feitos pelos pacientes com câncer. No carcinoma de células renais, por exemplo, os pacientes também são tratados com inibidores da tirosina quinase, que também podem causar disfunção da tireoide, ou seja, eles podem ser mais suscetíveis ou pode haver antígenos compartilhados ativando o sistema imunológico.
“Essa é definitivamente uma das questões que estamos estudando”, disse ela.
A Dra. Zoe Quandt e o Dr. David C. Lieb informaram não ter conflitos de interesses relevantes.
ENDO 2020. Abstract SAT-418. 31 de março de 2020.
Com informações de: Disfunção tireoidiana após terapia com inibidores de checkpoint imunológico parece mais comum do que se pensava – Medscape – 17 de abril de 2020.